Clayton Nascimento é uma usina de energia. Desde que sobe no palco até o momento em que encerra sua peça de um homem só, passam-se mais de três horas e dez minutos. E durante todo esse tempo ele não só fala praticamente o tempo todo como faz de tudo com seu corpo: interpretando uma série de situações e personagens, ele se transforma diante dos olhos da plateia em uma criança correndo, em um homem com doença mental em surto, em mães desesperadas pela perda de seus filhos.
“Macacos”, a peça que Clayton criou sozinho, é um acontecimento por onde passa, e não teria como ser diferente. Ao relatar todas essas histórias de vida, o que o ator/diretor/dramaturgo está montando é um mosaico da vida dos negros no Brasil. Do genocídio negro no Brasil. E nada poderia ser mais atual no país do que discutir essa história que já dura cinco séculos.
A história do espetáculo começa quando Clayton, aluno de teatro na USP, cria uma cena de 15 minutos. Insatisfeito por ter de conter um tema tão absurdamente colossal dentro de um tempo exíguo, ele aos poucos vai ampliando a peça até chegar a uma duração de, pelo menos, 150 minutos, e que dependendo da apresentação pode passar de 190 minutos, como aconteceu em Curitiba durante a 32ª Edição do Festival de Teatro da cidade.
O cerne do primeiro terço do espetáculo é a história real de uma mãe que perdeu o filho de nove anos baleado pela polícia do Rio de Janeiro. Como em tantos outros episódios, os policiais envolvidos alegaram estar com medo do garoto e disseram ter pensado que o celular que estava na mão dele pudesse ser uma arma. Nunca no teatro em Curitiba vi tanta gente à beira de chorar como na cena (linda, comovente, dolorida) em que Clayton interpreta a mãe lendo uma carta para o filho morto.
Esse primeiro terço do espetáculo tem ares de manifesto e é altamente dramático. O segundo momento, porém, traz um pouco de distensão. Seguindo um conselho de Abdias do Nascimento (coincidentemente o pensador tem o mesmo sobrenome do ator), Clayton conta a própria história – o centro é explicar como ele, um garoto negro de uma família sem grana, chegou à maior universidade do país.
O último trecho do espetáculo é o que tenta incluir a plateia na peça. A ideia de Clayton para isso é transformar o teatro numa sala de aula, em que ele faz o papel de professor e o público acaba na função de aluno. A aula é de História, e a tentativa é de mostrar dados do século 19, principalmente, que mostrem a realidade terrível gerada pela escravização.
O ponto negativo aqui é a imprecisão das informações históricas (a abolição em 1888, por exemplo, teria sido forçada por uma ameaça de invasão francesa, quando na verdade a pressão estrangeira veio sempre da Inglaterra e jamais houve qualquer risco de invasão).
O que fica, porém, é o feito de pintar um enorme panorama da tragédia dos negros no Brasil. E a maravilha que é ter um ator jovem, negro, que conseguiu absolutamente sozinho construir esse painel e levar para ser apresentado e aplaudido pelo país que tanto maltratou seus antepassados e outros corpos negros como o dele que vivem hoje no Brasil.
Faltou informar onde a peça “Macacos” está em cartaz.