Empresa que disparou SMS golpista por canais do governo ainda tem contrato com Celepar

Processo de rescisão ainda não foi concluído. Após disparos ilegais, empresa ainda recebeu R$ 479 mil em pagamentos da Celepar

Oito meses após o episódio do disparo em massa de mensagens antidemocráticas por canais oficiais do governo do Paraná, a Celepar, empresa de tecnologia do estado, ainda define como vigente o contrato com a Algar Soluções em TIC S/A, empresa responsabilizada pelo conteúdo falho que chegou a 324.818 números de celulares diferentes no andamento das eleições do ano passado. A companhia disse, no entanto, que um processo de rescisão contratual iniciado em 12 de dezembro de 2022 está em fase de conclusão. O trâmite corre sob sigilo e não é possível saber, portanto, se a prestação de serviço está em execução ou foi suspensa.

A informação foi repassada ao Plural por meio da Lei de Acesso à Informação. Institucionalmente, a Celepar não respondeu aos questionamentos feitos. Ainda assim, a companhia procurou a reportagem nesta quarta-feira (7), após a publicação do conteúdo, para afirmar que o contrato foi oficialmente desfeito no dia 2 de junho.

Apesar do posicionamento, até esta terça o contrato firmado entre a estatal e a Algar Soluções seguia ativo no Portal, com fim previsto para maio de 2024. Um mês atrás, a Celepar deu publicidade, no Diário Oficial, a uma alteração no documento “em razão da incorporação da Algar Soluções em TIC S/A. pela Vogel Soluções em Telecomunicações e Informática S/A”.

“A Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná – Celepar, informa que o processo de rescisão contratual iniciou em 12 de dezembro de 2022 e está em fase de conclusão. Sua instrução seguiu as disposições do Regulamento Interno de Licitações, Contratos e Convênios – RILC, desta Companhia. Nesse mesmo sentido, a empresa instaurou procedimento interno para apuração de responsabilidade contratual e aplicação de sanções, relacionado ao Contrato citado pelo interessado, o qual segue em tramitação”, informou a estatal.

No Portal da Transparência, ainda é possível encontrar como vigente contrato entre Celepar e Algar. Portal da Transparência do Paraná/ Reprodução

A reportagem pediu acesso às informações do procedimento administrativo, mas a solicitação foi negada sob o argumento de que os procedimentos não foram finalizados e, portanto, seguem restritos às partes envolvidas.

A Algar foi apontada pela gestão do governador Ratinho Jr. e pela Celepar como responsável pelas falhas que levaram à disseminação, por meio de canais oficiais do estado, de um texto de ameaça a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro em setembro do ano passado, dias antes do primeiro turno das eleições presidenciais. O conteúdo chegou a 324.818 números de celulares diferentes, todos cadastrados na base de dados do governo do Paraná. Muitos o receberam em nome do Detran.

A empresa mineira afirmou no decorrer de investigações levadas à Justiça Eleitoral que base do sistema utilizado para envio e recebimento de mensagens com o uso de credenciais válidas vinculadas à Celepar foi acessada indevidamente por um de seus funcionários. Segundo o relatado em processo, foram quatro disparos feitos em um intervalo de quatro horas entre os dias 23 e 24 de setembro. “Vai dar Bolsonaro no primeiro turno! Senao, vamos a rua para protestar! Vamos invadir o congresso e o STF! Presidente Bolsonaro conta com todos nos!! [sic]”, dizia o conteúdo.

As movimentações do servidor para enviar o SMS começaram dois dias antes de a ação ser executada.

Após o caso, a empresa ainda recebeu R$ 479.683,78 em pagamentos da Celepar. Os últimos repasses foram feitos em janeiro – quatro meses após o escândalo e um mês depois de iniciado o processo de rescisão contratual. Conforme o Portal da Transparência, a estatal, no entanto, também tem um segundo contrato vigente com a Algar Soluções em TIC S/A – de prestação de serviços de conexão IP –, e a forma de publicação dos extratos de pagamento no sistema do governo não permite identificar a qual documento está vinculada cada nota. A reportagem questionou a Secretaria da Fazenda sobre a descrição das notas, mas não obteve retorno.

Processos

Na Justiça Eleitoral do Paraná ainda tramita a ação de investigação para apurar suposto crime eleitoral praticado com o envio das mensagens. Na primeira decisão sobre o caso, assinada no dia seguinte aos disparos, o ministro Benedito Gonçalves considerou que tanto o governo do Paraná quanto a Celepar “vieram a público, não apenas para repudiar o uso ilícito dos disparos de mensagens em massa, como também para informar o nome da empresa terceirizada que executou os disparos e as providências já adotadas para dar início à apuração de responsabilidade”, motivo pelo qual não foram determinadas medidas contra o Executivo e a companhia.

Já a Justiça Federal de Minas Gerais analisa pedido de indenização de R$ 970 milhões proposto pelo Ministério Público Federal do estado (MPF-MG) contra a Algar e a Celepar por violação aos direitos e aos dados pessoais de cidadãos cadastrados nos canais do Paraná cujas bases foram acessadas pelo autor das mensagens. A ação civil pública sustenta que a manipulação de “dados extremamente sensíveis” para enviar as mensagens de texto “revela não só um incidente de segurança como, repita-se, a utilização indevida dos dados pessoais dos titulares. Certo é que os fatos revelam lesão direta ao Direito Fundamental da Proteção de Dados dos titulares, seja pela ótica da Lei 13.709/18, chamada Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), seja pela ótica do Código de Defesa do Consumidor e de vários outros diplomas legais”. A última movimentação do processo foi em janeiro.

Em dezembro do ano passado, a Celepar contratou uma empresa para prestar “serviço de investigação técnica de incidente de segurança da informação” no caso Algar. A Ernst & Young Assessoria Empresarial foi admitida sem licitação para executar os procedimentos, a um valor de R$ 475.598. O contrato se encerra no próximo dia 28. A estatal afirmou, contudo, que a íntegra da auditoria, bem com seus resultados, foram classificados como documentos de acesso reservado (segredo industrial) e serão utilizados apenas nos processos judiciais pertinentes.

Procurada, a Algar afirmou não ter havido vazamento de dados pessoais. Em nota, a empresa da Minas Gerais afirmou ainda que “registrou o fato perante as autoridades competentes para investigação, colaborou de forma ativa e aguarda por sua conclusão”.

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2 comentários em “Empresa que disparou SMS golpista por canais do governo ainda tem contrato com Celepar”

  1. Romeu Gomes de Miranda

    Ironia, má fé ou tirania?
    Enquanto Ratinho deixa de pagar o que deve aos professores, gasta milhões com empresa criadora de fazer news? E o presidente da Assembleia Legislativa, emudeceu? Quero lembra- lo que essa casa legislativa tem o dever de fiscalizar os atos do executivo. O que fez?

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