Casa da Mulher Brasileira de Curitiba tem média de 35 atendimentos por dia em 2022

Durante a pandemia cresceu o número de mulheres que procuraram ajuda pela primeira vez

A Casa da Mulher Brasileira (CMB) de Curitiba recebeu 1.655 vítimas de violência doméstica até o último dia 15, uma média de 35 mulheres por dia. Na Delegacia da Mulher (DM) o número é parecido: de 30 e 40 atendimentos diários. Boa parte dessas pessoas nunca havia procurado o serviço antes.  

De acordo com a coordenadora do local, Sandra Praddo, a pandemia fez com que houvesse aumento no número de mulheres que buscaram ajuda pela primeira vez. “Muitas mulheres vieram até aqui não só para fazer a denúncias, para tirar dúvidas para identificar os tipos de violência”, explicou.

Segundo a delegada adjunta da Delegacia da Mulher (DM), Emanuele Maria de Oliveira Siqueira, existem cinco tipos de violência: física, moral, patrimonial, sexual e psicológica.

As violências moral e psicológica normalmente são as que as vítimas têm mais dificuldade de identificar, o que faz com que grande parte delas só procurem a polícia quando sofrem agressões físicas.

Nesses casos mulheres recebem atendimento médico caso seja necessário, e são ouvidas por psicólogas e assistentes sociais da CMB, a chamada escuta qualificada. Depois disso, se desejar, a mulher é encaminhada para a DM, onde registra o boletim de ocorrência.

Durante a pandemia os serviços dos Instituto Médico Legal (IML) foram temporariamente prejudicados. Por essa razão, o auto de constatação de lesões provocadas por agressões passou a ser feito pela própria equipe da Polícia Civil (PC). “Para que não perdêssemos a materialidade daquela lesão começamos a fazer as fotos aqui mesmo e mesmo com o fim das restrições decidimos manter esse procedimento”, observa dra. Emanuele.

O trâmite pode levar algumas horas, o que gera reclamações das usuárias, mas tanto a coordenação da Casa quanto a DM defendem que a demora ocorre porque todos os procedimentos são feitos no mesmo dia, sem que haja necessidade de a vítima retornar ou se deslocar até outro órgão público.

Além da delegacia, a CMB também abriga o juizado especializado, defensoria pública, Polícia Militar (PM), Guarda Municipal (GM), central de transportes e Ministério Público. Todos esses órgãos trabalham de maneira integrada para seguimento ao atendimento da mulher.

Kit sobrevivência

No ano passado a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) apontou que houve aumento da violência contra a mulher em mais de 20% das cidades brasileiras. Os dados são relativos ao ano de 2020.

A convivência mais longa entre os casais foi um dos fatores apontados. “A violência domiciliar foi causada, entre outras, pela convivência 24 horas. Muita gente ficou trabalhando de casa e outros perderam o emprego”, pontua Praddo.

Para além do cenário pandêmico via de regra o agressor tem um sentimento de posse em relação a vítima. Antes de bater, o agressor usa de outras “ferramentas” para se impor. “Alguns proíbem a mulher de trabalhar. Outros dizem que ela não encontrará alguém melhor que ele. E também há os que isolam a vítima do convívio com amigos e família”, diz Sandra Praddo.

Ela explica que é a mulher que vive em situação de violência doméstica precisa tomar algumas medidas de segurança, caso opte por denunciar o agressor. “A primeira coisa que o homem faz quando percebe que a vítima pode romper o ciclo de violência é quebrar o celular dela. Por essa razão as mulheres devem ter anotados telefones de amigos e familiares em agendas físicas. Também devem manter documentos pessoais e documentos dos filhos em local de fácil acesso caso precise sair rapidamente. Eu chamo de ‘kit sobrevivência”, conta a coordenadora.

Acolhida

Quando existe risco de feminicídio, as vítimas e seus filhos são acolhidas no alojamento de passagem por até 72 horas (ou mais, a depender da situação) e, se necessário, encaminhadas para um abrigo temporário de permanência longa. Em Curitiba, as mulheres acolhidas também podem levar animais de estimação.

Este serviço está disponível para mulheres curitibanas. Moradoras da Região Metropolitana que procuram a CMB são atendidas, no entanto o trâmite judiciário dos casos deve ser feito nos municípios onde ocorreu o fato.

Vergonha

Não é incomum na CMB que uma mulher busque atendimento mais de uma vez. Por diversas razões ela mantém o relacionamento com o agressor por vergonha, medo ou instabilidade financeira.

De acordo com a delegada o machismo ainda é um dos fatores sustenta a violência doméstica. “Há dificuldade de a mulher se entender como vítima. Ela tem vergonha de ser vítima, porque nós temos uma sociedade machista na qual é comum o homem bater, agredir a mulher de todas as formas possíveis, mas isso entre quatro paredes. Quando ela precisa falar, admitir que é vítima de violência, isso se torna uma humilhação e às vezes ela não entende a gravidade. Você vê que ela está em risco, mas não podemos extrapolar os limites legais”.

Também há muito medo por parte das vítimas em registrar a queixa. “Eu sabia que se ele me agredisse eu deveria procurar a polícia. Que se ele me humilhasse, eu deveria procurar a polícia. Só tinha um problema, ele era da polícia”. Este é um trecho da história de Alana, que pediu medida protetiva contra o marido. O relato faz parte de um livreto chamado “Vire a página”, publicado pela CMB com histórias de vítimas que conseguiram romper o ciclo de violência.

“Eu tinha muito medo dele, mas também medo de envolver minha família. Por sorte de Deus não tive medo de contar para minha melhor amiga. Foi ela quem me ajudou, me socorreu e me levou para a casa dela”, conta Neusa, outra personagem do livreto.

Em todos os relatos a manipulação dos agressores e por vezes dissimulação está presente. O mesmo comportamento é adotado quando eles já estão respondendo pelo crime.

“Alguns chamam atenção: eu realmente bati, eu realmente me descontrolei, eu me arrependo de ter feito isso… Mas a regra é ou ele mentir, falar que não aconteceu nada, falar que e invenção dela, que ela é louca. Ou não se manifestar durante o depoimento”, revela dra. Emanuele.

Assim como as vítimas, os agressores também não compreenderem a gravidade das violências que são físicas. “Muitas vezes, no depoimento, ele justifica o comportamento dizendo: ah, eu não bati nela, só ameacei. Ah, eu não só usei a faca para ameaçar, dizem eles”.

Apesar da negativa nos depoimentos, uma vez registrado o boletim de ocorrência, a Polícia Civil (PC) dá andamento ao inquérito, que pode ser concluído em cerca de 30 dias. Neste meio tempo a vítima pode solicitar medida protetiva – que restringe a liberdade do agressor e buscar ajuda junto à Defensoria Pública, por exemplo.

Somente em 2021 foram feitos 4.940 atendimentos de mulheres em situação de violência. O trabalho da Defensoria, desde o início da pandemia, ocorre de forma híbrida, com parte da equipe atuando remotamente.

O papel do núcleo especializado da Defensoria é prestar assistência jurídica e acompanhar as etapas do processo judicial para as vítimas.

Busque ajuda

Nos casos em que a violência ocasiona risco de morte, a orientação é para que a vítima acione diretamente a Polícia Militar por meio do 190.

Para aquelas têm medida protetiva o telefone é 153.

Para demais orientações e suporte, a Casa da Mulher Brasileira atende 24 horas. O endereço é avenida Paraná, 870, perto do terminal do Cabral. Os telefones são (41) 3221-2746 ou (41) 3221-7711.

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