Passando a boiada: Câmara aprova urgência para projeto que reabre a Estrada do Colono

PL que tramita desde 2019 será votada diretamente no plenário. A criação da categoria Estrada-Parque ameaça Unidades de Conservação em todo o país e é considerada um retrocesso ambiental

A Câmara dos Deputados aprovou por 315 votos contra 138, nesta quarta-feira (9), o pedido de urgência para apreciação do projeto de lei que propõe a criação de uma nova categoria de Unidade de Conservação, denominada Estrada-Parque, e institui a reabertura da Estrada do Colono, no Oeste do Paraná. Aprovado o requerimento, a proposição poderá ser incluída imediatamente na Ordem do Dia, para discussão e votação pelo Plenário.

Se aprovado, o PL 984/2019, que agora tramita em regime de urgência, o antigo trecho de 18 km que rasgava o Parque Nacional de Foz do Iguaçu será novamente derrubado. Esta será a primeira experiência da chamada Estrada-Parque no país. 

A rodovia proposta atravessa o trecho mais ecologicamente sensível da área protegida da região, desmatando mais de 20 hectares de floresta habitada por espécies ameaçadas de extinção, como a onça pintada, e trazendo para a unidade de conservação o aumento da caça de animais silvestres, do atropelamento de fauna, da entrada de espécies exóticas invasoras, de focos de queimada e poluição. 

Além das consequências ecológicas, a iniciativa pode resultar em prejuízo para o turismo e o desenvolvimento econômico da região. A abertura  da estrada colocaria em risco o novo Plano de Uso Público do Parque Nacional do Iguaçu, aprovado em 2020, que prevê a abertura de 3 novos polos de visitação de baixo impacto, levando turismo sustentável a todos os 14 Municípios lindeiros à UC. A geração de recursos referente aos repasses de ICMS Ecológico para os municípios vizinhos também estaria ameaçada.

Para além da Foz

O impacto da lei não se restringe ao Parque Nacional de Foz de Iguaçu, onde estão as Sete Maravilhas da Natureza, as Cataratas. Além de colocar em risco o último grande remanescente de Floresta Atlântica do interior do país, a nova categoria abre caminho para que a construção de rodovias em meio a outras Unidades de Conservação da natureza sejam facilitadas. Todos os biomas brasileiros – e quem vive deles a partir do turismo sustentável – podem ser afetados. 

De acordo com a lei que institui as doze categorias do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) – alvo do PL em questão –, a circulação de veículos em Unidades de Conservação é restrita às atividades de turismo, manutenção e vigilância da unidade. O trânsito regular de carros, ônibus ou caminhões nesses espaços é considerado prejudicial à preservação dos recursos naturais. De acordo com o Ministério Público Federal, o SNUC não previu estradas-parque justamente por diminuírem a proteção ambiental.

Voo sobre o Parque Nacional do Iguaçu mostra a mata preservada no maior remanescente de Floresta Atlântica do interior do país. Foto: Oruê Brasileiro

Em documento enviado ao presidente do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG),  a comissão de meio ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) posicionou-se como desfavorável às propostas que visam a alterar a Lei n. 9.985/2000: o PL 984/2019 e o PL61/2013, texto semelhante que tramita no Senado.

A justificativa está no direito constitucional a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto do artigo 225 da Constituição, e no princípio constitucional do não retrocesso ambiental. O MPF também já havia se manifestado contrário à reabertura da estrada.

Histórico

Próxima à tríplice fronteira, a Estrada do Colono foi aberta em 1950 e fechada há mais de vinte anos por decisão da Justiça, por ser considerada um vetor de contrabando, tráfico de armas e drogas, desmatamento e caça, dentre outras atividades ilegais. Desde então, houve diversas tentativas de restabelecimento e ocupação do trecho que corta o parque, estabelecido como UC desde 1939. A proposta de criação do Parque Nacional do Iguaçu foi de André Rebouças, capitaneada por Santos Dumont no fim do século 19, com intenção de proteger as Cataratas do Iguaçu.

Em 1997, o caminho foi reaberto ilegalmente e funcionou até 2001, quando foi encerrado definitivamente. Em 2014, após nova tentativa de reabertura, a UNESCO ameaçou retirar do Parque o título de Patrimônio Natural da Humanidade, conquistado em 1986, caso o processo de reabertura fosse adiante.

Em 2019, o deputado Vermelho (PSD), cuja família atua no ramo da mineração, concreto, pavimentação e construção, criou o projeto de lei em discussão. O Ministério Público Federal (MPF), após sobrevoar a área para verificar a possibilidade de reabertura da rodovia, constatou a regeneração total da vegetação e afirmou que o projeto tem o propósito de beneficiar uma pequena parcela da população Paraná, encurtando em apenas vinte minutos o caminho entre os Municípios de Serranópolis do Iguaçu e Capanema. 

Imagem aérea mostra antiga rodovia coberta por vegetação. Foto: MPF

No ano seguinte, representantes de 16 municípios da região assinaram documento pedindo o restabelecimento da rota. O recurso foi negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que teria colocado um ponto final nas disputas judiciais.

Em março deste ano, Vermelho se encontrou com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que se posicionou favorável à Estrada-Parque

Manifestações

Nos últimos dias, aconteceram diversas manifestações contra a abertura da estrada. Nesta terça (7), por exemplo, um ato foi organizado pela Associação de Desenvolvimento de Esportes Radicais e Ecologia (ADERE) e por um coletivo de ambientalistas nas Cataratas do Iguaçu.

Ato contra a abertura da estrada foi realizado nas Cataratas

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1 comentário em “Passando a boiada: Câmara aprova urgência para projeto que reabre a Estrada do Colono”

  1. Bárbara Villa Verde Revelles Pereira

    Eu lembro de ter visto este conceito de estrada parque na Mantiqueira, na estrada que liga Visconde de Mauá a Maromba. Mas não sei que fim que deu…

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