Mas afinal, quem são os Gulin?

Família imigrou da Itália para o Brasil no fim do século XIX e entrou no negócio do transporte coletivo muito antes dele ser como conhecemos hoje

Pode ser que você já tenha ouvido o sobrenome Gulin inúmeras vezes, geralmente ligado ao transporte coletivo de Curitiba e seus problemas. Mas sabe de onde surgiu a família e por que ela é parte tão essencial da Rede Integrada de Transporte da capital? Pois ela se mistura com a própria história de Curitiba.

Na Curitiba anterior ao planejamento urbano, as vias conectoras e o transporte expresso colônias de imigrantes estabelecidos no que hoje conhecemos como Água Verde, Cabral, Portão, Santa Felicidade e outros bairros abasteciam a cidade levando seus produtos de carroça até o Centro pelas vias que hoje são a Avenida João Gualberto, a República Argentina, a Eduardo Sprada e outras.

Quando a cidade cresceu e a população precisou se deslocar por distâncias maiores o transporte passou a ser feito por bondes no final do século XIX, na época puxados por cavalos. No início do século seguinte os bondes foram eletrificados e passaram a ser administrados pela Companhia de Força e Luz do Paraná (CFLP). O problema, porém, é que a CFLP o transporte de passageiros era uma atividade secundária e não lucrativa.

Bondes em Curitiba no início do século XX, puxados por cavalos, antes da eletrificação. Fonte: A História do Transporte Coletivo em Curitiba, Denise de Camargo.

Enquanto isso, no fim do século XIX o patriarca da família Gulin, José Gulin, começava o primeiro negócio significativo do grupo: um bazar. De ascendência italiana, José Gulin nasceu em 9 de outubro de 1879, em Santa Felicidade, Curitiba, filho de Domenico Golin e Valentina Peruzzo. Domenico era imigrante italiano e chegou ao Brasil em 1878 segundo registro de entrada de imigrantes do Arquivo Público do Paraná.

Mas foi José que deu origem ao clã que hoje domina o transporte em Curitiba. Casado em 1904 com Maria Luigia Baron, teve oito filhos e uma filha. Os filhos de José entraram no negócio do transporte público em 1949 no que viria a ser a Transporte Coletivo Glória liderados por Alfredo e João Gulin. A empresa se tornaria concessionária do transporte na década seguinte.

Segundo o Family Search, site de genealogia da Igreja de Jesus Cristo dos Últimos dias, o casal José e Maria teve uma única filha, Assunta Golin, e oito meninos: Domingos, Valentin, Valentin (há dois filhos registrados com o mesmo nome), Angelo, David, João, Pedro e Alfredo. O Valentin mais velho, nascido em 1907, morreu em 2010.

(A grafia do nome da família varia nos registros encontrados. O registro de entrada de Domenico Golin grafa o nome com “O”, enquanto os registros dos descendentes utiliza o “U”. No entanto há descendentes de Domenico que ainda hoje usam o sobrenome Golin).

Na década de 1940, o sistema de bondes foi vendido para a Companhia Curitibana de Transportes Coletivos, que os substituiu por ônibus. A cidade passou a ter a maior parte de do transporte realizado por autolotações e empresas. Um deles, Erondy Silvério, começou como motorista e se tornou proprietário da Autoviação Marechal e um dos principais personagens do processo de formalização das empresas de transporte.

O serviço na época era ruim, com os ônibus mudando de rota e horário sem aviso prévio e linhas que nem sempre atendiam a demanda. Nos anos 1950, durante o governo de Ney Braga, a cidade foi dividida em “pedaços” que seriam distribuídos entre as empresas de transporte. Braga também criou o Departamento de Planejamento e Urbanismo (DPU), precursor do que viria ser o IPPUC. As empresas passaram a ser concessionárias do serviço e a ter direito a linhas em sua parte da cidade.

Tanto a Autoviação Marechal, de Silvério, quanto a Transporte Coletivo Glória, dos Gulin, estavam entre as contempladas. Erondy Silvério entrou para a política e se elegeu vereador em 1956, caminho seguido também pelos Gulin duas décadas depois: Donato Gulin se elegeu vereador em 1972 pela Arena e presidiu a Câmara entre 1975 e 1976 e 1979 e 1982.

Silvério, porém, não conseguiu como os Gulin ampliar sua empresa e participação no transporte urbano de passageiros. A Autoviação Marechal seria comprada pela família em 1996.

Na década de 1950 o transporte coletivo de Curitiba ainda era muito diferente de como conhecemos hoje. Não havia integração, o preço da passagem variava de linha para linha e não havia canaleta. Isso mudaria no fim da década de 1970, sob a administração de Jaime Lerner, que instituiu a tarifa única, acabou com a divisão da cidade e começou a instalação da Rede Integrada de Transporte.

Lerner também implantou o sistema trinário, com a canaleta exclusiva no meio e as vias para carros nas laterais. O transporte passou então a ser feito por ônibus expresso a partir de 22 de setembro de 1974. Foi uma década de alterações significativas no negócio. Os Gulin compraram a Viação Redentor, se tornando então os maiores empresários do ramo na cidade.

Curitiba recebeu a instalação da fábrica da Volvo e começou a implantação do uso dos ônibus expresso comprados com financiamento do Banco de Desenvolvimento do Estado do Paraná e da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos e distribuídos para as empresas que iriam atender o recém-criado eixo de transporte Boqueirão-Centro.

Trinário na década de 1970. Fonte: A História do Transporte Coletivo em Curitiba, Denise de Camargo.

Além de comprar outras empresas de transporte, os Gulin passaram a atuar em outras áreas, como a venda de veículos. Na década de 1980, já donos da maior parte do sistema de transporte coletivo de Curitiba, os Gulin reuniram as empresas do clã na GPD Serviços Administrativos LTDA e dividiram os negócios em grupos dentro da família.

A família de Alfredo Gulin, por exemplo, ficou com a Viação Santo Antônio e Santo Angelo. Os herdeiros de João Gulin e Ângelo Gulin ficaram com a Redentor. Os filhos de David e Domingos Gulin ficaram com a Autoviação Marechal e a Transportes Coletivos Gloria.

Em 2009, quando a concessão de transporte coletivo de Curitiba foi licitada pela primeira vez, as diferentes empresas da família aderiram a diferentes consórcios. O edital da licitação previa a divisão da cidade em três lotes e vetava a participação de uma mesma empresa em mais de um lote. Também previa a valorização da experiência com ônibus expresso articulado e biarticulado, bem como o uso de canaletas exclusivas.

Rede de empresas da Família Gulin.

Os três consórcios com participação de empresas da família Gulin venceram o edital, garantindo a permanência da família à frente do serviço de transporte coletivo curitibano.

Essa história está registrada em inúmeros livros, dissertações e teses, mas tem como principais fontes duas obras: A história do sistema de transporte coletivo de Curitiba; 1887/2000, de Denise de Camargo (editado pela Travessa dos Editores em 2004) e Movimento Popular e Transporte Coletivo em Curitiba, de Lafaiete Neves.

Esta reportagem também usou como fonte a dissertação de mestrado do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Clientelismo e Desenvolvimento Urbano: a Consolidação de Interesses Privados na Política Pública de Transporte Coletivo de Curitiba, de Felipe de Souza Alves.

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