“Universos breves” faz um panorama do microconto em língua espanhola

Livro da Cobogó procura apresentar nomes menos conhecidos da modalidade associada a figuras ilustres como Dalton Trevisan

“Desde que tropeçou nela, viveu apenas para tropeçar.” Essa frase é um conto com começo, meio e fim. Na verdade, é um microconto, um subgênero que não é tão famoso quanto o conto, mas parece conquistar espaço cada vez mais. 

Um exemplo de espaço conquistado é, justamente, a publicação de “Universos breves” pela editora carioca Cobogó. Com organização de Francisca Noguerol, o volume reúne microcontos de 39 autores de língua espanhola. Entre eles e elas, está o salvadorenho Jorge Ávalos, autor da pequena história que abre este texto.

Microconto

Na apresentação do livro, Noguerol explica sua relação com o microconto, defende a modalidade como um exercício literário difícil e fascinante, mais próximo da poesia do que da prosa, porque no microconto cada palavra vale muito. 

“A saúde excepcional do microconto é mantida hoje pelos ilustres Dalton Trevisan e Marina Colasanti”, escreve a organizadora. É uma afirmação ousada essa: o maior contista vivo do Brasil (possivelmente o maior contista, ponto) é chamado por Noguerol de microcontista.

Trevisan, no entanto, não faz parte da seleção de “Universos breves” porque ele escreve, claro, em português. Na seleção da Cobogó, há autores de 21 países diferentes, nenhum deles deve soar familiar para o leitor que não acompanhe a produção de microcontos. E mesmo um escritor famoso como o hondurenho Augusto Monterroso não dá as caras no volume (é dele o famoso: “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”). A ideia aqui é abrir espaço para gente menos conhecida.

Cobogó

Embora possam ser classificados como prosa, os microcontos pedem uma leitura diferente da de um romance. Uma leitura mais próxima da poesia mesmo. Uma experiência em que você lê um texto breve, que pode ter uma frase, um parágrafo ou uma página (e raramente vai ter mais do que isso), e precisa parar para pensar. Para deglutir.

Aí você volta lá e relê, e nesse processo a história vai se revelando cada vez mais. Como neste microconto do argentino Andrés Neuman: 

Eu amo minha irmã.
Minha irmã ama meu pai.
Minha mãe amou meu pai.
Meu pai não ama ninguém.

Em outros casos, o microconto – que o escritor Julio Cortázar gostava de chamar de textículo – é uma única e certeira porrada, como este no boliviano Homero Carvalho Oliva: “Neste manicômio vivem muitos hóspedes, sempre que me olho no espelho vejo todos eles”.

Há também as histórias que são o que são: elas dizem tudo que você precisa saber. Nessas, é impressionante o poder de síntese da escrita. Como o do argentino (mais um) Raúl Brasca: “Foi triste quando meu pai, sem que eu pedisse, me deu a chave de casa. Eu era quase um adulto e ele me entregou a chave como se pedisse permissão para envelhecer”.

Por fim, o título “Universos breves” não poderia ser mais preciso. Passeando pelos microcontos do livro, você pode ter a sensação de transitar por universos inteiros, completos e complexos, no intervalo de algumas páginas.

Livro

“Universos breves”, de Francisca Noguerol (Org.). Tradução de Silvia Massimini Felix. Cobogó, 256 páginas, R$ 68. Contos. 

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