Nena Inoue dá voz aos vivos e aos mortos em “Sobrevivente”

Nova peça de Nena Inoue, com texto de Henrique Fontes, é a segunda parte de uma trilogia iniciada com "Para Não Morrer"

[playht_listen_button inline=”yes” tag=”p”]

“Sobrevivente” vem sendo apresentado como o novo solo da atriz Nena Inoue. O que é verdade, pero no mucho. De fato, Nena, uma das atrizes mais impressionantes da cidade, domina a cena durante a maior parte do tempo para contar a história de sua busca pelas origens da família em que nasceu. Com uma segurança impressionante, fala sobre uma jornada de quatro anos para descobrir de onde ela veio – uma jornada que incluiu pesquisa de documentos perdidos, viagens pelo país e encontros felizes com pessoas que ela nem sabia que existiam.

Mas Nena Inoue não está exatamente sozinha no palco para contar essa história. Primeiro porque seu filho Pedro, o caçula, tem uma participação importante e divertidíssima na maneira como a história é contada. Manipulando imagens, sons, luzes, ele ajuda a mãe a falar desse passado que todos foram descobrindo juntos. E quanto mais a peça avança, mais Pedro entra na narração, como ator, interlocutor da mãe e, principalmente, como o sujeito bem-humorado e divertido que é.

Porém Pedro não é a única voz além da de Nena no palco. Para resgatar a história de seus antepassados, a atriz entrevistou parentes seus e amigos de seus pais. E essas vozes vão aparecendo em gravações de áudio e vídeo ao longo da peça – numa espécie de making of do trabalho que está sendo apresentado no palco. E essas vozes extras não só dão sabor à história como mostram sua inteira realidade.

Nena Inoue

E mais. Há as vozes que jamais foram gravadas mas que estão pulsando na peça. A voz do pai e, principalmente, a voz da mãe da atriz – já que é uma peça basicamente sobre mulheres. E a voz da avó, uma mulher cuja vida breve, de apenas 30 anos, foi praticamente apagada – e de quem restou apenas um único documento. A única personagem que Nena interpreta na peça, além dela mesma, é essa avó, supostamente indígena, e a quem o texto associa, acima de tudo, uma palavra: sofrimento.

As vozes de todas essas pessoas, dos vivos e dos mortos, foram um painel da história de uma família ao longo de 115 anos – desde o nascimento de uma certa Maria Cândida até o momento em que Nena, já mãe de dois adultos e agora avó, conta a saga de como descobriu sua própria história.

Trilogia

A nova peça de Nena, com texto de Henrique Fontes, é a segunda parte de uma trilogia iniciada com “Para não morrer”, que fez um sucesso absurdo. Assistido por 40 mil pessoas, o monólogo deu a Nena seu primeiro Prêmio Shell (o mais importante do teatro brasileiro) e virou o início de uma discussão sobre as vidas daquelas pessoas que normalmente não têm voz no mundo.

No caso de “Para Não Morrer”, o texto era baseado em Eduardo Galeano e falava sobre mulheres – e sobre a opressão de um mundo masculino. Agora, em “Sobrevivente”, o tema é ancestralidade, e a ideia é tentar redescobrir quem são as pessoas que “somem” quando contam a história de nossas famílias.

Nena Inoue conta na peça que, embora sempre tenha sido identificada como filha mestiça de japoneses, passou a ser vista, principalmente por mulheres indígenas, como uma possível herdeira de genes guaranis. De repente, as mulheres indígenas que ela encontrava começaram a chamar Nena de “parente”.

DNA

A atriz conta que mandou fazer exame de DNA e relata suas viagens a Goiás e a São Paulo, e a busca de documentos na Argentina e no Brasil. Tudo para chegar a muitos becos sem saída e descobrir que, sobre sua avó, falecida há mais de oito décadas, a informação mais preciosa que ela conseguiu é que ela tinha o costume de deixar o arroz queimar um pouquinho na panela porque os filhos gostavam de comer esse “raspadinho” que ficava no fundo.

É uma história bonita e com que muita gente vai se identificar. Num país de miscigenados, em que normalmente as pessoas se orgulham de suas raízes alemãs, italianas ou de outros países em geral, quase todos nós temos um pouco de negros e indígenas nos nossos genes. E revelar a existência desse apagamento, ainda que seja impossível revertê-lo, é o papel a que Nena se dedicou. E que desempenhou, como sempre, com maestria.

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “Nena Inoue dá voz aos vivos e aos mortos em “Sobrevivente””

  1. Gracias pelo olhar e pelo compartilhar de nosso SOBREVIVENTE, Rogerio Gallindo. E sempre bom ter jornalistas na plateia, conferindo presencialmente o teatro que fazemos. Seguimos!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima