Dois pesos, duas medidas: R$ 500 mil de multa para vigília, vista grossa para quartéis

Desde o primeiro dia, Vigília Lula Livre foi alvo de restrições, ao contrário do que ocorre com golpistas que acampam em frente a quartéis

Desde que foi anunciado o resultado das eleições presidenciais de 2022, grupos de apoiadores do candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL), promoveram bloqueios em rodovias do país, além de protestos em frente a instalações do Exército. A pergunta que surgiu desde o dia 30 de outubro é: em que medida a reação das autoridades aos bloqueios foi equivalente às reações a outras manifestações da população?

O Plural apurou que enquanto durante a Vigília Lula Livre a Prefeitura de Curitiba entrou com ação judicial e pedido de limitar solicitando a liberação das vias e multa de R$ 500 mil aos manifestantes, nos protestos em frente aos quartéis, apesar da manifestação de dezenas de vizinhos incomodados com o bloqueio de vias e perturbação de sossego, a administração municipal se limitou a dizer que a responsabilidade é do Governo do Estado.

Levantamento realizado pelo Plural junto ao Tribunal de Justiça do Paraná, dados do 156 e da Guarda Municipal mostram que foram pelo menos 91 registros reclamando do transtorno causado pelos protestos nos quartéis. Mesmo assim, a prefeitura se limitou a afirmar que a responsabilidade é da Policia Militar.

Vigília Lula Livre

Em Curitiba, o protesto equivalente ao acampamento em frente aos quartéis mais citado é a vigília Lula Livre, instalada próxima a sede da Superintendência da Polícia Federal no Santa Cândida no dia 7 de abril de 2018, quando o atual presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), chegou ao local para cumprir a pena na condenação relativa ao Caso do Triplex.

O Plural reexaminou as ações tomadas em relação aos protestos em apoio a Lula em frente a Superintendência da Polícia Federal e comparou com as medidas tomadas contra os bloqueios no Paraná entre 30 de outubro a 2 de novembro de 2022.

Quando Lula ainda estava em São Paulo, num impasse com Polícia Federal sobre como deixar a sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista para se entregar, a prefeitura de Curitiba já agia para impedir transtornos no entorno da sede da PF. Ainda no dia 7 de abril, a Procuradoria do Município entrou na Justiça do Paraná com um Interdito Proibitório com pedido de liminar para proibir veículos não autorizados de entrar no perímetro em torno do prédio formado pelas vias Rua Engenheiro Paulo Gabriel Passo Brandão, Rua Professora Sandália Monzon, rua Professor Guilherme Matter, Rua Mariano Gardolisnki e a Rua Maria Noemia dos Santos.

A ação, movida contra “Movimentos e indivíduos que se encontrarem nos locais do possível molestamento da posse”, também pediu a proibição de “montagem de estruturas e acampamentos nas ruas e praças da cidade, sem prévia autorização municipal” e a determinação de multa aos que desrespeitassem as determinações.

O processo judicial se seguiu a uma comunicação, por parte do delegado da Polícia Federal Igor Romário de Paula enviado à Procuradoria pedindo ação judicial para impedir a movimentação de populares no entorno da Superintendência da PF. O documento, com data do dia 7, incluía fotos de pessoas já reunidas na região. Ainda no dia 7, mas já durante o plantão judiciário, o juiz substituto Ernani Mendes Silva Filho proibiu a circulação dos manifestantes na região, proibiu que houvesse qualquer limitação ao trânsito de pessoas e coisas na região e a montagem de estruturas.

Os membros do movimento que estavam na frente do prédio foram notificados pelo oficial de justiça às 21h45 ainda do dia 7 de abril. O mesmo oficial identificou como parte do movimento a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Partido dos Trabalhadores (PT), o Movimento Curitiba contra a Corrupção; o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Movimento UFPR Livre, que foram com isso incluídos no processo movido pela prefeitura.

Nesse meio tempo, a prefeitura tentou determinar um local próximo ao terminal do Santa Cândida para acampamento dos manifestantes, que permaneceram no local mesmo após a notificação da justiça. No relato da Procuradoria do Município à Justiça, o procurador Miguel Adolfo Kalabaide informa que:

“(…) No dia 08 de abril os atos de apoio ao ex-presidente Lula continuaram na área demarcada pelas forças de Segurança Pública (Figura 12), sendo que as equipes realizaram vistorias junto ao Terminal viário de Santa Cândida e Parque Atuba, local destinado pela Prefeitura Municipal de Curitiba para que os manifestantes que procedessem de outros Estados pudessem acampar. Durante a permanência das equipes nos locais, nenhuma alteração foi evidenciada, exceto a realização de acampamento nas proximidades da Superintendência da Polícia Federal, onde, aproximadamente, 1200 pessoas permaneciam e passaram a noite, no ato de vigília, sendo evidenciada a montagem de barracas nas imediações da Superintendência da Polícia Federal , principalmente à Rua Franco Giglio, esquina com Rua Clara Nunes. Nos outros pontos solicitados, Parque Atuba e Terminal Santa Cândida, nenhuma movimentação foi constatada (Figuras 13,14, 15, 16, 17,18, 19, 20, 21 e 22). Na manhã do dia 09 de abril de 2017 a movimentação era menor, apesar de intensa, sendo verificado a estada de quatorze ônibus, sendo 10 estacionados à Rua Franco Giglio, dois à Rua Guilherme Maeter e dois à Rua João Gbur, na esquina com a Rua Doutor Barreto Coutinho (Figuras 23 e 24). Foi verificado que equipes operacionais da Guarda Municipal de Curitiba e SETRAN prestavam apoio, no sentido da efetivação dos bloqueios as Rua Waldemar Zetola com José Leprevost, às Ruas Franco Giglio com José Leprevost e às Ruas Mariano Gardolinski com Ercília Maltaca (Figuras 25,26 e 27). Aproximadamente às 11h45min foi verificado que um caminhão “pipa” realizava o abastecimento de água aos envolvidos com a manifestação (Figura 28). O acampamento continua com a movimentação rotineira, com a presença de inúmeros vendedores ambulantes no local e sem alterações na portaria da Superintendência da Polícia Federal”.

O relato acompanhava um pedido da procuradoria para que fosse determinada multa pelo descumprimento da liminar do dia 7. No documento, o registro de imagens que mostravam a situação no local, bem como a ação da Guarda Municipal, Polícia Militar e da Secretaria de Trânsito para reduzir os transtornos na região. Isso incluiu imagens de carros sendo rebocados por estarem estacionados irregularmente e a identificação de veículos usados para abastecer os manifestantes.

Houve também a identificação de pessoas supostamente consumindo bebida alcoólica, muito embora não existisse restrição a tal consumo e da presença de crianças nos acampamentos.

No dia 13 de abril, também durante o plantão judiciário, o juiz substituto Jailton Juan Carlos Tontini acatou o pedido da prefeitura e determinou uma multa de R$ 500 mil por dia e por réu que descumprisse a decisão. No dia seguinte o MBL Curitiba protocolou um pedido para exclusão da instituição da ação alegando não conhecer a pessoa que teria sido notificada e afirmando apoiar o cumprimento da ordem de desocupação “pelos movimentos Pró-Lula, liderados pela senadora Gleisi Hoffmann”. Igual pedido foi feito pelo Movimento Curitiba Contra a Corrupção.

No dia 16 de abril uma reunião de conciliação reuniu representantes da prefeitura de Curitiba, o PT, da CUT, do procurador-geral de Justiça, da Polícia Militar, da Comissão de Direitos Humanos da OAB e do MST. Como resultado, foram definidas regras para as manifestações, com cessão de espaço para acampamento no Parque do Atuba, a instalação de quatro tendas de apoio nas imediações da Superintendência, a definição de horário para uso de equipamento de som e a possibilidade de o movimento se instalar em área particular.

Ao mesmo tempo, os grupos responsáveis pela Vigília Lula Livre alugaram dois imóveis na região, incluindo um terreno em frente à Superintendência da Polícia Federal, que passaram a abrigar toda a estrutura do acampamento. Como se tratava de imóveis particulares e como as ruas no entorno do prédio não estavam tendo seu trânsito prejudicado, a situação passou a ter uma nova dinâmica.

Era nesses imóveis e nas tendas de apoio autorizadas pela Justiça que a vigília realizava suas ações, atividades culturais, o bom dia e o boa noite ao ex-presidente e recebia visitantes ilustres. Como o acordo firmado em abril foi cumprido – o que incluiu o não bloqueio das vias – não houve nova intervenção da prefeitura.

O processo judicial, porém, continuou a tramitar, o que implicaria na aplicação da multa contra pessoas notificadas em frente à sede da PF. A situação só se resolveu bem depois, quando a prefeitura desistiu da ação.

Bloqueios no trânsito e perturbação de sossego

Desde 30 de outubro, quando o resultado das eleições presidenciais de 2022 foi anunciado, grupos de manifestantes se concentram em frente a instalações das Forças Armadas em Curitiba. Os protestos acontecem na rua Marechal Floriano Peixoto, no Boqueirão, na Av. Erasto Gaetner, no Bacacheri e no Comando da 5ª Região Militar do Exército – Forte do Pinheirinho.

Desde o início das manifestações, a prefeitura de Curitiba já registrou pelo menos 91 denúncias de perturbação de sossego e bloqueio de trânsito. Em pelo menos 3 ocasiões a Guarda Municipal da cidade foi acionada para atuar junto aos manifestantes, segundo registros da própria prefeitura. No entanto, apesar da manutenção dos acampamentos em vias e calçadas da cidade e a reclamação registrada por moradores vizinhos aos locais, não houve nenhuma ação judicial da prefeitura contra esses grupos.

Em um dos registros feitos junto à prefeitura, um cidadão relata:

“A Avenida Erasto Gaertner está com o fluxo do trânsito prejudicado devido às manifestações antidemocráticas de pessoas desocupadas que tomam conta de uma pista da rua em frente ao quartel 20º BIB do Bacacheri. É inadmissível a prefeitura municipal compactuar com ações golpistas que pedem por intervenção militar. Montaram uma tenda e estrutura com alimentação financiada sabe lá por quem. A prefeitura até disponibilizou banheiros químicos. Não é possível que um cidadão que paga seus impostos possa admitir essa mobilização e conivência da Prefeitura de Curitiba em favor de movimentos antidemocráticos. É meu dinheiro de contribuinte que está financiando isso? Solicito que tomem providências”.

Outro cidadão reclama da falta de instituição que se responsabilize pela liberação das vias:

“A pista em frente ao quartel do Boqueirão encontra-se PERMANENTEMENTE bloqueada em uma faixa. Além disso, tem barracas, veículos, bancos, cadeiras e pessoas PERMANENTEMENTE na calçada, impossibilitando a passagem de cadeirantes e fazendo que os pedestres tenham que andar na rua. A ciclovia está bloqueada dia e noite por pessoas, impedindo a passagem dos ciclistas. Ressalta-se que essa solicitação pode ser atendida em qualquer horário, não sendo válida a resposta de que não possuem equipe para atender no horário solicitado. Basta irem assim que tiverem uma equipe disponível.Importante destacar que no primeiro pedido feito, houve uma resposta alegando que era responsabilidade do Estado. Em contato com a PM, a responsabilidade é da Prefeitura. Ademais, que não seja necessário procurar o MP para uma possível denúncia de prevaricação”.

Ao responder essa demanda, a prefeitura se limitou a dizer que: “Informamos que nossas equipes estão em atendimento a diversas situações. As situações relacionadas às demandas de manifestações e aglomerações que envolvem risco de segurança estão sendo atendidas pelo efetivo das Forças de Segurança do Estado”. A mesma resposta se repete em quase todas as solicitações referentes a protestos em frente a quartéis na cidade.

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5 comentários em “Dois pesos, duas medidas: R$ 500 mil de multa para vigília, vista grossa para quartéis”

  1. Eu fiz uma reclamação e acusei o Prefeito de PREVARICAÇÂO …Todo dia, as 10 horas a Guarda Municipal de Transito faz uma fiscalização na Erasto…mas neste BANDO DE MILICO DESOCUPADO eles naõ chegam….É UM ABSURDO… Cadê o MPE?????

  2. Parabenizo aos companheiros por esta linda resistencia, para que Lula sobrevivesse aos 580 dias de prisão injusta e atabalhoada. Otima matéria, comparando a pressa em penalizar sempre os movimentos sociais e a oposição. Os bolsonaristas são covardes e nunca assumem seus atos. Agora bradam, caluniosamente, em TV aberta que o vandalismo em Brasília foi coisa dos “Petistas infiltrados”. Além de Brasília, houve bloqueio de BR 101, por exemplo, no Morro dos Cavalos, no meio da noite. Os valentões já tinham sumido quando a polícia chegou. Botam a vida das pessoas em risco, mas se dizem “de bem”, de Deus. Esta rafuagem precisa sentir o peso da lei. Basta de tolerancia criminosa. Ou o PR é governado por ratos???

  3. …essa condenação do ” bandido ” sem provas escritas no processo é que foi e é uma arruaça… desafio aqui a me indicar as páginas do processo onde estão escritas as PROVAS. vai….. mostra…..

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