O que é racismo estrutural?

Entenda o termo e como combater o problema na prática

Dizer que o racismo é estrutural implica em afirmar que discriminações de cunho racista fazem parte da maneira como nossa sociedade é estruturada. Ou seja: não são apenas os ataques ostensivos que violentam, mas também aqueles que parecem sutis porque foram normalizados ao longo de centenas de anos de injustiça social.

O termo, de fato, não é de fácil tradução. Dia desses, enquanto conversava com o ativista negro Adegmar da Silva, o Candieiro, para elaborar uma série de reportagens sobre racismo religioso, perguntei a ele como identificar, de maneira prática, o racismo estruturalizado. Ele me devolveu a pergunta: “Como você identifica o machismo estruturalizado?” E a resposta, penso, é subjetiva porque envolve uma camada densa de sentimentos.

Nisso, concordamos. “Com a minha mente, com a minha cabeça, com o meu pensamento, eu não consigo entender o racismo. Eu não consigo compreender a ponto de construir um argumento sólido e cristalino e que todos possam entender. Eu sei que ele existe porque ele me machuca, ele mata e eu luto contra ele”, ele me disse. 

Aqui, ofereço – junto de autores como Djamila Ribeiro e Silvio de Almeida – algumas pistas para ajudar a olhar para o problema de frente e descontruir a ideia de que a branquitude é a norma.

Racismo estrutural e história

“O Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão. Até 130 anos, os negros traficados eram mantidos em condições subumanas de trabalho, sem remuneração e debaixo de açoite”, publicou o portal Geledés, que discute a questão racial. “Quando, no papel, a escravidão foi abolida, em 1888, nenhum direito foi garantido aos negros. Sem acesso à terra e a qualquer tipo de indenização ou reparo por tanto tempo de trabalho forçado, muitos permaneciam nas fazendas em que trabalhavam ou tinham como destino o trabalho pesado e informal.” Em outras palavras, “as condições subumanas não se extinguiram.”

Em entrevista à revista Ihu, da Unisinus, a filósofa Djamila Ribeiro lembra que o Brasil é a maior nação negra fora da África, somando 54% da população. “E mesmo sendo maioria, [os negros] estão fora dos lugares de poder e experimentam em larga maioria os piores índices de desenvolvimento humano.” Para ela, está claro que isso é resultado de um processo histórico de quase quatro séculos de escravidão e escassas ações afirmativas.

racismo estrutural: Djamila Ribeiro
Djamila Ribeiro. Foto: divulgação

“Ao passo que foi estimulada a vinda de imigrantes europeus, que receberam terras e oportunidades, pessoas negras foram marginalizadas de qualquer contato com o poder econômico e destinadas a serem base de exploração que, no caso das mulheres negras, se soma ao patriarcado. Nas palavras de Carla Akotirene, mulheres negras são a matriz geradora pois parem as vidas que serão a base do sistema”, pontua a filósofa.

Ao longo da história, “o projeto de miscigenação foi romanceado no país”, afirma a pensadora. Ou seja: nos foi dito que havíamos transcendido as raças em uma convivência harmoniosa entre brancos e negros. Até hoje esse discurso está presente no imaginário popular. Muitas pessoas, buscando se defender do lugar de racistas, argumentam que “não veem cor”, mas essa perspectiva apenas fecha os olhos para um problema social profundo.

“Ou seja, de acordo com esse pensamento, não existe racismo no Brasil, apenas desigualdade entre ricos e pobres. As mulheres negras brasileiras são as mulatas que sambam e estão sempre disponíveis sexualmente. Trata-se de algo entranhado no pensamento brasileiro e na organização social do país, algo que os movimentos negros ao longo de muitas décadas vêm denunciando e combatendo”, sinaliza Djamila Ribeiro.

Outro resultado é que muitas pessoas negras sequer sabem que são negras. Um dos fundadores do Plural, Rogerio Galindo, que vem de uma família miscigenada, escreveu sobre a própria experiência de se descobrir negro em um texto intitulado “eu sou negro e não sabia”. A teoria da filósofa dá corpo a essa sensação. “As pessoas não sabem que são negras, não têm sequer condições materiais para formular algo nesse sentido. Então, o que nos resta é lutar por políticas públicas, de educação, assistência social e apoiar projetos políticos nesse sentido. Isso em um sentido coletivo.”

A economia como eixo do racismo estrutural

De acordo com o filósofo Silvio de Almeida, autor do livro “Racismo Estrutural” (Editora Jandaíra, 2019), são três os eixos que constituem o problema: política e subjetividade, conforme demonstrado nos tópicos anteriores, e economia. 

“No Brasil, todo mundo reclama da carga tributária brasileira. É uma reclamação geral, mas quem reclama mais são os empresários, e aí a gente começa a ver uma distorção, porque proporcionalmente os grandes empresários são os que menos pagam tributo e também são os que menos dependem dos serviços públicos, que são pagos por meio da tributação”, fala o autor em um vídeo publicado pela Boitempo.

racismo estrutural: Silvio de Almeida
Silvio de Almeida. Foto: divulgação

“Pesquisas recentes mostram que o grupo social mais afetado pela carga tributária no Brasil são as mulheres negras”, ele continua. “Mas por que isso? Existe uma política deliberada do Brasil para tributar mulheres negras? Não, é porque o sistema tributário, funcionando na sua normalidade, ou seja, de acordo com as normas estabelecidas, ele reproduz as condições de desigualdade que colocam a mulher negra na base da pirâmide social.”

O raciocínio é o seguinte: se a política tributária é estruturada para incidir sobre consumo e salário, as pessoas que ganham menos, e que também consomem, são aquelas que vão pagar proporcionalmente mais. Logo, as mulheres negras são as mais atingidas pelo problema, porque recebem menores salários.

Djamila Ribeiro lembra que, com o fim da escravidão, as mulheres negras foram destinadas ao trabalho doméstico, uma herança presente até hoje. “Atualmente, estima-se que mais de 6 milhões de mulheres negras são empregadas no país, e a lei que regulamenta a profissão somente foi aprovada em 2013, sob intensos protestos do sistema que se beneficiou historicamente desse trabalho.” 

Olhar para a história também é importante para compreender por que pessoas negras ocupam menos espaços reservados às classes média e alta. “No Brasil é comum entrarmos em restaurantes e não encontrarmos nenhuma pessoa negra no local – nem como garçom ou garçonete. Quem vai a shopping terá dificuldade de encontrar uma vendedora de lojas negra”, fala a filósofa. “Ou seja, o racismo estrutura a sociedade e, assim sendo, está em todo lugar.”

Por essas e outras, Silvio de Almeida afirma que “o racismo é o elemento fundamental de todas as formas de exploração econômicas.” E um marcador comum é a normalização. “A morte de jovens negros sistematicamente nas periferias não causa choque como deveria causar. O fato de o encarceramento em massa atingir mais pessoas negras não causa espanto”, ele exemplifica.

Quando assistimos a uma sessão do Supremo Tribunal Federal ou do Congresso Nacional e observamos que a maioria das posições de decisão de um país majoritariamente negro é ocupada por pessoas brancas, isso não nos assusta. É por isso que ele coloca como “questão primordial” pensar que “não há, mesmo das pessoas que não aceitam esse tipo de violência, uma ação efetiva de se voltar contra”, porque “a sociedade naturaliza a violência contra pessoas negras.”

É possível mudar essa história?

Talvez leve um tempo, mas, sim, é possível e você pode fazer parte dessa mudança a partir de uma tomada de consciência. Para começar: questione tudo. “Quando ser branco se torna a regra, o outro é a exceção. O branco não tem raça, quem tem raça é o negro”, expõe o filósofo. Acontece que as raças são construções sociais vivenciadas a partir de certos privilégios estruturalmente estabelecidos.

Você está disposto a abrir mão do seu privilégio? Está disposto, por exemplo, a entender que cotas são ações de reparação histórica? Está disposto a pensar antes de objetificar mulheres negras? Está disposto a admitir que tem atitudes racistas?

“A luta contra o racismo e, portanto, a luta pela transformação social, passa pela construção de uma sociedade melhor, e passa necessariamente pela luta contra o racismo na sua dimensão estrutural, o que significa que deve-se abrir mão de privilégios para que a luta seja efetiva”, conclui Silvio de Almeida.

Para aprofundar: o Pequeno Manual Antirracista (Companhia das Letras, 2019), de Djamila Ribeiro, fala, de forma didática, sobre como não recair em comentários e atitudes racistas.

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “O que é racismo estrutural?”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima