Operação Riquixá pode ir a julgamento em 2025

Plural explica o que aconteceu com as ações da Operação do Ministério Público que denunciou fraudes na licitação do transporte coletivo em Curitiba e outras cinco cidades do Paraná

As licitações dos sistemas de transporte coletivo municipais no início dos anos 2000 foram um marco da mobilidade urbana no Brasil. Depois de décadas de acordos e negócios das prefeituras com empresas cuja história se confundia com o sistema em si, as cidades – por determinação legal – teriam que abrir editais de ampla concorrência, permitindo a participação de novas empresas e grupos e garantindo uma lufada de ar fresco, transparência e concorrência que iriam ajudar a aprimorar o transporte urbano.

Mas em 2016 o Ministério Público do Paraná traria a público uma denúncia que revelava que o processo todo, não só em Curitiba, mas em Guarapuava, Paranaguá, Apucarana, Foz do Iguaçu e Maringá, teria sido manipulado por um grupo que trabalhou desde a elaboração dos editais até o resultado das concorrências para manter tudo como estava. A chamada Operação Riquixá denunciou dezenas de pessoas por crimes como peculato, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, fraude em licitação e associação criminosa.

As pessoas denunciadas negam todos os crimes e estão se defendendo na Justiça. Além disso, parte dos crimes imputados aos réus já prescreveram ou foram rejeitados pela Justiça. Esta reportagem é baseada na denúncia do MPPR e nos processos judiciais que foram consequência disso, mas é importante lembrar que a justiça brasileira entende que todo cidadão é inocente até que se prove o contrário perante juízo e que todos tem amplo direito à defesa.

A expectativa do promotor de Justiça Eduardo Garcia Branco, responsável pelas ações que tramitam na Justiça paranaense, é que o caso seja julgado em 2025, justamente quando a Rede Integrada de Transporte (RIT) de Curitiba deve ser licitada novamente. “Minha expectativa pessoal em relação a essas ações, é que a instrução (oitiva de testemunhas e interrogatórios) se inicie no ano que vem e que o julgamento em primeiro grau se dê em 2025”, explica.

Ele se refere aos oito processos que derivam das denúncias da Operação Riquixá. Como parte dos réus dos processos e os fatos denunciados são comuns a todos, a Justiça determinou que a instrução (oitiva de testemunhas e interrogatórios) de todos sejam realizados em conjunto (isso significa que as testemunhas e réus serão ouvidos uma única vez para todos as ações judiciais). Isso fez com que os processos mais avançados no sistema judicial fossem suspensos até que as fases anteriores a instrução sejam concluídas em todas as ações.

Se a previsão de Branco se confirmar, a Justiça irá julgar o caso bem quando Curitiba estará lidando com a organização do novo edital. Mas sem a Justiça ter se pronunciado sobre teses importantes do MP na acusação. Uma delas é a tese de que, apesar de organizada em diferentes empresas, a família Gulin atua como um único grupo empresarial (leia mais abaixo).

Família Gulin, advogados, gestores públicos

Mas quem são os envolvidos no caso apurado pelo MP sob a Operação Riquixá? Há basicamente três núcleos de pessoas acusadas pela promotoria: empresários do transporte, advogados e gestores públicos. Os integrantes da família Gulin, claro, integram o primeiro grupo. No segundo estão advogados acusados de organizar grupo e escrever os editais no lugar dos gestores públicos responsáveis. E no terceiro estão políticos e administradores públicos que deveriam garantir a lisura do processo licitatório.

Nos últimos anos a imprensa local noticiou repetidas vezes que a família Gulin estaria livre dos processos por conta de decisões da Justiça. A informações, porém, é só parcialmente verdadeira. De fato, um grupo robusto de denunciados (e alguns que nem chegaram a ser denunciados) não será julgado como réus nos processos porque o Código Penal determina alguns critérios especiais para réus com mais de 70 anos, entre eles a redução do prazo prescricional pela metade.

É o que aconteceu com Acir Antônio Gulin, da Viação Redentor, que tem 73 anos e teve a acusação de associação criminosa prescrita pela Justiça. Darci Gulin, Donato Gulin, Delfio José Gulin, José Mauro Gulin nem foram denunciados pelo MP em razão da idade.

A família Gulin, porém, não está totalmente fora das ações da Riquixá. Dois membros principais da família continuam entre os réus: Felipe Busnardo Gulin e Julio Xavier Vianna Junior. Felipe é filho de Acir Gulin com Juçara Maria Busnardo Gulin. Atualmente Gulin é presidente da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros dos Estados do Paraná e Santa Catarina. Já Júlio Xavier Vianna Junior é marido de Ana Iria Golin Vianna, filha de Alfredo e Anna Delourdes Gulin.

Felipe Gulin com a esposa, a mãe, Juçara Gulin e o pai, Acir Gulin. Foto: Comunicação Fepasc

Segundo o MP, Felipe é réu por associação criminosa no processo 0011439-64.2018.8.16.0031 relativo a licitação do transporte em Curitiba, por peculato de prefeito e falsidade ideológica no processo 0010092-64.2016.8.16.0031 relativo ao transporte em Guarapuava, por organização criminosa no processo 0004080-97.2017.8.16.0031, relativo ao núcleo da Operação Riquixá e por lavagem de dinheiro no processo 0020372-89.2019.8.16.0031.

Já Julio é réu por organização criminosa no processo 0004080-97.2017.8.16.0031, do núcleo da Operação Riquixá, por peculato de prefeito e falsidade ideológica no processo 0010092-64.2016.8.16.0031, relativo a Guarapuava, por peculato de prefeito e lavagem de dinheiro no processo 0014672-06.2017.8.16.0031 relativo a Paranaguá e por lavagem de dinheiro no processo 0020372-89.2019.8.16.0031.

Confira o balanço da situação das ações da Operação Riquixá feito pelo Ministério Público:

Licitação do transporte coletivo

Mas afinal, o que o MP alega em seu denúncia contra os réus da Riquixá? Segundo a denúncia apresentada à Justiça, os promotores teriam provas de que um grupo de empresários, advogados e gestores públicos atuaram para influenciar a redação dos editais de licitação dos sistemas de transporte, restringindo a participação de outras empresas.

Antes de explicar a denúncia, porém, convém explicar porque, afinal, existem licitações públicas. Para isso é preciso entender a diferença entre conduzir um negócio privado e a gestão de serviços públicos. O proprietário de um negócio privado tem liberdade para contratar quem julgar adequado para prestar serviços para sua empresa.

Na gestão pública, porém, muito embora gerida por pessoas, as instituições não são dessas pessoas e não deveriam servir os interesses dessas pessoas. A cada gestão um novo grupo de gestores assume o papel de gerir os negócios do Estado, mas esses grupos são transitórios. O que é permanente é o Estado e o interesse público. As concorrências públicas servem para reduzir a personalização do negócio público ao abrir a contratação de serviços e produtos para ampla concorrência.

Grosso modo, um edital de concorrência precisa ser amplamente divulgado para que o maior número de empresas e grupos que possam fornecer o serviço ou produto a ser comprado tenham a oportunidade de concorrer. O edital define critérios e estipula condições e no final do processo, a proposta mais vantajosa dentro desses critérios é escolhida. A meta é que o processo seja impessoal e técnico, até porque esses contratos são longos e englobam diferentes gestões.

Em Curitiba, por exemplo, o serviço de transporte foi licitado no governo de Beto Richa (PSDB). Enquanto o contrato está vigente a cidade já foi administrada por outros três prefeitos: Luciano Ducci (PSB), Gustavo Fruet (PDT) e Rafael Greca (PSD).

No caso do transporte coletivo, a concorrência pública selecionou grupos de empresas que iriam ganhar a concessão do serviço de transporte público das cidades. Isso porque muito embora seja um negócio, o transporte coletivo não é um negócio de ampla concorrência. Ele é um monopólio do Estado porque a Constituição brasileira entende que a capacidade de ir e vir como um direito fundamental. É por isso que existe a possibilidade de parte ou todo serviço serem subsidiados com recursos públicos.

No edital de Curitiba, lançado em 2009, era estruturado da seguinte forma: as empresas ganhariam o direito de realizar o serviço de transporte coletivo na cidade. E seriam remuneradas pelo valor da tarifa técnica, que é um cálculo estabelecido no edital de quanto custa o serviço. A tarifa técnica foi uma criação que separou o valor pago pelos passageiros do transporte do valor pago às concessionárias. O dinheiro arrecadado nas catracas é encaminhado para um Fundo que remunera as empresas com base na tarifa técnica.

A ideia era que se a passagem paga fosse mais cara que o custo do serviço, o excedente ficaria no fundo. Por outro lado, se a tarifa técnica for superior a tarifa cobrada do passageiro, o déficit é bancado pela Prefeitura de Curitiba ou outros subsídios. Desde a licitação do serviço, a tarifa técnica nunca ficou abaixo do valor cobrado dos passageiros.

Operação Riquixá

O que o MP alega em sua denúncia à Justiça é que o edital de 2009 não foi elaborado de forma técnica e sim produzido por um grupo que liderou a constituição dos três consórcios que venceram a licitação. Por isso o texto teria provisões que reduziram a participação de outras empresas na disputa, como o cálculo da pontuação das propostas baseado em itens como a experiência das empresas com o BRT (ônibus de trânsito rápido, sistema de canaletas e ônibus articulados e biarticulados usado em Curitiba).

Como o BRT era uma inovação do sistema de transporte de Curitiba, as empresas com experiência no sistema quase se restringiam só as que já operavam o transporte na capital paranaense. Para montar a denúncia o MP contou com a colaboração de Sacha Breckenfeld Reck, que teria participado do processo de elaboração do edital e de construção dos consórcios e entregou aos promotores documentos e emails comprometedores.

Além de beneficiar a experiência das empresas com o BRT, o edital também previa outras vantagens para quem já administrava o sistema. A principal era o uso dos valores devidos pela Prefeitura de Curitiba às empresas no pagamento da concessão (o edital previa o pagamento de uma taxa de outorga de R$ 81.072.100,50 para o Lote 1, R$ 74.577.233,88 para o Lote 2 e R$ 96.350.665,62). O edital também exigia que as empresas tivessem condição de assumir o sistema em 90 dias, o que limitava a participação na concorrência de empresas que não tivessem a frota de ônibus que as então gestoras do sistema já tinham.

Outra acusação feita pelo MP é de que apesar do veto a participação de uma mesma empresa em diferentes consórcios que disputariam no edital diferentes lotes, os consórcios vencedores do certame eram dominados por um único núcleo empresarial. Em Curitiba o sistema de transporte foi dividido em três lotes licitados de forma independente. Ou seja, as empresas e consórcios só poderiam disputar um desses lotes.

A família Gulin, porém, tem inúmeras empresas de transporte coletivo que acabaram se dividindo em diferentes consórcios e disputando diferentes lotes. Essas empresas têm sócios e composições diferentes. Mas têm em comum o fato de terem entre os sócios membros da família.

Na denúncia do MP os promotores alegam que apesar da família se dividir em diferentes grupos empresariais ela atua como uma única entidade. E toda preparação para formação dos consórcios e participação no edital teria sido feita de maneira conjunta via a empresa GPD Serviços Administrativos. A família, porém, diz que houve a divisão dos negócios do clã em 1993 e 1997, o que teria isolado diferentes núcleos da família.

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1 comentário em “Operação Riquixá pode ir a julgamento em 2025”

  1. Gostei da matéria! Fazia tempo que estava curiosa para saber sobre a Operação Riquixa. Porém tem gente lavando dinheiro ainda …que eu saiba apreenderam patrimônio de alguns mas já liberaram kkkk piada né? Principalmente de Guarapuava. Nós informe mais. Obrigado

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