Atentados em escolas: como identificar ‘fakenews’

Propagação de mensagens por redes sociais causa clima de insegurança e pode potencializar atos violentos

Há uma semana o ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou uma portaria para responsabilizar plataformas digitais na veiculação de conteúdos com apologia à violência nas escolas. A ação ocorreu depois do ataque à creche de Blumenau, que deixou quatro crianças mortas em Santa Catarina e outro em São Paulo, que vitimou a professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos e feriu outras quatro.

No Paraná, conforme declarou em Londrina o coronel Hudson Leôncio Teixeira, secretário segurança, até a última semana 13 adolescentes haviam sido apreendidos entre 44 encaminhados para as delegacias por serem suspeitos de ameaças nas escolas.

A Polícia Militar (PM) reforçou atividades ostensivas nas imediações de escolas do Paraná, com bloqueios, abordagens e “foco na realização de ações de patrulha escolar”. Além disso, segundo a PM, pais e responsáveis estão recebendo orientações para verificar o comportamento online dos filhos e para que chequem as mochilas dos estudantes.

Em paralelo a Polícia Civil (PC) trabalha com unidades especializadas em crimes contra crianças e adolescentes e cibernéticos para identificar autores de mensagens e ameaças na web.

Internet

A sensação de insegurança causada pelos ataques é, em grande parte, alimentada pelas redes sociais. O Plural procurou a Secretaria de Segurança Pública (Sesp) do Estado para verificar estatísticas de denúncias e apreensões atualizadas, mas os dados, que chegaram a ser enviados pela assessoria de imprensa num primeiro momento, não podem ser divulgados “a pedido da inteligência”.

De acordo com a SaferNet Brasil, associação fundada em 2005, com foco na promoção e defesa dos Direitos Humanos na Internet, desde 2018 houve uma polarização no comportamento online, sobretudo por conta das eleições.

Saiba mais: Plural não irá noticiar boatos de ameaças a escolas

No último pleito a SaferNet recebeu 74.025 denúncias de crimes envolvendo discurso de ódio, 67,7% a mais que as 44.131 recebidas no mesmo período do ano passado. “Mesmo aquelas que aparentavam ter alguma capacidade crítica, têm sido influenciadas por atores que se aproveitam deste ambiente para polarizar e minar ainda mais o diálogo e valores essenciais para o convívio em sociedade, como os direitos humanos”, afirma Juliana Cunha, diretora de projetos especiais.

pms em escolas
Policiais militares reforçam segurança em escolas do Paraná | Foto: divulgação/PMPR

O comportamento violento on-line é inflamado muito por conta da desinformação ou, como é conhecida popularmente fakenews. “Tem uma discussão sobre o nome, muitos teóricos afirmam que se é fake não é news, porque notícia tem um processo jornalístico de apuração envolvido e esse é o primeiro ponto para identificar desinformação”, explica o jornalista Felipe Harmata, doutor em Ciências da Informação pela Universidade Fernando Pessoa e coordenador do curso de jornalismo da Universidade Positivo (UP).

Conteúdos de desinformação não têm narradores confiáveis, são pessoas que deliberadamente criam conteúdos inverídicos ou distorcidos com objetivos específicos de difamar alguém ou criar situações que interessam a determinados grupos. Harmata cita um episódio do podcast Rádio Novelo Apresenta, que traz a entrevista com um criador de desinformação.

Quando a desinformação é compartilhada em redes sociais – sobretudo em grupos de aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram – pouca gente checa de onde surgiu aquele texto ou vídeo. “A coisa toma corpo de forma orgânica. Às vezes o texto diz que algum ataque vai acontecer em um lugar específico. Aí a pessoa compartilha e pergunta para outra: é aí na sua cidade? É na sua universidade? E o material acaba sendo readaptado”, explica.

Isso acontece, entre outros fatores, porque o fato em si não tem relevância, o internauta age de forma passional. O fenômeno é conhecido como “pós-verdade” e foi estruturado teoricamente em meados de 1979, por Jean François Lyotard.

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No livro “Pós-verdade e Fake News” (editora Cabogó), organizado por Mariana Barbosa, o jornalista Eugênio Bucci, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, publicou um artigo chamado “News não são fake – e Fake News não são news”. O texto corrobora o impacto emocional que a desinformação provoca nos usuários.

A exemplo do que explicou o professor Felipe Harmata a disseminação de desinformação não é exclusividade de robôs. Bucci menciona Nahema Marchal, pesquisadora de Oxford, no texto. “Esse tipo de notícia de baixa qualidade se espalha rapidamente na rede social, não necessariamente pela atividade de robôs, mas porque é produzida para causar reações emocionais no público – como raiva -, o que causa maior compartilhamento”.

Pesquisa da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) intitulada Fake News: Os desafios das Organizações (2022) aponta que metade das organizações foi alvo da publicação de fakenews. O estudo juntou 62 participantes.

Educação

Em Curitiba a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) foi prejudicada por desinformação. Circulou em grupos de aplicativos de mensagens foto e texto afirmando que haveria um massacre na instituição.

A PUC reforçou a segurança e não houve nenhum ataque, apesar de as imagens sequer serem do campus. Mesmo em grupos de aplicativo da própria instituição houve o compartilhamento do conteúdo, o que corroborou para o clima tenso. “Sabemos que essas mensagens com teor de pânico fragilizam nossa saúde; por isso, pedimos que não compartilhem informações que incitem medo ou que coloquem a vida de outras pessoas em risco. Comunicamos que nosso plano de segurança foi reforçado dentro de todos os nossos Campus para os próximos dias”, diz um texto publicado no site oficial.

Na Universidade Positivo, embora não tenha ocorrido nenhum adiamento de atividades, alunos e alunas questionaram professores sobre suspensão de aulas.

A Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) enviou um e-mail aos estudantes de Curitiba na última semana. “Informamos que as equipes de vigilância foram avisadas e acompanham com maior atenção a movimentação nas três sedes. Este acompanhamento acontece nas portarias, nas rondas de vigilantes e com a equipe de monitoramento por câmeras de segurança para ação imediata em qualquer situação anormal ou suspeita”, diz a mensagem.

Na última semana o prefeito de Curitiba, Rafael Greca (PSD), anunciou o incremento da frota da Guarda Municipal para reformar o patrulhamento nas escolas e CMEIs da capital. Por enquanto foram entregues dez veículos, mas o objetivo da prefeitura é que o número de viaturas vá de 151 para 238. Cada uma das dez regionais de Curitiba receberá quatro viaturas para atendimento nas escolas.

Assim como Greca, o governador Ratinho Jr. (PSD) também respondeu a tensão provocada pelos ataques em Blumenau e São Paulo anunciando presença policial nas escolas. O estado deslocou mais de 5 mil PMs para colégios estaduais e a PM readequou os itinerários de rondas para manter viaturas em frente às escolas.

Irresponsabilidade das plataformas

Para 76% das pessoas que responderam à pesquisa da Aberje “Fake News: Os desafios das Organizações” as plataformas de redes sociais não têm feito o suficiente para auxiliar os usuários a comprovar a veracidade das mensagens antes de compartilhá-las.

Nesta segunda-feira (17) o compartilhamento de mensagens sobre ataques em escolas e universidades também foi assunto na Câmara de Vereadores. Enquanto um bloco embarcou nas medidas de reforço policial, outros vereadores defenderam que as autoridades acalmem a população. “A gente está assustando cada vez mais os pais sem a mínima necessidade, eu quero pedir a todos que ajudem a acalmar os pais, e não a fomentar [o medo]”, ponderou Rodrigo Reis (União Brasil)”.

As redes sociais têm sido o meio de disseminação da sensação de medo provocada após os ataques nas escolas e também são canal de cooptação de jovens para crenças extremistas. Uma delas é o Discord.

A redes social, conforme reportagem da Agência Pública, não atendeu aos pedidos do Ministério Público Federal (MPF) de fornecimento de dados acerca de conteúdos racistas publicados na plataforma.

O Discord reúne, em suma, jogadores de videogames e funciona como um mensageiro, semelhante ao WhatsApp e Telegram. “[…] Ele tem filtros e tem políticas de uso, mas acaba ficando difícil de controlar 100% do conteúdo visto por conta da rapidez e do volume de informações compartilhadas todos os dias. No final das contas, é perceptível que é sempre sobre pessoas. Se as pessoas não tiverem o discernimento necessário para usar essas redes sociais, continuarão espalhando ódio online”, explica a professora da Uninter, Maria Carolina Avis, mestre em Gestão da Informação.

Na última semana Flávio Dino, ministro da Justiça, se reuniu com representantes do da empresas Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp), Kwai, Tik tok, Twitter, YouTube e Google para debater ações de prevenção à violência nas escolas e evitar mais disseminação de conteúdo de ódio.

Somente nos dias 8 e 9 de abril o Ministério da Justiça conseguiu identificar mais de 500 perfis que disseminam conteúdo violento contra escolas no Twitter.

Algoritmos

A atenção dada às plataformas se baseia na distribuição do conteúdo, que é feita por meio de algoritmos.

Grosso modo os algoritmos podem ser entendidos como instruções de programação para que seja alcançado um resultado em específico. Nas redes sociais o objetivo é manter o usuário mais tempo conectado – o que faz com que sejam oferecidas postagens cada vez mais parecidas com o tipo de conteúdo que o internauta interage.

“Em resumo o algoritmo é uma lista de tarefas que um programa precisa cumprir para chegar ao que é necessário. Ele lê as tabelas em um banco de dados, faz o processamento e cálculos. Na sequência filtra e deleta registros para mostrar o relatório”, explica Lucas Pletsch, consultor de Tecnologia da Informação.

Os pormenores, todavia, são obscuros. De acordo com a professora Maria Carolina Avis, a percepção dos pesquisadores sobre os algoritmos é resultado da observação dos dados revelados pelas próprias plataformas. “Oficialmente elas [redes sociais] não estimulam o consumo desse tipo de conteúdo [violento, fakenews] e não estimulam esses comportamentos, mas na prática é diferente pois o alto alcance de uma publicação depende diretamente do engajamento, dentre outros critérios”.

O engajamento é basicamente a “reação” dos internautas a essa publicação, as curtidas e comentários – independentes de bons ou ruins, fazem com que a postagem ou conteúdo ganhe fôlego online. “É importante conhecer o sistema de funcionamento do algoritmo de relevância – tema que passei mais de 2 anos estudando durante o mestrado – para entender que, em algumas redes sociais digitais, não há a leitura do tipo de conteúdo e de engajamento sendo compartilhado, e isso pode alcançar muita gente”.

“Na prática, isso significa que, da mesma forma que um conteúdo bom e relevante, que tem bastante engajamento tem alto alcance, um conteúdo polêmico ou que incita o ódio, pode ter igualmente um alcance alto. Isso porque a distribuição do conteúdo depende diretamente do comportamento do usuário que está o vendo: se ele denunciar como impróprio, o conteúdo é analisado e retirado do ar. Mas caso o usuário passe pelo conteúdo e curta, comente, envie para algum amigo, assista ao vídeo até o fim, clique no perfil para ver mais conteúdos daquela conta, clique em algum link ou tenha qualquer tipo de comportamento que demonstre um envolvimento, o algoritmo pode elevar o alcance desse post por ser considerado como relevante pelos usuários. Isso acontece mesmo se o comentário que a pessoa deixou foi xingando ou criticando. Em geral, as pessoas comentam “meu Deus, o Instagram precisa tirar esse conteúdo do ar”, mas não clicam para denunciar o conteúdo ou denunciar a página. Por ser muita gente produzindo conteúdo o tempo todo, o ambiente precisa ser colaborativo para funcionar da melhor forma”, continua a professora.

Fake news e conteúdo de ódio

As mensagens sobre supostos ataques em escolas e universidades de Curitiba na maioria dos casos foram propagados via WhatsApp e Telegram.

Ambos os mensageiros têm mecanismos de alerta para os usuários e suporte em casos de denúncia. No WhatsApp mensagens encaminhadas com muita frequência recebem um ícone de setas. Além disso, também é possível usar o ícone de lupa para pesquisar o conteúdo diretamente na internet.

ministro flavio dino
Ministro da Justiça, Flávio Dino, em Curitiba | Foto: Ricardo Marajó/SMCS

No caso do Telegram a empresa afirma que não há processamento de conteúdo ilegal porque os chats são privados entre os participantes, mas afirma que em pacotes de stickers (figurinhas e canais, caso haja irregularidades, o usuário pode enviar um e-mail para [email protected].

“Uma coisa que sempre falo para meus alunos sobre desinformação é para que perguntem de onde a pessoa recebeu aquilo. Pedir a origem: de onde você conseguiu essa informação? Porque geralmente a pessoa só recebe e repassa, então ela não sabe dizer qual a fonte”, destaca o coordenador do curso de jornalismo da UP, Felipe Harmata.

Outra forma de checar um conteúdo antes de compartilhar é “dar um Google”. Se uma informação repassada em grupos de aplicativo de mensagens ou redes sociais não está em veículos de comunicação tradicionais existe o risco de não ser verdadeira. A aba “notícias” também pode ajudar, ao invés de usar a busca geral.

“Em todas as redes sociais têm filtros que automatizam o bloqueio de conteúdos impróprios, mas como estamos falando de inteligência artificial, muitas vezes esse conteúdo acaba passando. Principalmente porque os criminosos conhecem os filtros e conseguem burlar utilizando códigos no lugar de letras, por exemplo: “Cr!m& de ód10”, o que dificulta o rastreio dos filtros. A melhor forma é denunciar manualmente os conteúdos violentos que eventualmente passem nos feeds das pessoas. Todas as redes sociais digitais têm a possibilidade de denunciar conteúdos a partir do próprio post. É só clicar em três pontinhos ao lado do conteúdo e clicar em ‘denunciar’ ou ‘relatar’”, salienta a professora Maria Carolina Avis, da Uninter.

Em contrapartida todo cidadão que tiver informações sobre eventuais atos violentos deve comunicar as autoridades o mais breve possível. O Ministério da Justiça disponibilizou um canal para isso por meio do Escola Segura. Basta clicar aqui para denunciar.

No Paraná também é possível acionar a Polícia Militar, 24 horas por dia, por meio do 190 e a Polícia Civil por meio do 197.

Sociedade também é responsável

Em abril, as buscas pela palavra “massacre” no Google cresceram. Entre todos os estados brasileiros, usuários do Paraná ocupam a 21ª posição nas pesquisas sobre o tema. Os valores são calculados numa escala de 0 a 100 no qual 100 indica mais popularidade da palavra. Em proporções as cidades de Jandaia do Sul, Wenceslau Braz, Campina da Lagoa, Santo Antônio do Sudoeste e São João são as que mais buscam a palavra. O levantamento considera dados até o dia 17.

Buscas da palavra “massacre” aumentaram em abril | Fonte: Google

O comportamento online deve adotar práticas cautelosas, sobretudo no que tange às crianças e adolescentes. A maioria das redes sociais têm mecanismos de controle parental. “O YouTube Kids é um exemplo de plataforma com o recurso ‘kids’ que funciona muito bem: os pais podem criar uma conta para a criança a partir de seu próprio login, e esse perfil só pode ser logado em aparelhos em que o responsável fez login e que tenha o app YouTube Kids instalado. Existem configurações específicas da plataforma para cada faixa etária, considerando crianças de até 4 anos, até as com 12 anos. Os conteúdos inadequados para crianças são removidos, bem como as publicidades. São diversas funcionalidades nesta – e em outras plataformas – que ajudam muito a controlar o consumo de conteúdo violento por parte das crianças e adolescentes. O problema é que, em sua maioria, os pais não se atentam ao detalhe da conta sendo criada por essa criança, que muitas vezes menciona, no cadastro, que tem mais de 18 anos para ter acesso a todas as funcionalidades da rede social”, alerta Avis.

A responsabilidade da sociedade no contingenciamento da sensação de insegurança provocado pela desinformação acerca de supostos novos ataques às escolas também passa por educação online. A orientação é para que as mensagens sejam encaminhadas diretamente para as forças de segurança pública e não em grupos para evitar o chamado “efeito contágio”.

“Não é possível controlar totalmente o que é publicado online. Uma pessoa pode facilmente fazer uma transmissão ao vivo cometendo um crime, e pode não ter esse conteúdo rastreado se ninguém denunciar. Da mesma forma que não é possível controlar o que uma pessoa vai dizer em um evento presencial, por exemplo. Porém na internet a proporção é imensamente maior e uma informação se propaga com muito mais rapidez”, diz a professora.

Após os ataques em Santa Catarina e São Paulo, a mídia profissional também adequou protocolos na elaboração de notícias. A mudança, para o jornalista Felipe Harmata, também tem impacto na visão da sociedade sobre a questão das escolas. “Como [somos] jornalistas discutir desinformação é fundamental. O segundo ponto que considero importante é discutir educação e violência, porque a escola sempre foi um local seguro. O que está acontecendo agora? O terceiro ponto é cobrar o poder público sobre ações e o quarto, muito importante, é dar visibilidade às agências de checagem, que ainda ficam muito numa bolha e fazem um trabalho fundamental para combater desinformação”.

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