Quem é Janja, a nova primeira-dama do Brasil

Rosângela conheceu Lula quando ele jogava no time de futebol de Chico Buarque

Num tempo em que proliferam os papagaios-de-pirata, aquelas figuras que se acotovelam atrás de famosos em busca de visibilidade por contágio, era de se esperar que não faltasse gente disposta a falar sobre Rosângela Janja da Silva, a grande novidade da campanha de Lula em 2022. Afinal, uma das coisas do pouco que se sabe sobre ela é que tem muitos amigos.

Interessada em conhecer a pré-história da mulher que se casou com o candidato à Presidência a partir de relatos de quem a conheceu antes do primeiro-damato, esta reportagem esbarrou em cenário oposto, um quase intransponível muro de mutismo e lealdade.

Mais nova de dois irmãos, Janja nasceu em 1966, filha de José Clóvis da Silva, 82, comerciante aposentado que ainda vive em Curitiba, e Vani Terezinha da Silva, a Têre, dona de casa falecida em 2020, lembrada pelos dotes culinários e o amor à dança de salão. 

De União da Vitória, a cidade natal na divisa com Santa Catarina, ela não guarda memória; a família se mudou para a capital paranaense quando ela tinha dez dias de vida.

Sabe-se que é formada em ciências sociais, “petista de carteirinha” (segundo sua própria declaração), militante de causas ligadas às mulheres e ex-funcionária da Hidrelétrica de Itaipu. Não tem filhos. Lula é seu segundo casamento.

“Ela sempre foi uma ativista, dentro e fora da universidade”, afirma a socióloga Margarida Quadros, que a conheceu em janeiro de 1984, aos 18 anos, quando ambas comemoravam a aprovação no vestibular da Universidade Federal do Paraná. “Somos de uma geração que precisou construir caminhos e buscar o que nos interessava desde cedo; foi isso que nos aproximou.” 

Na mesma década, as duas prestaram concurso e trabalharam juntas na área de saúde e ação social da Prefeitura Municipal de Curitiba. Terminada a graduação, cursaram a especialização em História e Cidade também na Federal do Paraná. 

Foi após esse curso que Janja, casada com um professor de História, saiu da prefeitura e se mudou para o interior do estado. A volta se deu alguns anos depois, com o fim do relacionamento.

A maioria dos depoimentos de mulheres que com ela conviveram repetem que a principal característica de Janja na atuação política é sua capacidade de aglutinar pessoas. “Determinada”, “organizada”, “focada”, “leal”, são atributos que repetidamente lhe são atribuídos.

Fala-se muito, também, de sua vocação para a alegria. “Ela é intensa em tudo, ama viajar, receber amigos em casa para comer, é noveleira. É uma das poucas pessoas que conheço que acorda cantando e dançando, de bom humor”, afirma Margarida. 

Margarida se lembra de uma brincadeira de ambas, o “dia da beleza”. De vez em quando a dupla fazia um tour pelas lojas de cosméticos que “cabiam no bolso” para comprar as novidades, que depois passavam horas testando em casa. “Era muito divertido.”

A professora Maria Helena Guarezi, 63, também ressalta a alegria e a facilidade de comunicação da mulher de Lula. “Não é uma pessoa de discurso em palanque. Tem mais facilidade é com a articulação, ela faz as coisas acontecerem.”

“Janja é direta. O que tem que dizer ela diz, entre nós duas não tem enrolação. Cada uma fala o que tem para falar, discute-se o que há para ser discutido, e tudo fica bem no final, sem melindres. Isso nos conectou definitivamente”, continua Maria Helena.

“A alegria e disposição para a festa não a impedem de ser assertiva, de pôr os pingos nos iis quando julga necessário”, corrobora Margarida. “Janja é uma mulher que toma as próprias decisões e as defende”.

Maria Helena e Janja se conheceram em 2003, na usina de Itaipu. Oriunda dos movimentos de mulheres e ligada à área de educação, a professora foi chamada por Gleisi Hoffmann, então diretora financeira da empresa, para atuar num projeto de aglutinação de programas ligados a sustentabilidade e responsabilidade social.

Janja trazia a experiência pregressa de um trabalho desenvolvido no remanejamento da população atingida pela construção da Hidrelétrica Barra Grande, em Anita Garibaldi, cidade da serra catarinense onde atuou entre 2001 e 2003.

Em Itaipu, seu trabalho se concentrou no programa Energia Solidária, voltado para melhorar as condições de moradia dos barrageiros que ocupavam a base da pirâmide profissional. Maria Helena coordenava o programa de Equidade de Gênero.

A amizade viria a se estreitar ainda mais entre 2007 e 2009, época em que partilharam o mesmo escritório e frequentaram juntas uma especialização em MBA.

Entre 2012 e 2016, Janja morou no Rio de Janeiro, cedida pela Itaipu para trabalhar no Sistema de Gestão Ambiental da Eletrobrás.

Às vésperas do Natal de 2017, já de volta a Curitiba e na condição de militante petista, juntou-se aos cerca de 1.500 convidados para a inauguração do campo de futebol Dr. Sócrates Brasileiro, na Escola Nacional Florestan Fernandes do MST, em Guararema (SP).

Na programação de quatro jogos, um deles levantou a arquibancada: Amigos de Chico Buarque versus Veteranos do MST, arbitrada por Juca Kfouri. Lula era do time de Chico. A partida  terminou em empate de 5 x 5.

“Foi em Guararema que tudo começou” afirma outra amiga, a professora Luciana Worms, 52, em que pese a licença poética de Lula, quando diz que arrumou namorada enquanto estava na cadeia.

“Um tempo depois desse fim de semana nos encontramos em um jantar na casa de amigos em Curitiba. O Chico estava lá, e Janja disse a ele: ‘Chico, eu fui para Guararema ver você e olha o que aconteceu. A culpa é toda sua’”, lembra Luciana.

No início do ano seguinte, o casal “oficializou” o namoro para os mais próximos na casa de praia de Gabriela Araujo, mulher do deputado estadual Emídio de Souza (PT).

Luciana conta que não estava junto, mas soube que o casal não se desgrudou durante os dias passados em Maresias, litoral norte de São Paulo. A possibilidade da prisão de Lula pairava no ar. Cinquenta dias depois, o então juiz Sérgio Moro emitiria a ordem de prisão.

Lula e Chico no jogo que levou o ex-presidente a conhecer Janja

A amizade das duas se consolidou durante a Vigília Lula Livre, acampamento montado no entorno da sede da Polícia Federal de Curitiba, em cujas dependências o ex-presidente ficou detido nos 19 meses seguintes.

Nos primeiros tempos, Janja não tinha autorização para visita, o que só seria concedido meses depois, e entrava junto com a família dele, às quintas-feiras. Consta que, durante o tempo em que esteve impedida de visitá-lo, diariamente recebia e respondia uma carta de Lula.

Luciana brinca que, nessa época, o dia de Janja parecia ter 48 horas: continuava trabalhando na unidade de Itaipu em Curitiba, cuidava da mãe, ia à academia, participava da vigília. Também fazia comida para enviar a Lula, lavava e passava todas as roupas dele. “Ela dizia que era para reassegurar, com atitudes práticas, que ele continuava tendo com quem contar aqui fora”. 

Na noite do Dia dos Namorados de 2018, as duas foram jantar no apartamento de outra amiga que morava relativamente perto do prédio da Polícia Federal, onde Lula estava preso. De lá se podia ver, como um ponto pequeno e luminoso, a janela da sua sala/cela.

Abriram um vinho, pediram uma pizza e, às 21h exatas, a amiga a levou até a janela, para cumprir um roteiro combinado. O ponto iluminado piscou três vezes. Ato contínuo, a namorada recebeu as flores e o presente, que ele havia pedido para um amigo comprar.

Janja adaptou a estratégia de comunicação a distância para os dias de Natal e Ano Novo. No sistema de som através do qual as mensagens da vigília se faziam ouvir pelo prisioneiro, colocou para tocar a Ave Maria” de Gounod, na versão de cavaquinho de Jorge Aragão, uma música com grande significado para o casal.

29 de setembro de 2018. Jair Bolsonaro fora esfaqueado três semanas antes e dentro de três dias passaria ao segundo turno da eleição que o conduziria à Presidência da República. Na praça lotada em Curitiba, como no resto do país -naquela que foi, segundo a BBC, “a maior manifestação de mulheres na história do Brasil”- a multidão gritava “ele não!”. Rogéria Holtz, 56, foi ao ato junto com Luciana; ali encontraram Janja. Apresentadas por Lu, bastaram alguns momentos para que se lembrassem de que já se conheciam, desde há bem mais de trinta anos, quando frequentaram o mesmo cursinho pré vestibular.

“Não chegamos a ser amigas, na época. Mas me lembro daquela menina afetuosa, bem-humorada e muito focada”, lembra Rogéria. “Na verdade, olhando essa mulher de agora, ela pouco mudou nessas décadas”, conclui.

A partir daí, Rogéria, conhecida cantora da cena curitibana, passou a ser atração frequente da vigília. “Com muito gosto subi naquele palco para cantar Milton, Chico, Vandré. Janja opinava na escolha dos repertórios com um conhecimento musical incrível”.

Ao longo dos 580 dias da vigília, passou por ali a nata dos artistas paranaenses, além de gente como Chico Buarque, Arismar do Espírito Santo, Odair José, Gregório Duvivier. Também intelectuais como Noam Chomsky, Adolfo Pérez Esquivel, Raduan Nassar, Fernando Moraes, entre outros. “O palquinho da vigília era um fervo”, lembra Luciana.

Apenas as pessoas mais próximas sabiam do namoro até o dia 18 de maio de 2019, quando Luiz Carlos Bresser Pereira, ex-ministro dos governos Sarney e FHC, foi visitar Lula. Na saída, declarou que o amigo estava apaixonado e que seu primeiro projeto ao sair da prisão era casar.

Coincidentemente (ou não), o anúncio foi feito dois dias depois que o diretor-geral da Itaipu anunciou a transferência compulsória para Foz do Iguaçu de todos os 136 funcionários da empresa lotados em Curitiba. Entre eles estava Rosângela da Silva.

Uma ação do sindicato da categoria tramitava quando, em 8 de novembro, Lula foi libertado por decisão do STF. Ao sair da PF, dirigiu-se diretamente à vigília, “sempre com o braço sobre o ombro de Janja, praticamente arrastado até o pequeno palanque”, onde, após breve pronunciamento, deu na namorada “um beijo cinematográfico”, segundo descrição do escritor Fernando de Morais (Lula, 2021, Companhia das Letras).

Lula,Janja e a banda do casamento. Foto: Divulgação

Cinco dias depois, liminar de uma juíza do trabalho suspendia as remoções compulsórias determinadas pela Itaipu; a suspensão foi cassada em curto prazo por um desembargador. Segundo reportagem do jornal Gazeta do Povo de 27/11, dos 136 empregados, 61 já haviam sido transferidos e 59 seriam removidos em dois meses. Quinze deles aderiram ao Plano de Demissão Voluntária, Janja entre eles.
Nos primeiros meses após a soltura, a então já assumida companheira de Lula se dividiu entre o Paraná e São Paulo, para onde ele retornou. Segundo Margarida, o período foi necessário para que eles se organizassem para receber dona Têre, que foi morar com a filha nos anos 1990, ao se separar do marido. 

Havia mais de uma década que a mãe fora diagnosticada com Alzheimer, um quadro demencial que demandou cuidados progressivos. 

No início de 2020, mãe e filha se mudaram definitivamente para São Bernardo do Campo. Dona Terê foi cuidada pelo casal até que, internada devido a um problema urinário e contaminada pela Covid-19, faleceu em 28/10/2020, dia do seu aniversário de 80 anos e um dia após o do genro. 

Em abril de 2022, Lula e Janja anunciaram o casamento para o mês seguinte, uma “cerimônia íntima para poucos convidados”. Misturadas às celebridades que compareceram estavam as amigas anônimas, Maria Helena, Margarida, Luciana. Também a Silvana, a Neudi, a Carlinha. E a Rogéria, que cantou com sua banda. 

Vestida pelas bordadeiras de Timbaúba, Rosângela entrou para se casar com Luiz Inácio. Adaptada para bandolim, cello, violão e pandeiro, soava aquela versão em samba da “Ave Maria” de Gounod.

Finda a festa, a mulher da alegria que não leva desaforo para casa desembarcou dos bastidores diretamente para o centro do palco da mais violenta campanha eleitoral da história brasileira recente. O resto do enredo, em fato e em fake, está sendo contado.

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13 comentários em “Quem é Janja, a nova primeira-dama do Brasil”

  1. EVIDENTE QUE MEU COMENTÁRIO NÃO SERÁ VISTO. VOCES SÓ GOSTAM DE PALAVRAS BONITAS, GENTIS. SOU PESSOA GENTIL MAS ‘CEGA’ E BURRA EU NUNCA FUI.

  2. Esse trecho do comentário foi editado por conter calúnia, um crime previsto no código penalE COMPRAR UM BELO “NAVIO” E IR PASSEAR COM ESSA NOVA MULHER E ESQUECER O BRASIL. NÃO É POSSÍVEL QUE SERES HUMANOS NORMAIS, SÉRIOS, RESPONSÁVEIS SEJAM CONIVENTES COM QUALQUER COISA QUE ESSE SUJEITO FAÇA. A MULHER NÃO TEM CULPA MAS COM CERTEZA “MARISA” DÁ VOLTAS NO TÚMULO. TRISTE, MUITO TRISTE.

  3. Janja é a mulher paranaense que eu implorei por mídias sociais que ajudasse Renato Freitas, enquanto ele estava sofrendo ameaças de morte e perseguição racial e política terrível durante 2022. Essa Janja NÃO LEVANTOU UM DEDO SEQUER PRA AJUDAR RENATO! AINDA SNOBOU, JUNTO COM LULA, DIA 17 SETEMBRO 2022 QUANDO VIERAM PRA CURITIBA, NO PALCO CONSTRUÍDO DO LADO DO EDIFÍCIO GARCEZ, ex-QG dos nazistas alemães em Curitiba na década de 30.

    TENHO PURO NOJO DO LULA E DA JANJA PELA MANEIRA QUE IGNORARAM NOSSO VEREADOR RENATO FREITAS. NÃO É À TOA QUE EU VOTO PRA ALGUMAS PESSOAS DO PT, MAS NÃO APOIO O PARTIDO DE MANEIRA NENHUMA! NOJO DESSE RACISMO E APOROFOBIA!

    Essa Janja prefere a companha dos artistas famosos do que a companhia dos oprimidos. Ela tá mais pra primeira dama de Revista Caras do que do Brasil de 56% de pretos e de pessoas vivendo em extrema pobreza.

  4. Que linda história com “h”. Quem diria que o Lula em 2022 estaria prestes a se tornar Presidente da República novamente, após sofrer todo tipo de perseguição por parte do Juiz de província e outros indivíduos menores e sem honra. A história fará Justiça a todos esses personagens.

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