A Lei Maria da Penha mudou e agora o policial pode afastar o agressor do lar

A mudança se aplica somente nas cidades em que não há delegado e a medida ainda precisa ser confirmada pelo juiz. Com o objetivo de tornar o processo mais ágil, o risco é que as mulheres sejam expostas a novas […]

A mudança se aplica somente nas cidades em que não há delegado e a medida ainda precisa ser confirmada pelo juiz. Com o objetivo de tornar o processo mais ágil, o risco é que as mulheres sejam expostas a novas violências.

Na semana passada, mudanças na Lei Maria da Penha foram sancionadas pelo Presidente Jair Bolsonaro. O novo texto da lei altera os artigos 12-C e 38-A, que falam sobre a concessão de medidas protetivas de urgência. Agora, verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, o delegado de polícia ou o policial poderão determinar o afastamento do agressor do lar, apenas nos casos  em que o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia. As medidas deferidas pela autoridade policial ou pelo policial mesmo precisam ser confirmadas pelo juiz, com ciência ao Ministério Público, no prazo de 24 horas.

Na prática, a concessão de medidas protetivas em lugares como Curitiba não muda. A mulher pode solicitar a medida na delegacia e ela será avaliada pelo juiz no prazo de 48 horas. O que muda é que em cidades onde não há delegado disponível, o policial mesmo poderá afastar o agressor do lar.

Assim, essa alteração teve por objetivo tornar mais rápido o processo de concessão de medidas protetivas, principalmente nos locais mais afastados que não contam com delegado disponível. A mudança é, entretanto, muito controversa no movimento de mulheres e pode não significar um ganho, mas sim expor as mulheres em situação de violência a novas vulnerabilidades.

A Rede Feminista de Juristas (deFEMde) lançou uma nota técnica se posicionando contrária à medida antes mesmo da sanção presidencial. No texto, a deFEMde aponta problemas graves como ofensa ao princípio da tripartição dos poderes, inconstitucionalidades, falta de legitimidade popular e indicam que a própria lei já tem mecanismos para tornar mais ágil o processo de concessão de medidas protetivas.  

A Lei Maria da Penha surgiu dos constrangimentos internacionais aos quais se submeteu o Estado brasileiro em razão de sua tolerância diante da violência contra a mulher, especificamente no caso da brasileira Maria da Penha Fernandes, que batiza a Lei. As agressões e tentativas de homicídio por parte do seu então marido deixaram-na paraplégica e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos  recomendou que o Estado Brasileiro prosseguisse e intensificasse o processo de reforma contra a tolerância e o tratamento discriminatório em face das situações de violência doméstica. Esse histórico revela o importante percurso trilhado até a criação da lei; e ele precisa ser levado em conta para compreender essa legislação.

Essa mudança, por outro lado, foi feita sem qualquer contextualização ou debate: ao contrário, publicado em 2013, o Relatório da CPMI da Violência Doméstica apresenta uma série de diagnósticos a partir de audiências públicas realizadas no Brasil todo, mas não aponta a necessidade de estender aos policiais o poder de garantir medidas protetivas.

Além disso, é importante lembrar que não são raras as denúncias de tratamentos constrangedores nas delegacias, não são incomuns as dificuldades das mulheres de serem levadas a sério pela autoridade policial, mesmo nas delegacias especializadas; imagine nos locais mais afastados. Estender o poder de autorizar ou não medidas protetivas a um grupo de profissionais ainda pouco capacitado e submetido a condições péssimas de infraestrutura parece que não vai contribuir para tornar o processo mais ágil e tampouco mais digno. Um exemplo dessa falta de estrutura é que, apesar da Lei estabelecer a criação de  Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, somente 112 deles foram criados em todo o território nacional.

O fato é que a Lei Maria da Penha é um instrumento importante para o combate à violência contra mulher, porque institui uma política de enfrentamento a essa problemática e impõe ao Estado o dever de garantir serviços multidisciplinares, especializados e efetivos no atendimento às mulheres em situação de violência. A lei tem um ganho importante no estabelecimento de medidas de combate à violência sem fortalecer de forma inadvertida o poder punitivo do Estado e isso precisa ser preservado. A mudança, todavia, não parece seguir a mesma lógica.

Muito ainda precisa ser implementado e não se ignoram os vários problemas práticos na aplicação da lei, mas a verdade é que a boa aplicação da lei depende de investimentos estatais no atendimento humanizado e respeitoso da mulher, na capacitação de funcionários de delegacias, do sistema de justiça, na construção de espaços como os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, entre outras, e não em medidas midiáticas, aptas a fortalecer a discricionariedade policial e que podem expor as mulheres à outras violências.


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