AVC só dá em gente mais velha? Que nada, existem casos até em crianças

29 de outubro é Dia Mundial de Combate ao AVC

Ana Laura estava dormindo, mas no meio da noite precisou levantar para ir ao banheiro. Na hora que saiu da cama, imediatamente caiu: ela não sabia, mas estava tendo um AVC. Longe de casa, ela estudava Medicina em Bauru. “Por sorte eu estava uma amiga”, conta ela. Carregada no colo para o carro, ela foi levada ao hospital onde permaneceu quase um mês, entre cirurgia, UTI e recuperação no quarto.

Na época, ela tinha 18 anos. Ninguém, muito menos ela, imaginaria que ela podia ter um AVC (um acidente vascular cerebral, antigamente chamado de derrame). Mas, infelizmente acontece. Algumas pessoas têm pré-disposição, outras estão expostas a fatores de risco. Em alguns casos simplesmente não se sabe explicar o que acontece. Mas o fato é que, sim, jovens, e até mesmo crianças podem ter AVC.

“No meu caso, depois de muito estudo, acharam uma veia meio torta que pode ter sido o problema”, diz Ana Laura, que hoje voltou a morar com a família em Andradas, no interior de Minas, e se esforça diariamente para retomar a vida normal. A pílula anticoncepcional talvez tenha tido um papel também, mas ninguém tem como dar certeza.

A rotina de Ana Laura hoje inclui todo tipo de tratamento: fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, natação, psicoterapia e mais um milhão de coisas que ela precisa fazer desde que acorda até ir se deitar. Mas compensa: dois anos depois, ela (que durante um período mal conseguia se comunicar) hoje fala perfeitamente. O movimento do pé foi recuperado também. Agora, ela trabalha para recuperar a mão direita. “Se tudo der certo, retomo a faculdade no próximo semestre”, diz ela.

AVC: é preciso saber dos riscos

Neste dia 29 de outubro é o dia mundial de combate ao AVC. A data é usada para chamar atenção para prevenção e tratamento da enfermidade que acomete três milhões de pessoas todos os anos no mundo. E uma das necessidades mas importantes, segundo a ativista Camila Fabro, que assina a coluna “Desmiolada”, no Plural, é que as pessoas, inclusive os médicos, estejam atentos à possibilidade de casos que ocorrem com pessoas jovens.

“A gente ouve muitos relatos de gente que passou por um AVC na juventude e que é tratada pelos médicos no primeiro momento como se fosse uma bebedeira”, diz Camila, que teve três AVCs antes dos trinta anos. O caso dela, infelizmente, não é isolado: há quem sofra acidentes vasculares no cérebro ainda mais cedo.

Uma delas foi a estudante Giovanna Dante. Ela começou estudar Fisioterapia em 1998, no antigo prédio da Universidade Tuiuti, em Curitiba. Enquanto cursava o primeiro período da faculdade, aos 18 anos, o sonho era trabalhar com pacientes cadeirantes. Ajudar ao próximo.

Durante uma das aulas reclamou com uma amiga de dor de dente. Sentia o rosto repuxar. Já no refeitório perdeu o controle da saliva e começou a babar. Enquanto a amiga oferecia um copo d’água, a irmã de Giovanna foi avisada.

A aluna foi atendida na clínica de odontologia da Universidade e à época a primeira impressão era hiperglicemia. A irmã, receosa, achou importante levar Giovanna ao hospital. Lá o primeiro médico pensou que os sintomas seriam de overdose: dificuldade na fala, paralisação de um dos lados corpo.

“Ele me perguntava quais drogas eu tinha usado. E mesmo repetindo várias vezes que nunca tinha usado drogas, continuava insistir”, lembra Giovanna. Uma outra médica, neurologista, que passava pelo corredor entendeu os sinais: aos 18 anos Giovanna teve um AVC.

O acidente vascular cerebral, AVC, é incomum em pacientes jovens. A incidência é maior em pessoas com mais de quarenta anos, sobretudo homens. Os fatores que potencializam o surgimento da doença são obesidade, pressão alta, tabagismo, estresse, colesterol elevado e problemas cardiovasculares que causam arritmias, além de fatores hereditários.

Giovanna nasceu má formação congênita, mas nunca apresentou nenhum sintoma e não sabia disso. “Basicamente eu tinha uma bomba relógio na cabeça”, diz. Depois do AVC hemorrágico foram meses no hospital, coma e cirurgias.  Médicos falavam em 1% de chance de sobrevivência e chegaram a debater doação de órgãos com a família.

Pacientes jovens

Segundo a neurologista Karen Socher, do hospital Nossa Senhora da Graça, em Curitiba, cerca de 90% dos casos de AVC podem ser evitados e o mesmo percentual pode ser tratado para minimizar sequelas.

No entanto, como no caso de Giovanna, identificar que pacientes jovens estão sofrendo AVC é um desafio para profissionais de saúde por conta da baixa incidência.

O número de pacientes jovens acometidos pela doença vem subindo, no entanto. Nos anos 2000 apenas 3,9% do total de pessoas que sofreram AVC tinham menos de 45 anos. Em 2012, conforme o Ministério da Saúde, ocorreram 4 mil internações de pacientes nesta faixa etária.

Socher explica que a faixa economicamente ativa da população, trabalhadores jovens, tem adotado hábitos prejudiciais à saúde e que potencializam a possibilidade de acidentes vasculares cerebrais. “Notamos, por exemplo, o uso crescente dos chamados vapers (cigarros eletrônicos). Também uma alimentação baseada em ultraprocessados, poucas horas de sono”.

Neurologista Karen Socher: atenção aos fatores de risco. Foto: Divulgação

Do lado das equipes multidisciplinares de saúde, médicos, enfermeiros, técnicos, identificar o AVC como causa de alguns sintomas nem sempre é a primeira opção, como aconteceu com Giovanna.

O problema é que a resposta precisa ser rápida para minimizar sequelas e facilitar a reabilitação. Giovanna Dante ficou alguns meses usando cadeira de rodas e hoje não mexe a mão esquerda – o lado esquerdo foi prejudicado pelo AVC, mas como o rompimento vascular aconteceu dentro do hospital, o atendimento foi ágil e possibilitou a recuperação.

Houve mudança na vida – a faculdade de fisioterapia não foi concluída. Ela optou pela fonoaudiologia porque a vida acadêmica e profissional teria menos barreiras.  “Os estágios de fisioterapia exigiam uma movimentação que à época era difícil para mim. Hoje eu sei que acertei em ter escolhido fonoaudiologia porque a minha deficiência até cria uma empatia dos pacientes”.

“Apesar de ser atípico, os sintomas de quem está sofrendo um AVC não mudam, então os profissionais de saúde não relacionem primeiramente os sintomas com a doença”, pondera a médica.

AVC intraútero

A primeira gravidez da pedagoga Danielly Stefany, aos 28 anos, correu tranquilamente. Cuidadosa, ela fez todos os exames e o bebê, a menina Manu, nasceu com 38 semanas, de parto normal. “Só que eu reparei que ela nunca abria a mãozinha. Aos três meses, começamos a fazer exames e a ressonância mostrou que ela teve um AVC ainda dentro do útero”, conta Danielly, que mora com a família em Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte.

Claro que foi um susto. Até porque não havia nada que parecesse servir como explicação para o AVC. O casal começou imediatamente a fazer todos os tratamentos e hoje, Manu, aos cinco anos, tem todo o aspecto cognitivo preservado – aprendeu a engatinhas, andar, falar, tudo no tempo certo. Mas uma sequela ficou, e aparentemente nunca vai deixar de estar presente. Manu não tem força no lado direito do corpo. Não consegue nem segurar um lápis – ela faz tudo com a esquerda, embora não se saiba se ela, em condições normais, seria canhota.

A menina Manu, agora com cinco anos, e o irmão Lorenzo. Foto: Divulgação

Além de cuidar de Manu, Danielly decidiu fazer um perfil no Instagra, o @vidacomamanu, em que relata as experiências da família e da filha. “todo dia recebo cinco, seis, sete famílias que estáo recebendo o diagnóstico, e algumas com um diagnóstico bem tardio. Não podemos deixar as pessoas desperdiçarem esse tempo que podia estar sendo usado no tratamento”, diz ela.

Uma das dúvidas que ela mais ouve: no caso de AVC intrauterino, uma segunda gravidez pode ser tentada sem riscos. A resposta Danielly oferece com um caso real. Seu segundo filho, Lorenzo, nascido dois anos depois de Manu, não teve nenhum problema vascular e hoje é um belo companheiro para a irmã mais velha.

Ciência

De acordo com a Sociedade Brasileira de AVC comente em 2022 a doença já matou mais de 87,58 mil pessoas no país. A média é de 307 mortes diárias, sendo a principal causa de morte do país, acima de infarto e complicações causadas pela Covid-19.

No Paraná, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, está em andamento um estudo que vai mapear outros fatores de risco para AVC, diabetes, doenças cardíacas e comorbidades associadas.

A ação faz parte do Projeto Genomas Paraná, uma iniciativa de pesquisa científica e tecnológica no Brasil, que pretende descrever o perfil genético e epidemiológico da população. As amostras biológicas serão coletadas entre cidadãos de Guarapuava e Foz do Iguaçu.

O material biológico será armazenado em biobanco para análise por sequenciamento genético. A equipe envolve mais de 400 pesquisadores da Rede Paranaense de Pesquisa Genômica.

Como identificar

Se a pessoa tiver um ou mais dos sintomas abaixo, a orientação é procurar atendimento médico com urgência.

  • Fraqueza de um lado do corpo
  • Alteração na visão
  • Dificuldade para falar
  • Sorriso torto
  • Desequilíbrio e tontura
  • Dores de cabeça fortes e persistentes
  • Dificuldade para engolir

Sobre o/a autor/a

3 comentários em “AVC só dá em gente mais velha? Que nada, existem casos até em crianças”

  1. Giovana cazagrande

    Eu tenho um filho que hoje tem 10 anos nome dele é Caio. Ele teve AVC intrauterino com 8 meses de gestação! Hoje ele tem sequelas fisicas lado direito na mão( virou canhoto) e perna direita, são leves mas impossibilitam muitas coisas de criança fazer. Já lado cognitivo é excelente graças a Deus.
    Vivemos um dia de cada vez. Desde 9 meses ele faz Terapia ocupacional, fisioterapia. Ja fez fono, mas hoje não precisa mais.

  2. Que matéria incrível! Muito bem escrita e cheia de informações úteis!! Não fazia ideia de que crianças e jovens também podem ter AVC, inclusive os médicos parecem não ter esse conhecimento também, o que acaba dificultando o diagnóstico e o paciente acaba sendo prejudicado. Essa matéria deveria servir de exemplo para o assunto ser maior divulgado!

  3. Sueli Aparecida Prates

    Muito bom esse tema ser abordado, muitos sofrem por falta de informacão…linda matéria …a Manu além de linda é uma exemplo…parabéns

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