Agosto Lilás tem ações para tentar diminuir número de feminicídios

Ações acontecem em todo Paraná e são coordenadas pela Polícia Militar

Neste mês as forças de segurança pública estaduais preparam ações voltadas para o combate à violência contra a mulher. Nesta quarta-feira (10) o Senado aprovou projeto de lei que institui em todo o país o Agosto Lilás. A proposta prevê que, anualmente, a União e os estados promovam ações de conscientização e esclarecimento sobre as diferentes formas de violência contra a mulher.

Na prática o Governo Federal apenas encaminha aos estados os dados sobre os atendimentos feitos por meio do telefone 180 e cada estado desenvolve ações para diminuir as ocorrências deste tipo, sobretudo casos de feminicídio.

Neste primeiro semestre de 2022, de acordo com o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), foram registrados 96 casos de feminicídios no Estado. Seis deles acompanhados pela Casa da Mulher Brasileira de Curitiba.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública (Sesp) do Estado, no ano passado foram registrados 75 feminicídios, contra 73 no ano anterior. O pico dos últimos cinco anos ocorreu em 2019, primeiro ano da pandemia, quando 89 mulheres foram vítimas de feminicídio.

Diferenciação

O código penal passou por uma modificação em 2015, com a aprovação da Lei 13,104, que inseriu o crime de feminicídio dentro do homicídio simples. “É uma circunstância que qualifica o crime de homicídio e que por isso ela merece um agravamento em razão à condição daquele que preenche o que está previsto no artigo 121 parágrafo segundo inciso sexto, que é aquele crime praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino”, explica Raissa de Cavassin Milanezi, do escritório Cavassin Milanezi Advocacia, especialista em Ciências Criminais.

Antes disso os assassinatos em ambiente doméstico eram contabilizados como homicídio, o que ocorre ainda em casos que não têm relação de gênero envolvido: por exemplo, crimes relacionados ao tráfico de drogas. De janeiro a março deste ano ocorreram 45 homicídios nos quais as vítimas eram mulheres, segundo a Sesp. Em 2021 foram 133, no ano anterior 156.

Com a qualificadora foi possível separar as estatísticas, mas isso não aumentou a proteção das mulheres. “Não acredito que a inserção da qualificadora tenha diminuído as mortes de mulheres por serem mulheres.  Aqueles que cometem o crime não olham o código penal e fazem um juízo de probabilidade de qual pena receberão. Existe uma corrente na análise econômica do Direito que entende que ocorre esse juízo de valor, mas eu particularmente entendo que não”, pondera a advogada.

As estatísticas endossam o apontamento. O Fórum de Segurança Pública fez um estudo no qual revela 1.341 feminicídios no Brasil no ano passado. O número é um pouco menor que em 2020 quando ocorreram 1.351 crimes deste tipo. Todavia, a estatística mostra elevação de feminicídios desde 2016 até agora.

O mesmo estudo aponta que 36,1% dos homicídios femininos são classificados como feminicídios no Paraná. “Há uma preocupação relevante na classificação do crime: por se tratar de uma lei que deixa a cargo dos servidores a correta tipificação, ainda há desafios – em diferentes graus, a depender das capacidades institucionais dos estados – em enquadrar o crime enquanto feminicídio”, diz o texto.

Mudança de cultura

Casos de feminicídio perpassam pelo machismo. “O patriarcado coloca a mulher em um papel secundário. Essa dinâmica invisível faz com que haja uma separação entre o público e o privado, que, com o avanço do capitalismo – que precisava de mão de obra e permitiu o trabalho da mulher por conveniência – as mulheres saem dos espaços privados e ocupam os espaços públicos. Isso gera uma espécie de queda de braço, porque alguns homens acham que estão perdendo seus direitos”, explica a professora Aline Neves, mestra em Direitos Humanos.

Para romper com esta lógica, é preciso mudar a cultura. “O que eu vejo é o problema da violência contra a mulher perpassar por questões de raça, classe e gênero. Sendo que existem outros instrumentos mais efetivos para combater o problema da violência contra a mulher. Tais sejam: a frequentação de cursos, botão do pânico, educação nas escolas, até mesmo porque o Direito Penal atua pós fato, ou seja, ela atua quando já há a lesão ao direito jurídico protegido”, salienta Milanezi.

Justamente para conscientizar e aumentar a proteção das vítimas de violência doméstica, dentro da iniciativa do Agosto Lilás, a Polícia Militar do Paraná (PMPR) lançou um Plano de Segurança para mulheres, uma espécie de cartilha, que ajuda a identificar comportamentos que podem evoluir para feminicídio.

O material está disponível no site da corporação e foi desenvolvido pela Câmara Técnica de Patrulha Maria da Penha. Há orientações para criação de rotas de fuga, explicações sobre o que é violência doméstica – que muitas vezes não precisa ser física, além de direcionamento voltados para mulheres que são mães.

Em paralelo policiais do Paraná também participarão de aperfeiçoamento para atender ocorrências de violência doméstica, além da chamada “interiorização” da Patrulha Maria da Penha, ou seja, fazer com que municípios que ficam distantes da capital também tenham equipes especializadas.

No Paraná, as ações do Agosto Lilás serão desenvolvidas entre os dias 29 de agosto e 27 de setembro. “A operação vai contar com palestras, revisitas às vítimas, verificação de descumprimento de medidas protetivas e acontece em todos os batalhões”, explica o capitão Victor Rodrigo Amaral, que é membro da Câmara.

Maria da Penha

O atendimento de casos de violência doméstica é feito sempre pela equipe policial mais próxima do local da ocorrência – mesmo que esta não seja a equipe especializada. A ideia é dar uma resposta mais rápida para evitar que o crime evolua para feminicídio.

Em Curitiba, Região Metropolitana e litoral batalhões da Polícia Militar adotaram a revisita das vítimas de violência doméstica como projeto-piloto.

Nestes casos os policiais militares retornam às casas das vítimas de violência ou entram em contato por telefone para continuar acompanhar a situação das mulheres. Este procedimento começou no 22º Batalhão de Polícia Militar (22º BPM), em Colombo e permitiu que os policiais mapeassem vítimas que já haviam passado por ocorrências deste tipo, bem como entender os motivos que a impediam de romper o ciclo.

Além da dependência afetiva, medo ou vergonha, as vítimas também apontavam a dependência financeira com fator que dificultava o rompimento do relacionamento com o agressor.

O dado chamou atenção da Câmara Técnica de Patrulha Maria da Penha e surgiu a ideia de criar um programa que incentiva o empreendedorismo entre as mulheres vítimas de violência para permitir geração de renda.

Uma parceria entre a PM e empresas da iniciativa privada permitiu a disponibilização de cursos na área de beleza e gastronomia para as vítimas de violência. “Essas duas áreas permitem que a mulher trabalhe de casa. Na época do pico da pandemia, quando tudo fechou, houve aumento nos pedidos de comida. E depois disso, com a retomada dos eventos, a área da beleza também voltou a atender. Então são dois tipos de atividade que podem ser desenvolvidas sem precisar de muita estrutura”, destaca o capitão.

A iniciativa virou projeto de pesquisa do policial, que é mestrando no Programa de gestão das organizações, liderança e decisão da Universidade Federal do Paraná (UFPR). A pesquisa pretende sistematizar mecanismos para ajudar as mulheres a empreender para romper o ciclo de violência.

O projeto é promissor porque, de acordo com o Instituto Rede Mulher Empreendedora (IRME), o empreendedorismo ajudou 48% das donas dos próprios negócios a saírem de relações abusivas. Os dados foram compilados em parceria com o Instituto Locomotiva, e ouviu 2,4 mil mulheres no ano passado.

Ajuda

Nos casos em que a violência ocasiona risco de morte, a orientação é para que a vítima acione diretamente a Polícia Militar por meio do 190. Para aquelas têm medida protetiva o telefone é 153.

Para demais orientações e suporte, a Casa da Mulher Brasileira atende 24 horas. O endereço é avenida Paraná, 870, perto do terminal do Cabral. Os telefones são (41) 3221-2746 ou (41) 3221-7711.

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