Nudez de Xixo é aula de democracia

Livro de Wilson Ramos Filho inclui crônicas sobre o período terrível da Covid e do bolsonarismo

O que a democracia tem a ver com punhado de 33 pequenas crônicas em 103 páginas intercaladas por reminiscências, os anos terríveis da Covid, o desastre, para dizer o mínimo, do governo Bolsonaro e seus áulicos, e foram muitos, redes sociais, críticas da uberização da vida e recortes do último processo eleitoral? Eu diria muito. O livro “Nudez – O Brasil sem roupa e sem máscaras”, de Wilson Ramos Filho (Xixo) é uma aula, apesar de breve, do compromisso com a história política paranaense e brasileira.

Eu sou sempre ávido por um debate profundo das coisas e a forma que tudo isso impactou os meus, a cidade e o mundo. Xixo, nesse compêndio editado pela Giostri e prefaciado por João Marcos Buch, me diz “menas” ao fazer pequenas e rápidas reflexões do que aconteceu no país entre 2020 e 2021.

É uma escrita e uma leitura de que tem lado nessa imodesta Curitiba onde em parte dos círculos, digamos letrados, qualquer tipo de opinião mais aguda ou áspera é contradita por olhares vazios feitos zumbis sedentos por sofismas.

Em “Pandorga”, uma expressão bem usual na minha infância para pipas e papagaios, Xixo faz um paralelo naquilo que grassa a internet e as redes sociais. Cada grupo empinado sua pandorga, algumas com cerol, tentando prevalecer sua tese ou verdade mesmo com os fatos contradizendo as feiquenius. “Simbolicamente, há apenas pândegos pandemônios de pandorgas em nossa rede social que a brisa do Brasil beija e balança”, diz ele.

Berman, Bauman e Chomsky, não necessariamente nesta ordem, aprofundam o assunto e dizem que este processo não é recente, ou pelo menos dos anos 2000. Eu mesmo, quem diria, profetizava no final dos anos 90 que estávamos vivendo numa espécie de idade média obscura cheia de parafernálias eletrônicas que se tornam terríveis nas mãos dos guaramputas. Vejam os exemplos para bem ou mal nas campanhas de Obama, Trump e Bolsonaro.

Wilson Ramos Filho, o Xixo. Foto: Divulgação

Xixo nos mostra ainda que mesmo no milagre econômico – crescer o bolo e depois reparti-lo na tese de Delfim Netto -, a ditadura perdeu as eleições em 1974, 1978 e nos seus estertores de 1982. “Agosto” lembra desde a imposição de senadores biônicos e a tamanha vontade por mudanças elegeu até deputados do MDB com pouco mais de mil votos.

Em “Cosmopolitas”, nesse pêndulo reminiscente, soubemos que Charles Conrad, o astronauta norte-americano da Apollo XII, na verdade era brasileiro da divisa de União da Vitória (PR) e Porto União (SC). Apesar de certo domínio público nas duas cidades, Xixo, de forma inteligente, instiga a historiografia a revisar a naturalidade de Conrad, um contraponto ao senador/astronauta Marcos Pontes (PL-SP) que cegou seus próprios olhos ao aderir ao terraplanismo.

O livro traz um episódio do astuto Anibal Curi, Khoury, Kury – o engedrador da ‘moderna’ política paranaense  – que ao receber um grupo de sindicalistas do serviço público – Xixo presente – declina ao telefone a doação eleitoral de um empresário e pede que ele a repasse a um deputado petista que disputava a reeleição.

O maledicente barbeiro, bolsonarista convicto, não escapou da observação do freguês habitual. Xixo revela uma certa mania, no bom sentido, da fidelidade ao mesmo barbeiro, podologia, técnico de informática, açougue, padaria, banca de feira e assim por diante. Eu, que passei por essas e se fosse o Xixo, trocava de barbeiro assim como boicoto a Havan, Americanas, Madero, Lar, Coco Bambu e mais algumas – a lista é grande. Lembro de uma família argentina que não tomava Coca-Cola e dizia que era menos uma bala norte-americana contra os sandinistas.

O mesmo tipo de ‘reflexão’ traz “Batel”, onde Xixo num condomínio típico da classe média resolveu contrapor a bandeira verde e amarela do Brasil com a bandeira vermelha do PT. Qual o quê. A disputa com apenas um vizinho se estendeu a várias varandas – com a predominância do verde e amarelo – nos dois prédios do condomínio.

A manifestação do então vereador Renato Freitas na Igreja do Rosário é pontuada em “Colonização”. Xixo escorraça o termo invasão, usado ad infinitum pela mídia gorda, em referência ao ato político de um grupo de jovens negros em uma igreja construída por negros escravos impedidos de frequentar os templos dos brancos. 

Xixo também anota que a campanha eleitoral começou com assassinato do tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, Marcelo Arruda, por um bolsonarista tomado pela fúria fascista. “Nosso país também foi baleado pela ignorância, pelo fundamentalismo  cristão que faz arminha com a mão, pelo moralismo hipócrita, pela violência do neoliberalismo, pelo ódio fascista”.

As duas últimas crônicas do livro – “Reciprocidade” e “Derrota” – trazem o resultado das eleições de 2022 que elegeu Lula e derrotou Bolsonaro. “Não contem comigo para estender a mão aos derrotados. Trato-os com reciprocidade”, diz Xixo ao elencar os crimes e barbaridades em caso da vitória bolsonarista.

“Foi uma derrota que, mais do que entrar na História do Brasil, entrou na subjetividade dos derrotados de modo perene. Eles jamais esquecerão da derrota deles. Nós também não.”

Como diz João Marcos Buch no seu prefácio: “gerações atuais e futuras, na linha tecida pelo autor, seguirão o fio do tempo e compreenderão melhor como os sobreviventes e também os que tiveram suas vidas ceifadas pela pandemia e, mais especialmente, no caso do Brasil, pela pandemia e por um governo que refutou a ciência e que fora acusado de genocida. tentaram existir e coexistir”.

Viva a classe trabalhadora!

Em tempo: Wilson Ramos Filho (Xixo) é presidente do Instituto Defesa da Classe Trabalhadora (iDeclatra)

Sobre o/a autor/a

4 comentários em “Nudez de Xixo é aula de democracia”

    1. Não podemos esquecer, de fato, o que aconteceu com o nosso país nestes últimos anos. O que leva pessoas a acreditar num sujeito que desconstruiu, ou tentou destruir, aquilo que a civilização erigiu durante séculos?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima