Que filme desconcertante é esse “Os Banshees de Inisherin”?

História usa a violência de forma mais simbólica do que real – e ela causa mais impacto do que o sangue

O filme “Os Banshees de Inisherin” parece um conto, de tão enxuto e objetivo. Nos primeiros minutos, o conflito já se impõe e captura o espectador: nos anos 1920, em uma ilha rural irlandesa chamada Inisherin, onde vive uma comunidade tradicional, Pádraic Súilleabháin (Colin Farrel), um modesto e simplório criador de animais, vai à casa de seu amigo Colm Doherty (Brendan Gleeson) para ambos seguirem, como fazem há muito tempo, a um pub e conversar e beber cerveja.

Mas Colm sequer recebe Pádraic e, quando confrontado para dar explicações, simplesmente diz que a amizade está encerrada. Mais do que isso: ele quer que Pádraic fique bem longe dele. O rapaz fica atônito, não consegue acreditar que o seu (provavelmente) único amigo tomou uma atitude tão radical. A comunidade também estranha a atitude de Colm, pois os dois sempre foram vistos juntos.

O mistério não levará muito tempo para ser solucionado, e a explicação parece um pouco cômica, mas tem um sentido curioso e trata de questões como angústia, reflexão e transcendência e atingirá sem compaixão o coração de Pádraic.

“Os Banshees de Inisherin”

O longa é dirigido pelo britânico Martin MacDonagh, que surpreende o espectador com algumas situações bizarras e de humor negro, como ele fez em “Três Anúncios para um Crime”, realizado em 2017 nos Estados Unidos. Mas aqui o impacto é diferente, pois os protagonistas não são bandidos ou assassinos. Estamos em uma ilha aparentemente tranquila, silenciosa, com atmosfera pastoral.

Aliás, o ambiente é sóbrio, em meio ao céu quase sempre nublado, às cores suaves, aos costões rochosos e à música folclórica irlandesa, com percussão e violino. O folclore irlandês está presente e há inclusive uma “bruxa” que prevê as mortes que ocorrerão brevemente na ilha (a palavra banshees do título se refere a esses seres).  

Brendan Gleeson (sentado) tem o semblante de um homem que pensamos duas vezes antes de desafiar. (Foto: Divulgação)

Portanto, quando a violência eclode, apesar de inicialmente desconcertante, ela se torna mais simbólica do que real. O sentido tem mais impacto do que as amputações e o sangue. Atinge um nível de ritual inevitável. E um dos personagens principais desses acontecimentos é o próprio Colm (Gleeson), que ganha o grave semblante de um homem perplexo diante da vida, e da qual nada mais espera, ainda que a música, talvez, atenue suas angústias. O ator empresta seu rosto pesado e duro que parece um totem. É um sujeito que pensamos duas vezes antes de desafiar.

O continente

O filme tem, ainda, dois personagens de destaque. Há a irmã de Pádraic, Siobhán Súilleabháin, interpretada por Kerry Condon, uma mulher instruída que necessita sair de Inisherin e partir para cidades da Irlanda, no chamado “continente”, na visão dos moradores da pequena ilha. (O continente, aliás, não parece ser uma boa saída para as angústias de Inisherin. Estamos em plena Guerra Civil Irlandesa e os moradores da ilha ouvem os ecos dos bombardeios. Os males estão por toda a parte.)

O outro personagem é Dominic Kearney (Barry Keoghan), o “bobo” e indesejável da ilha, um rapaz vítima dos maus-tratos do pai, um policial sádico e covarde. Ninguém quer ser visto com Dominic. Parece uma criatura já sob efeito de uma maldição implacável.

Por fim, Pádraic exigirá de Colm explicações sobre a justificativa apresentada para o fim da amizade. E, talvez, se tornará uma pessoa mais interessante, com identidade mais definida, um verdadeiro morador da velha Inisherin, a partir do momento que juntar forças para defender sua dignidade.  

Onde assistir

“Os Banshees de Inisherin” estreia nos cinemas nesta quinta-feira (2). O filme tem nove indicações ao Oscar 2023.

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