Vigor Mortis vai às ruas com “O Circo de Curiosidades do Dr. Lao”

Primeiro espetáculo teatral ao ar livre da Vigor Mortis marca os 25 anos da companhia

A companhia mais pop de Curitiba está completando 25 anos e, quase com um tom comemorativo, lança seu novo espetáculo. Não se trata do que seu público fiel está acostumado, não em parte. A novidade é que a Vigor Mortis sai dos espaços fechados para levar “O Circo de Curiosidades do Dr. Lao” às ruas. A temporada começa na sexta (19) e vai até o dia 4 de setembro.

A empreitada continua com a pegada que deu identidade à troupe, algo que vai além dos elementos de cinema e de quadrinhos, com a liberdade que o teatro Grand Guignol e seu flerte com o fantástico permitem. É aquela dose de coragem que só tem quem peita o comum. Isso fica claro quando o dramaturgo e diretor à frente da companhia, Paulo Biscaia Filho, explica que o sucesso talvez seja resultado de um teatro feito para “pessoas que não gostam de teatro”.

O Plural conversou com Biscaia para conhecer a história e as escolhas que trilharam o caminho da Vigor Mortis até a peça que, segundo ele, pretende “dar uma balançada no status quo de Curitiba”. A montagem foi inspirada, principalmente, no filme “As 7 faces do Dr. Lao”, adaptado do livro de Charles G. Finney, com ares de déjà vu pelo número de reprises que rolaram na Sessão da Tarde. O filme é lúdico e perturbador ao mesmo tempo.

Grand Guignol

A Vigor Mortis se consagrou por produções teatrais de Grand Guignol. O que é esse gênero?
Grand Guignol foi um teatro que existiu em Paris, entre 1897 e 1962, e que se especializou em narrativas de horror e violência. O grand-guignolesque é um adjetivo que surgiu para descrever cenas sangrentas e graficamente violentas.

Essa dramaturgia se estabeleceu como um padrão que, aos poucos, foi sendo resgatado e estudado por alguns entusiastas do gênero, onde eu me incluo, além de outras companhias, como a Thrillpeddlers (na Califórnia). Há também estudiosos como Mel Gordon, falecido já; Agnès Pierron, na França; Richard Hand e Mike Wilson, na Inglaterra; e, no Brasil, temos o Raphael Cassou, que é professor no Rio de Janeiro.

Neste ano, a Vigor Mortis está completando 25 anos de atividades em cima do gênero Grand Guignol e tudo aquilo que parte dele. Porque as narrativas de horror se encaixam no universo do fantástico, que é mais abrangente e tem a ver também com aventuras, ficção científica, suspense, detetive e tudo mais. Aí, os nossos espetáculos foram indo para esses outros braços com montagens de toda sorte e para todas as idades. 

Vigor Mortis

Uma característica do trabalho da Vigor Mortis é trazer para a cena elementos do cinema e dos quadrinhos. Isso é uma ferramenta para falar a um público que vinha se afastando do teatro? 
É algo muito orgânico, que se relaciona diretamente com esse universo fantástico, que está englobando até mesmo o Grand Guignol. É algo orgânico também para mim, como diretor da companhia e pessoa que sugere as propostas de produção. Então uso coisas que estão no meu universo de afetos, e o cinema e os quadrinhos estão.

Inclusive a gente já produziu quadrinho junto com José Aguiar (cartunista do Plural), além de longas e curtas-metragens em cinema. No teatro, já virou algo tão do DNA da companhia que não consigo nem separar. Mas, se olhar para trás, em 2004, eu brinquei que o “Morgue Story” era uma peça para pessoas que não gostam de teatro e, de fato, a gente via uma desconexão. A proposta do “Morgue Story” era juntar linguagens para tentar se reconectar com o público de alguma forma.

É uma das formas, não é a única, existem zilhões de formas que companhias de Curitiba fazem maravilhosamente, que companhias do mundo inteiro fazem maravilhosamente. A Vigor Mortis encontra essa, que é brincar com a adição de outras mídias. 

Teaser do espetáculo “O Circo de Curiosidades do Dr. Lao”, que faz temporada pelas ruas de Curitiba entre 19 de agosto e 04 de setembro

Ocupar as ruas

“O Circo de Curiosidades do Dr. Lao” é a primeira investida em teatro de rua da companhia. Apostar num espetáculo ao ar livre é sempre arriscado em “Chuvitiba”, em uma temporada no inverno, a aposta ainda é maior. O que motivou a decisão de sair dos auditórios e ir para às ruas? 
Olha, nós estamos confiando que a chuva vai colaborar um pouquinho, que ela vai esperar para que a gente possa se apresentar. Se chover, a apresentação é remanejada para outro dia. O fato do espetáculo ser ao ar livre é uma preocupação, mas não só. Tem o barato de fazer um espetáculo de rua, porque a gente vê que, nesse momento, a arte está precisando ocupar as ruas e dialogar com o público. Ir para perto das pessoas em vez de ficar passivamente esperando que venham até nós e, de novo, não conseguir seu objetivo.

É um risco, mas vejo como algo muito necessário depois de dois anos de pandemia, levar ao público um espetáculo que faz com que a gente questione o nosso lugar. A história do “Circo de Curiosidades do Dr. Lao”, no livro e no filme, mostra a tentativa de “balançar” a rotina de uma cidadezinha no Arizona [nos Estados Unidos]. Assim a gente quer dar uma “balançada” também em Curitiba.

Divertido e perturbador

A montagem foi inspirada no livro de Charles Finney e no filme “As 7 faces do Dr. Lao”. O que motivou a escolha? 
Na verdade, o primeiro contato que eu tive foi com o filme, nem sabia que era uma adaptação de livro. Esse filme está no coração de todos que o viram inúmeras vezes na TV, em versão dublada. E ele preencheu o imaginário de uma maneira muito curiosa, porque é lúdico e perturbador ao mesmo tempo.

São várias as sequências muito perturbadoras ali e pode-se dizer que foi um dos primeiros filmes de horror a passar na “Sessão da Tarde”. A cena do Sátiro tinha algo que era ao mesmo tempo sexy e perturbador, a gente tenta reproduzir isso, assim como o próprio livro sugere. E a Medusa também traz questões sobre a incredulidade na sociedade.

Então essa onda que a gente vive – que não é nem conservadora, porque “conservadora” é quem quer preservar algo que existe – está fazendo destruições muito tóxicas. Ela faz com que esse texto se torne atual, para que a gente encontre poesia como forma real de se reconectar socialmente e de olhar para o próximo com curiosidade e generosidade.

A palavra curiosidade não está no título à toa. O termo traz justamente o sentido duplo de coisas peculiares, diferentes, mas também de curiosidade no sentido de exercício, de ter um olhar generoso para para essas figuras estranhas, em vez de simplesmente classificá-las como monstrengos. Por isso eu vejo esse texto como algo extremamente atual.  

Peça teatral

“O Circo de Curiosidades do Dr. Lao”, da companhia da Vigor Mortis. Temporada gratuita de 19 de agosto a 4 de setembro. Locais, horários e outras informações estão disponíveis na descrição deste vídeo aqui.

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