2020 é o ano de ler mulheres

Comecei o ano determinada a ler uma obra de literatura escrita por uma mulher a cada mês; a primeira delas é para mim um livro mais importante para profissionais do direito que atuam na área das família que qualquer manual […]

Comecei o ano determinada a ler uma obra de literatura escrita por uma mulher a cada mês; a primeira delas é para mim um livro mais importante para profissionais do direito que atuam na área das família que qualquer manual sobre o tema.

Decidi ler uma obra de uma autora da literatura por mês em 2020. Aqueles cujas impressões fizerem sentido com o propósito desse blog, me comprometo a compartilhar aqui. O primeiro deles foi minha leitura de Janeiro, o livro Dias de Abandono, da Elena Ferrante.

Dias de Abandono é sobre a caótica jornada de uma mulher deixada pelo marido. Rejeitada e com dois filhos, Olga transita intensamente pelos estágios do abandono: a indiferença, a esperança, o caos e a vida que continua, eventualmente sem grandes sobressaltos. Por mais que essa descrição inicial sugira uma história conhecida, no romance de Elena Ferrante não há vítima, não há heroína e muito menos final redentor. Aqui, a vida real é tão crua quanto ela é.

E o motivo pelo qual escrevo sobre não é fazer uma resenha da obra, justamente porque me falta a habilidade técnica para tal, mas sim porque acredito que essa seja leitura obrigatória a toda estudante de direito, advogada/o, juiz ou juíza, em especial os que atuam em processos de família. É impossível pensá-los da mesma forma após ser confrontada com a história de Olga e Mário.

É assim porque além de uma história sobre o término de um relacionamento, o livro nos faz compreender a divisão sexual do trabalho, o casamento e seu papel central na institucionalização da exploração da mulher. A escrita feroz atordoa e faz compreender com ainda mais verdade como é o casamento tradicional que possibilita a apropriação do trabalho de cada mulher, e como os homens se beneficiam individual e coletivamente desse estado de coisas. Vemos que, com o divórcio, com o abandono, as responsabilidades pelos filhos e pela casa continuam isoladamente sobre a mulher; com o agravante das limitações profissionais e de qualificação impostas e com os quais elas são deixadas.

E para que isso tudo aconteça, não é necessária violência física nem manipulação. Ferrante nos mostra que inclusive o marido pode ser um sujeito comum, capaz de ser amável e cheio de amigos. Talvez até demore algumas páginas para que cresça em nós o desafeto em relação a ele.

Nisso tudo, entendemos que a compulsoriedade da maternidade, o abandono de si e a pecha de desvairada são imposições cruéis e intransponíveis; e a tentativa de se constituir autonomamente um privilégio nem sempre atingível.

A angustiante jornada de Olga revela a sutileza e a profundidade de um processo que borra os limites do pessoal. Finalmente, o livro nos impõe de forma definitiva a importância de um olhar feminista sobre as questões de família.

Convido você também a escolher as suas 12 autoras para 2020. Essa pode parecer uma meta modesta ou ousada, a depender da sua voracidade como leitora. Independente disso, o importante é que conhecer a literatura feita por mulheres faz com que exploremos o que há para além da história única que nos é imposta desde os bancos escolares; Chimamanda Ngozi Adichie nos alerta sobre os perigos decorrentes dela. A autora nigeriana também é uma ótima dica para iniciar o ano. Qual é a sua?

* Em Curitiba e demais cidades do país, há o relevante e pioneiro projeto Leia Mulheres. Encontre aqui as informações sobre como participar.

** No Twitter, popularizaram-se as hashtags #LeiaMulheres2020 #DesafioLeiaMulheres2020, nas quais as autoras da iniciativa inclusive sugerem temáticas mensais. Vale a pena conferir.

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