Conheça a maior ocupação urbana do Paraná

Com 6 mil pessoas, ocupação Bubas, em Foz, se tornou uma bomba-relógio ignorada pelas autoridades

Dona Antônia não esconde o sorriso ao comentar a maior realização de sua vida. “Trabalhei desde muito nova e nunca tive condição de comprar uma casinha. Todo mundo merece ter um canto só seu. Eu demorei pra conseguir isso, mas consegui”, diz emocionada aos 72 anos. Ela é uma das seis mil pessoas que vivem na Ocupação Bubas, considerada a maior ocupação urbana do Paraná, em Foz do Iguaçu, Oeste do Estado.

Dentro do barraco improvisado com madeira cortada da mata e restos de material de construção, dona Antônia conta orgulhosa parte da história que lhe trouxe até ali. “Cheguei já no primeiro dia. Não tinha nada. Eu mesma quem limpei a área e ergui meu barraquinho. Por mais de um ano meu teto foi de lona, agora está ficando do jeitinho que eu sempre quis. E tudo aqui fui eu quem construí, com a força de Deus e dos meus próprios braços”, completa orgulhosa ao apresentar a casa que hoje tem cozinha, quarto, sala, área de serviço e um quintal repleto de plantas e flores.

Seis anos de história

A história de luta e superação de dona Antônia se confunde com a dos demais moradores da ocupação. Iniciada em janeiro de 2013, a ocupação do terreno de 40 hectares, que até então não possuía função alguma, deu abrigo a uma gente que sempre viveu em situação de absoluta vulnerabilidade na região da tríplice fronteira.

“Desde que a polícia passou a combater o contrabando com mais empenho em Foz do Iguaçu, lá por volta de 2011, 2012, muita gente que trabalhava de passar mercadoria do Paraguai para o Brasil se viu sem fonte de renda. E sem dinheiro não se paga aluguel. O que todo esse povo iria fazer? Morar na rua? Nunca quisemos tomar nada de ninguém, mas somos seres-humanos. E é papel do poder público garantir nossos direitos”, defende Rose Noeli dos Santos, uma das lideranças viu a comunidade triplicar de população desde 2013.

Logo que o terreno foi invadido, o proprietário do imóvel, Francisco Buba, engenheiro civil pioneiro na cidade, acionou a Justiça com um pedido de reintegração de posse. Chegou a ganhar o direito na Justiça e uma ordem judicial foi expedida ao Governo do Paraná para que fizesse cumprir a retirada das famílias sob risco de uso de força policial, em caso de descumprimento. Os moradores não arredaram o pé, e, por falta de efetivo da Polícia Militar à época, nada foi feito. À revelia da Justiça e das autoridades, a ocupação seguiu se expandindo.

A Unila fez o que a prefeitura não fez

Em meados de 2015 coube à Universidade Federal da Integração Latino Americana (Unila) entrar na ocupação e iniciar, por meio de cursos de extensão e monitorias, o processo de cadastramento de todos que lá viviam, trabalho até então nunca realizado pela prefeitura de Foz do Iguaçu nem pela Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar).

“O que nós fizemos com os moradores foi informá-los sobre os direitos que eles têm. Realizamos os cadastros das famílias, traçamos o perfil socioeconômico e demos início ao processo de organização para que pudessem viver de forma mais digna diante da inoperância do poder público”, pontua Cecília Angileli, ex-vice reitora da Unila e pós-doutora em Gestão e Desenvolvimento Territorial.

A participação da universidade dentro da ocupação foi fundamental para que em abril de 2017 a Justiça local revogasse o pedido de reintegração de posse apresentado por Francisco Buba. Com uma decisão fundamentada em artigos da Constituição Federal que garantem o direito à moradia e também em tratados da Organização das Nações Unidas (ONU), o juiz Rogério Vidal Cunha negou a retirada das famílias do imóvel.

“Dar cumprimento à liminar hoje, quase quatro anos após a invasão originária, quando a população da área passou de algumas dezenas para milhares de pessoas, é colocar em grave risco a integridade física daquelas pessoas, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade social. Seria anular por completo o seu direito humano fundamental à moradia, ao desenvolvimento da sua personalidade de forma livre e autônoma, enfim, seria aniquilar a sua dignidade humana”, sentenciou o magistrado na oportunidade.

Jogo de empurra

Desde a decisão favorável às famílias o processo passou a tramitar no Tribunal de Justiça do Paraná. Cabe agora à segunda instância julgar quem irá pagar a indenização ao proprietário do imóvel, avaliado em mais de R$ 70 milhões. A retirada dos moradores não está mais em discussão. Mesmo assim, a falta de sentença definitiva é utilizada pela prefeitura de Foz e pelo governo do Paraná como argumento para não dar início ao processo de urbanização do bairro, considerado ilegal.

Neste cenário, todos os dias os moradores enfrentam as dificuldades de viverem sem o mínimo de infraestrutura. Quando chove, a água alaga muitos dos barracos. Em dias de sol, o vento faz subir do chão de terra vermelha, misturada com telhas quebradas de amianto, uma densa poeira que queima os olhos de todos que lá estão. O esgoto a céu aberto se mistura ao lixo não recolhido pela prefeitura e crianças brincam expostas a toda sorte de animais peçonhentos.

Coube então à Copel e à Sanepar recorrerem ao Ministério Público do Paraná para que fosse autorizada a regularização do serviço de iluminação e saneamento no local. Com dados desatualizados, referentes a 2015, as duas autarquias estimam um prejuízo mensal superior a R$ 600 mil por mês em razão da luz e da água consumidas pelos moradores de maneira clandestina.

Além da questão financeira, problemas de saúde e segurança dos moradores também preocupam. “Toda a energia elétrica que ilumina a ocupação é feita pelos próprios moradores, sem o mínimo de estrutura. O risco de grandes incêndios é enorme. Já comunicamos isso à prefeitura e ao governo do Paraná. A ocupação se transformou em um verdadeiro barril de pólvora. A qualquer momento pode ocorrer um grande acidente. Queremos evitar isso”, alerta Júlio César Ramires, gerente da Copel em Foz do Iguaçu.

Em reunião realizada novembro passado na sede do MP, o prefeito Chico Brasileiro (PSD) justificou a falta de ação da prefeitura para resolver o problema. “O prefeito disse que o município não estaria à frente dessa jornada, especialmente em razão desta responsabilidade ser do governo do estado. E ficou extremamente preocupado com a possibilidade de o município realizar o arruamento sem que o estado se comprometesse em colocar verba nisso. Em resumo, o município não se nega a tratar do assunto, mas também não quer assumir o ônus sozinho”, informa Olsi Machado, chefe da Procuradoria-Geral da prefeitura.

Procurado, o governo do Paraná disse que não irá se posicionar sobre a Ocupação Bubas até que o processo judicial seja definitivamente sentenciado. “Enquanto isso não acontece, continuamos aqui. Tudo o que mais queremos é fazer as coisas da forma devida. Ninguém aqui quer nada de graça. Acontece que este problema não é nosso. Prefeitura e estado precisam resolver”, finaliza Ronaldo Vargas, outra liderança da comunidade.

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