Carpinejar, o “poeta do cuidado”

Autor estará em Curitiba nesta quinta-feira (4) para conversa na série Diálogos Contemporâneos

Bem-humorado e de riso solto, o escritor, cronista e comentarista do programa de “Encontro com Fátima Bernardes”, Fabrício Carpinejar, é autor de 48 livros e dono de mais de 20 prêmios literários, sendo duas vezes vencedor do Prêmio Jabuti. É famoso também pelos populares aforismos escritos em guardanapo que compartilha com seus mais 900 mil seguidores nas redes sociais.

Aos 48 anos, tem refletido sobre as tramas existenciais da sociedade moderna, as mudanças e urgências decorrentes da globalização e da vida nas grandes metrópoles. Seus dois últimos livros trazem a realidade da pandemia. Em Colo, por favor!, publicado em 2020, Carpinejar fala das carências causadas pelo isolamento social. Em Depois é nunca, dedicado às 600 mil vitimas da covid-19 no país, se debruça sobre a morte e o luto.

Nesta quinta (4), Carpinejar estará na Capela Santa Maria, em Curitiba, para uma conversa da série Diálogos Contemporâneos. A palestra acontece com mediação de Luiz Felipe Leprevost. Os ingressos são gratuitos.

Seu trabalho de parece estar se popularizando e é interessante que isso acontece mesmo na poesia, uma área geralmente fechada a apreciação de poucos, uma coisa mais hermética. Você vai na contramão disso. Você concorda? Como está sendo esse processo de popularizar a poesia?

Eu concordo, mas não vejo como se existisse um formato popular, porque a poesia do Manoel de Barros, por exemplo, que é uma poesia cheia de neologismos, distorções sintáticas, deformações linguísticas, é uma das poesias que mais é acolhida, mais festejada. Eu acho que o que conta pontos é personalidade, é o temperamento, aquilo que o Mário Quintana chama de defeito essencial. Esse estilo é um defeito essencial, é um defeito do qual você não abre mão.

Você considera então uma espécie de defeito seu.

É, eu devo ter um defeito virtuoso (risos).

A história das frases nos guardanapos, de onde surgiu? Por que você acha que as pessoas gostam tanto desse formato?

Temos uma tradição invejável de aforistas no Brasil. Millôr Fernandes, Ponte Preta, Barão de itararé, Otto Lara Resende, Nelson Rodrigues, o próprio Quintana. Temos uma aptidão para tentar entender, decifrar o nosso comportamento, e aí surgiu o guardanapo como uma intervenção poética. Eu me sinto um guardanapo, sempre me senti um guardanapo na vida porque o guardanapo você usa e joga fora. Você abre, limpa a boca e joga fora. Eu quis entrar nesse terreno do descartável. Quando você escreve uma frase, o guardanapo já não pode ser posto fora. Ele passa a ser posto para dentro de você.

O pessoal gosta pela tradição das frases e dos chistes, dessas provocações, dessas implicâncias no cotidiano. E o guardanapo representa para mim a ressignificação do descartável, do excluído, do rejeitado, do inútil. É uma segunda chance.

Você tem escrito bastante sobre “cuidado”. Tem um livro em que fala sobre “cuidar dos pais antes que seja tarde”. Essa é a ideia, uma poesia do cuidado?

Sim, acho que é uma prosa, uma poesia do cuidado, do quanto não podemos cair na cilada de que se tem muito tempo pela frente. É uma poesia da urgência e da intensidade contra o adiamento. Você adia somente aquilo em que não acredita, você adia somente aquilo de que você não tem vontade. O tempo é um criador de desastres.

Como foi escrever “Colo, por favor!” durante a pandemia? 

Na realidade, escrevi muito na pandemia, porque eu só poderia escrever. É a minha forma de combater o tolhimento de espaço e de tempo. Já que estava confinado, sem ver futuro. Na pandemia, você não sabe qual será o seu futuro. Você não tem como controlar seu futuro. Você tem que viver o presente. Eu me dediquei a isso no Colo, por favor!, que são 40 reflexões da quarentena a respeito de tudo o que estamos enfrentando, tanto de desafios, como de gerência da nossa carência. Todo mundo está muito carente, todo mundo está muito à flor da pele. E não tem mais como depender de estímulos externos. A nossa felicidade antes era para fora: passeios, viagens, bares, restaurantes, festas. Agora, a nossa felicidade teve que ser vinculada ao cotidiano mais miúdo, à rotina, a potencializar as alegrias das coisas mais simples.

E o livro sobre luto?

Em Depois é nunca vêm as reflexões sobre o luto. é o livro que saiu agora, que terá sessão de autógrafos em Curitiba. É um livro que fala sobre perda, sobre a ausência. Fala diretamente sobre a morte. É dedicado às 600 mil vítimas da Covid no país. É onde eu me debruço sobre o enlutado, quanto o enlutado deve entender que o seu sofrimento não é passageiro, ou seja é um sofrimento que precisa de alento. Precisa de maturação. Não é algo fácil dar adeus, porque você também tem que se despedir de parte de você. O luto mexe com a vaidade, com o ego, mexe com toda uma estrutura de vida já montada. É um desfalque que é observado pouco a pouco, dia após dia, ainda mais nesse período em que as pessoas não puderam enterrar ou fazer um velório. Não puderam contar com as exéquias tradicionais, a prestação de tributo, o agradecimento, a reunião de amigos. A morte foi muito solitária. Antes se tinha uma experiência coletiva, você podia dividir a sua perda com os outros. Essa feita não tem como fazer isso. Você teve que suportar a morte isoladamente.

Em eventos como esse de que vai participar amanhã, o que você costuma falar para os candidatos a escritor, a poeta?

Não mentir para si mesmo. A poesia é aquela verdade que dói. Você não pode se esconder. O texto às vezes sabe mais do que o próprio autor.

O Rio Grande do Sul continua tendo uma vida literária importante. às vezes parece até um “grupo”, os autores falam um do outro, incentivam. Como você vê isso?

O que eu posso dizer a respeito do Rio Grande do Sul é que existe uma metodologia espontânea de oficinas criativas, ou seja, os escritores estão acostumados a repartir o seu processo de criação. E isso acontece dentro de universidades, como feiras de livro, como entidades culturais. Ninguém esconde o seu segredo, ninguém sonega os seus macetes. Há uma facilitação, uma democratização da escrita, que forma gerações de autores. Há uma generosidade no trabalho autoral. Você fortalece a literatura feita no estado. Tanto que tem feira do livro em qualquer cidade no rio grande do Sul, fortalecendo editoras, novas vozes e a formação do público leitor. 

O que você tem lido de novo? Quais os autores recentes que você tem curtido e que têm te influenciado?

Tem um autor gaúcho muito sensível e com temas atuais, o Jeferson Tenório, com O avesso da pele. Na mesma linha você pode ler Marrom e amarelo, de Paulo Scott. São narrativas poéticas que trabalham a questão do racismo estrutural. Tem poetas curiosos e atentos ao nosso tempo, como o Entregador de pressa, de Marlon de Almeida, que fala de todas as profissões invisíveis no nosso dia a dia. 

Parece haver uma indignação coletiva da classe artística contra o atual governo. Como você pensa isso?Recomendo a todo mundo assistir Marighella. É um filme um tanto transgressor no sentido de unir pensamento com emoção. Ele discute a concepção de terrorismo. Não será terrorismo queimar florestas? Não será terrorismo ter um terço da população com fome? Não será terrorismo o aumento galopante da gasolina e de itens essenciais como gás?

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