“Só funciona se todas estiverem aqui”, anuncia Amanda Pacífico, uma das vocalistas da banda Mulamba, em meio ao camarim nos bastidores da Ópera de Arame. O sexteto tira a maquiagem avermelhada, marca de suas apresentações, e as roupas largas no mesmo tom terroso. Conversam, se divertem, cantam de brincadeira, dão ‘tchau’ em coro para as bailarinas: a energia do show de abertura para Johnny Hooker, na sexta-feira (7) ainda reverberando nas paredes, diante do espelho.
As curitibanas, que se encontraram em 2015 para homenagear Cássia Eller, se mudaram recentemente para São Paulo (SP). A transformação e o movimento constantes, inclusive, compõem parte dessa grande potência de liberdade e criatividade que é a banda: “Acho que não chegamos ainda [em uma mistura específica]. Cada uma traz um elemento e a gente nunca vai chegar lá”, rebate Amanda ao rememorar que o próprio grupo, muitas vezes, conversa sobre o que é a banda. “O que é a cara da Mulamba? Nem a gente sabe, não tem um estilo pronto, estamos procurando”, comenta.
“E a gente vai andar em todos que a gente quiser. Não temos predileção de gênero, tá mais para ‘música marginal brasileira'”, arremata a outra vocal do grupo, Cacau de Sá. A resposta não poderia ser diferente vinda de um grupo de mulheres que – no próprio nome – quer quebrar estereótipos. A mistura entre baixo, guitarra, bateria, voz e violoncelo também ressalta a liberdade do sexteto. A violoncelista, Fer Koppe, relembra a rigidez que encontrou em sua jornada com o amado cello: “Já toquei em outros ambientes, mas sempre me senti muito presa, restrita, direcionada a fazer algo que travava a criação”, relata. Tirar um instrumento, dito erudito, de uma orquestra e colocá-lo em meio a outros foi a expressão de um desejo. “É tirar um pouco esse peso e falar ‘a gente pode fazer o que quiser'”, comenta Fer.
E a Mulamba faz, de fato, aquilo que quer. No palco, expressões corporais, caras, bocas, sentimentos. Um produto, claro, mas também um objeto com significado: “A música pode ser só entretenimento, mas pode ser também uma mensagem”, alerta Cacau. As letras, que falam de questões sociais, pesam e contam histórias que estão para além do palco, na realidade de muitas pessoas. Um show que desperta sensações – como me descreve Érica Silva, responsável por guitarra, baixo e violão. “A gente mexe com sentimentos muito profundos, nossos também”, salienta Amanda.
“A música pode ser só entretenimento, mas pode ser também uma mensagem”
O resultado é uma troca intensa entre o público e as meninas, um movimento cuja responsabilidade elas reconhecem de ambos os lados: “A gente não sabe como lidar com a energia do outro, mas não sabe também como o outro vai lidar com a energia que geramos quando tocamos”, relata Cacau ao falar do que chama de “dicotomia maravilhosa”.
Assim, o giro segue – para as seis – em um ciclo, uma roda em que cada dia, cada show, cada voz, corpo e energia, são diferentes. Uma peculiaridade que faz, às meninas, questionamentos com respostas e motivos sempre distintos, mesmo depois de quase quatro anos. Por que tudo começou? Por que estão fazendo isso? Por que as letras falam do que falam? A resposta está em uma construção constante, no movimento e no questionamento em si: afinal, a vida é um pouco isso. Ninguém sabe exatamente aonde vai chegar.