Em 2022, 42 abortos legais foram realizados em Curitiba

O principal motivo para o procedimento, segundo as estatísticas, foi a gravidez decorrente de estupro

No ano passado, 42 abortos legais foram realizados no Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC-UFPR), único em Curitiba a fazer o procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Até o dia 29 de março de 2023, foram feitos cinco abortamentos no hospital. O motivo principal para a realização do procedimento, segundo a instituição, foi a gravidez resultante de estupro.

No Paraná, conforme informações da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), foram feitos 67 procedimentos de interrupção da gravidez previstos em lei em 2022. Isso significa que 63% dos abortamentos do estado foram realizados em Curitiba. Em janeiro deste ano, foram cinco abortos.

Leia mais: “Aborto legal em Curitiba cresce 70% em 2020”

Das 72 interrupções de gestação no Paraná, contando os dados de 2022 e 2023, apenas 11 não precisaram ser submetidas a procedimentos de limpeza do útero. Do total, 54 (80,5%) abortos precisaram ser submetidos à curetagem e 7 (10,4%) à aspiração manual intrauterina (AMIU). Essas intervenções, no geral, são necessárias após um aborto incompleto – seja ele provocado ou espontâneo.

O levantamento da Sesa mostrou ainda que as mulheres que abortaram nesse período tinham de 20 a 34 anos, sendo 86,1% delas brancas.

Violência sexual

A violência sexual consiste, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em “qualquer ato sexual ou tentativa de obter ato sexual, investidas ou comentários sexuais indesejáveis, ou tráfico ou qualquer outra forma, contra a sexualidade de uma pessoa usando coerção”, podendo ser praticada por qualquer pessoa, independentemente da relação com a vítima, e em qualquer cenário.

Conforme dados da última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em nove anos (de 2012 a 2021), 583.156 pessoas foram vítimas de estupro e estupro de vulnerável no Brasil. Só em 2021, 66.020 boletins de ocorrência desses crimes foram registrados no país.

Mais da metade das vítimas eram negras (52,2%), enquanto mulheres brancas representavam 46,9%. Mulheres asiáticas e indígenas somaram pouco menos de 1%.

Imagem: Reprodução/Anuário Brasileiro de Segurança Pública

Estatísticas da Secretaria de Segurança Pública do Paraná (Sesp) mostram que, em 2022, houve 9.876 casos de violência sexual no estado. O município com maior número de casos (1.400) foi São José dos Pinhais, seguido por Curitiba (1.292).

Nos dois primeiros meses de 2023 foram 1.651 casos. Novamente São José dos Pinhais registrou mais ocorrências (251) seguido pela capital (205).

A Sesp não registra o crime de violência sexual de forma específica, o que significa que não há informações sobre a idade das vítimas, por exemplo.

Crianças e adolescentes

Qualquer ato entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente que tenha por finalidade estimular sexualmente a pessoa menor de idade, assim como utilizá-la para obter qualquer tipo de estimulação sexual é crime. A violência sexual contra crianças e adolescentes, de modo geral, inclui a pedofilia, abusos sexuais e o incesto.

De 2020 para 2021, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, houve um aumento no número de registros de estupro de vulnerável, que subiu de 43.427 para 45.994. Destes, 35.735 (61,3%), foram cometidos contra meninas menores de 13 anos.

O Hospital Pequeno Príncipe atende casos de violência e abuso sexual infantil em Curitiba. Conforme a instituição, até o dia 15 de março de 2023, o hospital recebeu 128 notificações de abuso infantil. Destas, 67 foram de violência sexual, sendo que em 56 delas a vítima era do sexo feminino.  

O maior número de casos, segundo o Pequeno Príncipe, envolve meninas de 2 e 5 anos (8 casos, cada). Foram 7 casos envolvendo crianças de 8 meses a 1 ano. Dos 3 aos 6 anos, foram 17 notificações. Meninas de 8 a 12 anos foram vítimas em 16 casos de violência sexual. 

Rede de atendimento

Mulheres e pessoas com útero que pretendem interromper a gravidez conforme as hipóteses previstas na legislação podem recorrer à rede de atendimento do SUS.

Em Curitiba, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) tem um protocolo que, além de nortear o atendimento que deve ser feito pelos hospitais e profissionais de saúde, dá orientações às vítimas e responsáveis (caso se trate de uma pessoa com menos de 18 anos). Entre as diretrizes, por exemplo, está o acolhimento multiprofissional (com médicos e psicológicos), além do acompanhamento do caso pela Delegacia da Mulher e pelo Instituto Médico Legal (IML), em casos de estupro. 

Já no Paraná, em casos de gravidez com feto anencéfalo e gestação de risco materno, a mulher é encaminhada aos hospitais pactuados para atendimento de gestação de alto risco da Linha de Cuidado Materno-Infantil, amparada na Atenção Primária à Saúde, compartilhado com a Atenção Ambulatorial Especializada e também a Atenção Hospitalar. O estado conta com 30 maternidades que atendem gestantes de alto risco.

Para realizar o aborto, o Paraná tem quatro hospitais de referência. São unidades hospitalares universitárias em Curitiba (Hospital de Clínicas), Cascavel (Hospital Universitário do Oeste do Paraná), Londrina (Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná) e Maringá (Hospital Universitário Regional de Maringá).

Todo o atendimento no estado é baseado no “Protocolo de Atenção Integral às Pessoas em Situação de Violência Sexual” e na “Linha de Cuidado Materno Infantil”. 

Aborto legal

No Brasil, o aborto só não tem previsão de punição em três casos: gravidez por estupro, gestações que coloquem em risco a vida da mulher e fetos com anencefalia (ausência ou má formação do sistema cerebral). 

Em casos de violência sexual, a legislação não exige autorização judicial, boletim de ocorrência ou exame de Corpo de Delito para a realização do abortamento.

Leia mais: “Aborto legal no Brasil: mulheres enfrentam barreiras para interromper a gravidez”

Atualmente, estão em discussão duas propostas que visam a descriminalização, ainda que parcial, do aborto pela via judicial. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2017 e prevê a descriminalização do aborto voluntário até o terceiro mês de gestação, e a ADPF 989, de 2022, que discute justamente a dificuldade de acesso das mulheres ao aborto legal. Os processos, no entanto, não têm data para serem julgados.

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