Olhar de Cinema exibe “A mosca” e mais seis filmes de David Cronenberg

Retrospectiva “Máquina de Cicatrizes” destaca obra do cineasta canadense fascinado pelas entranhas de animais e de máquinas

No Festival de Cannes do ano passado, dois senhores chamaram atenção do público na cidade da Riviera Francesa. Um deles foi Tom Cruise, de 60 anos, cabelos impecavelmente tingidos, shape e rosto em dia, e pinta de tiozão bem conservado. O outro atende pelo nome de David Cronenberg, de 80 anos. Com mais de meio século de carreira, o cineasta canadense foi ao festival francês de 2022 para apresentar o seu trabalho mais recente, “Crimes do futuro”. Agora, no Olhar de Cinema 2023, que vai de 14 a 22 de junho em Curitiba, o diretor de “A mosca” e “Gêmeos – Mórbida semelhança” será tema da mostra Olhar Retrospectivo, com o título “Máquina de Cicatrizes: o Cinema de David Cronenberg”. Ao todo, o evento vai exibir sete filmes (mais sobre cada um deles daqui a pouco). 

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Olhar de Cinema

Em sua obra, Cronenberg tem uma curiosidade e um fascínio sexual pelo interior de organismos vivos, fazendo uma espécie de investigação sobre as formas, cores, texturas e sons das entranhas de humanos e de animais, além de explorar mutações e parasitas.

O interessante é que, em grande parte de seus filmes, o diretor mostra também uma atração pelas formas, cores, texturas e sons do exterior e, principalmente, do interior de equipamentos mecânicos e tecnológicos, sejam carros, computadores, videocassetes, máquinas de datilografia ou instrumentos cirúrgicos. Mas ele vai além: une, literalmente, o sistema biológico ao tecnológico, criando a sua própria versão do tema “máquina como extensão do homem”. Nesse universo, o realizador faz, ainda, comentários sociais cirúrgicos com humor finíssimo.

David Cronenberg

Considerado o pai do subgênero de terror conhecido como “body horror”, Cronenberg apresenta essas entranhas e monstros de uma forma bem particular: não são nem realistas e muito menos falsas. Trata-se de uma estética concebida pelo próprio realizador: é repugnante, assustadora e, ao mesmo tempo, engraçada. Mas essa “massa nojenta” não tem um fim em si mesma, é metáfora de algo real. E parece que tudo está a serviço de um estudo pessimista sobre o mundo, e sentimos e pressentimos que alguém, algum grupo (governos, cientistas, gente poderosa?) está por trás de tudo, como uma grande conspiração. 

Seis exemplares dessa espécie rara de cinema serão exibidos na 12ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, que será realizado de 14 a 22 de junho. Na mostra Olhar Retrospectivo “Máquina de Cicatrizes: o Cinema de David Cronenberg”, serão apresentados sete filmes do diretor. Confira os títulos a seguir. 

1. “Ralo acima” (1967)

Esse curta-metragem experimental foi segundo trabalho de Cronenberg, realizado quando ainda era acadêmico na Universidade de Toronto. Ele estudou ciências naturais e língua inglesa. No filme, dois homens vestidos estão em uma banheira. Parecem ser veteranos de guerra. Um deles é paranoico. Acha que algo monstruoso pode sair do ralo da banheira.  

2. “Calafrios” (1975)

Uma divertida obra de terror trash. Um cientista cria um parasita que, introduzido no corpo, leva o ser humano para mais perto de seu estado instintivo. Mas a ideia, claro, dá errado, e os humanos se transformam em verdadeiros zumbis à procura enlouquecida de relações sexuais, e transmitem o parasita (apresentado na forma de uma lesma nojenta) a seus parceiros. 

“Calafrios” (1975).

3. “Videodrome – A síndrome do vídeo” (1983)

“Os meios de comunicação e a tecnologia como extensões do homem”, conhecida teoria do sociólogo Marshall McLuhan, sob as lentes de David Cronenberg. Aqui, os espectadores de um programa chamado “Videodrome” desenvolvem um tumor no cérebro que distorce a realidade, causando alucinações, e levando as vítimas a um mundo de violência e sadomasoquismo. É um dos filmes mais cultuados do diretor, estrelado por James Woods, um dos primeiros atores famosos a participar de um filme de Cronenberg. 

4. “A mosca” (1986)

Um dos poucos filmes do diretor que foram sucesso de público nos cinemas. Uma adaptação radical de “A Mosca da Cabeça Branca” (1958), no qual um cientista faz em si mesmo um experimento de teletransporte, sem saber que uma mosca entrou na máquina durante a experiência. As partículas dos dois seres se fundem e o cientista vai sofrer, lentamente, uma metamorfose até se transformar em uma mosca monstruosa. É um filme de terror realmente assustador.  

“A mosca” (1986).

5. “Gêmeos – Mórbida semelhança” (1988)

Considerado um dos melhores do cineasta. Jeremy Irons interpreta dois gêmeos univitelinos que atuam como ginecologistas. Uma cliente romperá a união entre os irmãos. O fascínio de Cronenberg pela ciência mostra-se aqui, principalmente, por meio do tema da clonagem. É simplesmente um luxo poder assistir a essa obra no cinema.

6. “Crash – Estranhos prazeres” (1996) 

James Spader, Holly Hunter e Rosanna Arquette estrelam o filme mais polêmico do diretor. Um grupo de pessoas “esquisitas” (característica de quase todos os personagens dos filmes do cineasta) desenvolvem um fetiche sexual por acidentes de automóvel. Feridos, fazem sexo. Alguns, de tanto se acidentarem propositalmente, possuem muitas cicatrizes e próteses de metal em seus corpos, o que aumenta o tesão. A obsessão por carros, a metamorfose e muito mais são um prato cheio para o realizador desenvolver esse ótimo longa. A diretora francesa Julia Ducourneau confessou que esse filme foi a grande inspiração para o seu potente “Titane”.  

“Crash – Estranhos prazeres” (1996).

7. “eXistenZ” (1999) 

Nunca lançado em DVD no Brasil, “eXistenZ” é um dos mais típicos e divertidos filmes do diretor. Jennifer Jason Leigh e Jude Law “entram” em um jogo, que parece uma realidade paralela. Para jogar, eles se conectam ao videogame por meio de um cabo (que parece um cordão umbilical) introduzido em sua espinha. Realidade e mundo virtual se misturam até ser impossível diferenciá-los. O filme ainda oferece o som de ossos quebrando mais arrepiante do cinema.

Admiradores de David Cronenberg já sabem o que esperar e muitos irão à retrospectiva para rever alguns desses filmes. Cinéfilos novatos que verão pela primeira vez os filmes de Cronenberg terão a rara oportunidade e a surpresa de mergulhar em um universo realmente original e de uma qualidade cinematográfica incrível.

Serviço

Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba 2023. Confira os dias e horários das sessões aqui.

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