Contratos do transporte previam integração entre modais, qualidade e participação social

Em nova reportagem sobre o transporte coletivo o Plural explica o que foi a licitação de 2009 e o que os contratos com as empresas concessionárias previam

Antes de qualquer discussão sobre as possibilidades em torno do Sistema de transporte Coletivo de Curitiba é preciso entender o que foi licitado em 2009 e as implicações disso até o encerramento do contrato em 2025. O Plural já explicou o histórico do envolvimento da família Gulin no desenvolvimento do serviço e a formação dos consórcios vencedores da licitação. Nesta reportagem vamos explicar o contrato atual.

Quando foi licitado em 2009, o transporte coletivo de Curitiba transportava 21,4 milhões de passageiros por mês em média. Hoje a média é de 11 milhões de passageiros por mês, uma queda de 47%. A concessão previa o envolvimento das empresas não apenas no transporte comum coletivo, mas também a operacionalização de dois outros serviços de transporte: a Linha Turismo e o SITES (Sistema de Transporte para a Educação Especial), o que segue até hoje.

Bike compartilhada quer integrar modais, mas fica longe de terminais

Linha turismo e Sistema de Transporte para a Educação Especial (SITES)

A inclusão desses dois serviços – SITES e Turismo – não parece fazer sentido dentro da lógica do contrato, que remunera as empresas concessionárias pela relação entre o número de passageiros transportados por quilômetro. Serviços de ônibus turísticos como o de Curitiba foram licitados em outras cidades à parte, como em Blumenau (cidade que tem um quinto da população de Curitiba).

Já o transporte de crianças da educação especial também poderia ser licitado à parte, já que está em outra área de ação – a educação. Segundo dados da prefeitura, o SITES transporta 2,3 mil alunos com deficiência motora ou mental em 56 linhas dos bairros até as escolas especiais. Parte das linhas – 21 – passam pelo terminal do serviço, no Cristo Rei e as demais são diretas bairro-escola.

Muito embora a metodologia de cálculo da tarifa técnica não especifique métricas diferentes para esses dois serviços, o edital de 2009 inclui custos deles na composição geral do sistema e na base de cálculo, de forma que a empresas são remuneradas pela prestação do serviço.

Base de cálculo de custos com pessoal, edital de licitação do transporte/2009. Foto: reprodução.

Objetivos da Rede Integrada de Transporte

1.3 A prestação do serviço descrito no objeto do presente contrato, ao longo de todo o período de vigência da concessão, deverá assegurar:
1.3.1 A prestação adequada dos serviços públicos de transporte coletivo urbano de passageiros, nos termos do art. 6º da Lei n° 8.987/ 95, de maneira a garantir a eficiência do Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Curitiba, na forma do Termo de Referência constante no ANEXO I deste Edital;
1.3.2 A manutenção, ampliação e modernização dos bens reversíveis vinculados à concessão, para garantir a continuidade e qualidade no atendimento das demandas atual e futura.
1.3.3 A adequação de toda a frota de ônibus com especificações próprias para o transporte urbano de passageiros em condições de segurança, acessibilidade, conforto, facilidade de embarque e desembarque, em níveis mínimos de poluição ambiental;
1.3.4 A universalidade de atendimento, respeitados os direitos e obrigações dos usuários;
1.3.5 A boa qualidade do serviço, envolvendo sustentabilidade, rapidez, conforto, regularidade, segurança, continuidade, modicidade tarifária, eficiência, atualidade tecnológica e acessibilidade, particularmente para as pessoas com deficiência, idosos e gestantes;
1.3.6 A integração com os diferentes modais de transportes e com os municípios da Região Metropolitana de Curitiba;
1.3.7 A redução das diversas formas de poluição ambiental, conforme as prescrições das normas técnicas e dos padrões de emissão de poluentes;
1.3.8 A transparência e participação social no planejamento, controle e avaliação da política de mobilidade urbana;
1.3.9 O estímulo à produtividade e qualidade através de avaliações de indicadores estabelecidos;
1.3.10 O estímulo à participação do usuário no acompanhamento da prestação dos serviços delegados.

(URBS – URBANIZAÇÃO DE CURITIBA S.A. – EDITAL DA CONCORRÊNCIA Nº 005/2009 – PROCESSO Nº 100/2009 – ALI/DTP – LICITAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE COLETIVO URBANO DE PASSAGEIROS DO MUNICÍPIO DE CURITIBA)

É fácil perder de vista, entre todo debate sobre custo e impacto da Rede Integrada de Transporte de Curitiba, afinal o que se quer com o transporte coletivo na cidade. Mas no edital de 2009 há uma definição bastante clara dos objetivos do sistema (confira a íntegra acima). O trecho especifica que o serviço a ser licitado deveria garantir ônibus limpos e em condições adequadas de manutenção, integração com o transporte coletivo da região metropolitana, atendimento universal, redução da poluição, qualidade, eficiência e participação social.

Parte desses objetivos se perderam desde então, como a integração real com a região metropolitana. Em 2015 a Comec (Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba) e a URBS encerraram parte do convênio para gestão e operacionalização conjunta da Rede Integrada de Transporte da Região Metropolitana. Com isso, a concessão do sistema licitada em 2009 deixou de gerir o atendimento a 5 milhões de passageiros por mês da rede integrada.

No item redução da poluição, a RIT implantou em 2009 o uso do biodiesel em alguns ônibus da frota. O biodiesel é o diesel de origem vegetal, produzido a partir de óleo de soja, mamona, canola, entre outros. O programa foi encerrado em 2022, quando a URBS e os três consórcios assinaram o aditivo 9 do contrato de 2010. O documento afirma que:

CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA
Considerando que a tecnologia do biocombustível onera o custo do sistema em relação ao consumo do Diesel-S10, sem a vantajosidade ambiental, sendo que as tecnologias utilizadas nos veículos incorporados desde 2012 já tratam dos resíduos poluentes do Diesel-S10 com muita eficiência, ficam definidas as regras abaixo em relação à utilização do diesel.

CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA
A partir deste termo, os veículos com motores diesel utilizarão esse combustível conforme legislação nacional para a operacionalização do sistema.

O uso de biodiesel na frota curitibana era inovador em 2009, quando a cidade foi pioneira na adoção do combustível orgânico no transporte coletivo, mas não implicou em nenhum grande investimento já que o biodiesel pode ser usado em motores diesel regulares. O projeto inicial contemplava a transformação de óleo vegetal usado captado em Curitiba em combustível, mas no final o biodiesel utilizado foi o produzido a partir de óleo de soja virgem.

Em 2016 a cidade começou os testes com veículos híbridos – movidos a eletricidade e a biodiesel. Segundo informações do site da URBS, a frota de veículos híbridos e movidos a biodiesel chegou, em 2018, a 64 unidades, ou 5% da frota. Com o encerramento do programa de B100 (100% biodiesel), sobram 30 veículos híbridos ou 2% da frota.

O prefeito Rafael Greca (PSD) agora pretende comprar veículos elétricos para a RIT com financiamento público.

Cálculo da tarifa técnica

A metodologia de cálculo da tarifa do transporte conforme estipulado no edital de 2009 começa com a definição do total de passageiros pagantes equivalentes – o total de passageiros pagantes mais o equivalente aos passageiros isentos ou com desconto e o total de quilômetros rodados pela frota do transporte no período.

A razão entre esses dois valores define o Índice de Passageiros por Quilômetro Rodado ou IPK. A falha do sistema em aumentar o número de passageiros impacta diretamente nesse índice, já que quanto mais passageiros por quilômetro, maior o índice pelo qual o custo por quilômetro será dividido para definir o valor da tarifa técnica.

Fórmula de cálculo da tarifa técnica da RIT.

Num segundo momento, o valor da tarifa é definido pela divisão do custo por quilômetro pelo IPK. A definição do custo por quilômetro contempla seis itens:

  • Combustíveis e peças
  • Pessoal
  • Administração
  • Amortização
  • Rentabilidade justa
  • Impostos

A variação do peso desses itens pode ser vista no gráfico abaixo:

Participação social

Em Curitiba, o Conselho Municipal de Transporte (CMT) é o órgão de participação social da Rede Integrada de Transporte (RIT). Mas na gestão 2023/2024 o Conselho não tem representantes – nem titular nem suplente – dos usuários. E a última ata disponível do órgão é de junho de 2022. Na gestão anterior também não foram indicados representantes dos usuários. Foi o único grupo com vaga no Conselho a não ter representação.

O Conselho foi criado em 2009 para:

I – promover a participação da comunidade na formação de decisões relevantes acerca de políticas regulatórias de transporte coletivo urbano municipal;
II – elaborar proposições acerca de políticas regulatórias de transporte coletivo urbano municipal para análise pelo Poder Executivo;
III – participar, como órgão consultivo, da formação de decisões relevantes acerca de políticas regulatórias de transporte coletivo urbano municipal;
IV – aproximar as diversas classes de usuários do serviço público de transporte coletivo urbano do Poder Concedente e dos prestadores do serviço;
V – fornecer informações aos Poderes Públicos acerca da situação da prestação dos serviços de transporte coletivo urbano, ampliando o seu universo de elementos para fins de controle;
VI – averiguar o valor da interferência dos diversos componentes na fixação do custo tarifário.

Com dez assentos, o Conselho tem representantes de várias instituições com interesse na rede de transporte:

Composição do Conselho
I – 1 (um) representante do Poder Executivo Municipal, indicado pelo Prefeito;
II – 1 (um) representante do Poder Legislativo Municipal, indicado pelo Presidente da Câmara Municipal;
III – 1 (um) representante das empresas contratadas, indicado pelo sindicato patronal;
IV – 1 (um) representante dos empregados das contratadas, indicado pelo sindicato de classe;
V – 1 (um) representante dos usuários do transporte coletivo, indicado pela entidade representativa;
VI – 1 (um) representante do Órgão Gerenciador do Sistema, indicado pela URBS;
VII – 1 (um) representante do Órgão de Planejamento do Município, indicado pelo Presidente do IPPUC;
VIII – 1 (um) representante de instituição de ensino superior;
IX – 1 (um) representante do Estado do Paraná, indicado pelo Governador;
X – 1 (um) representante dos municípios da Região Metropolitana de Curitiba, indicado pelo Presidente da Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Curitiba – ASSOMEC;
XI – 1 (um) representante da Entidade Executiva de Trânsito, indicado pela URBS.

Como todo conselho, o CMT deveria ter reuniões com calendário público, mas a página dele no Portal de Conselhos está desatualizada, as atas estão desatualizadas e há pouca informação sobre as ações do conselho. Sem informação e sem transparência, o papel de participação do conselho fica prejudicado.

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3 comentários em “Contratos do transporte previam integração entre modais, qualidade e participação social”

  1. Para diminuir a tarifa basta repactuar os atuais contratos por iniciativa do prefeito como fez na pandemia para dar subsídios, eliminar o IPK e pagar por Km rodado como faz Araucária. A URBS pode aprender com a Secretaria de Mobilidade e Transporte daquele município.
    Incalculável por KM já está pronto há muito tempo pelas transportadoras rodoviárias. No caso da soja cobra-se R$8,00 por KM rodado, por caminhos com motores idênticos aos BRTs de Curitiba, sendo que a URBS está pagando R$12,00 as empresas , logo suoerfaturado!

  2. Realmente, para entender como a tarifa do transporte coletivo de Curitiba se tornou a mais cara do Brasil, tem que entender a licitação denunciada como fraudada de 2009 e os contratos de 2010, O segredo do negócio altamente lucrativo está no IPK, usine, na divisão do custo total pelo total de passageiros. Diminuindo drasticamente o número de passageiros aumenta-se a tarifa.
    Araucária no final de 2022, fez nova licitação e provou isso . Eliminou o IPK e a tarifa caiu de R$4,90 para R$1,25 hoje!

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