Encenar monólogos envolve dores e delícias no Festival de Curitiba

Atrizes que se apresentam sozinhas no palco falam sobre como é encarar o público num gênero fascinante das artes cênicas

O monólogo continua firme e forte entre as escolhas dos encenadores e do público. Por questões práticas ou estéticas, o gênero está sempre presente nas temporadas e — como não poderia ser diferente — também nos festivais. Na mostra Lúcia Camargo (antiga Mostra Oficial) do Festival de Curitiba, 6 dos 25 espetáculos apresentam apenas um ator em cena. Duas das atrizes que encaram o desafio de encantar a plateia sozinhas nesta edição do evento, conversaram com o Plural sobre as dores e as delícias de encenar um monólogo. 

As escolhas

Amanda Lyra, de “Quarto 19”, explica que a ideia inicial não era montar um monólogo. Após as primeiras conversas com o diretor Leonardo Moreira sobre a adaptação do conto de Doris Lessing, escritora que venceu o prêmio Nobel de Literatura em 2007, a escolha foi inevitável. “O que importa é a maneira como ela conta e a presença sozinha no palco”, diz Lyra. “Ela [a personagem] queria se isolar num quarto de hotel.”

“G.A.L.A” é o segundo monólogo encenado por Fabiana Gugli com criação de Gerald Thomas. Na peça, a protagonista está em um barco à deriva e faz um desabafo existencial. Estar sozinha no palco, para Gugli, “é algo que se confunde com o lugar da personagem à deriva na sua solidão.” A obra, que foi criada durante a pandemia e estreou como audiovisual em 2021, será apresentada pela primeira vez em um teatro. 

Apesar de não se sentir só em cena e se considerar mais preparada agora, Gugli afirma que é necessário uma grande entrega para levar um solo adiante. “É um exercício absoluto para o ator, que precisa estar em total domínio do tempo, do ritmo e do espaço”, diz.

Cena de “G.A.L.A.”, de Gerald Thomas. (Foto: Nicolas Caratori/Divulgação)

Os desafios 

Lyra foi tomada pelo pânico diante da escolha por um monólogo. Entretanto, a primeira investida no gênero rendeu à atriz a indicação ao Prêmio Shell em 2017, ano de estreia da peça. O espetáculo foi “um divisor de águas” por tamanhas exigências. “Não tem para onde correr. Não tem aquele momento em que o foco vai para outra pessoa”, diz. “A encenação é simples, não há grandes mudanças de luz e trilha sonora, somos eu e o texto. Isso demanda um exercício intenso de presença, de entrega e escuta na troca com a plateia.”

Contudo, o jogo de cena existe. E torna-se um diálogo íntimo, diz a protagonista de G.A.L.A. “O ‘agir e reagir’ não parte de estímulos dos outros atores, é algo que precisa ser retroalimentado. A conexão com as motivações internas e as pequenas explosões de sentidos ditam a representação”, diz. Levar o espetáculo para a plateia ao vivo, no palco, gerou novas questões técnicas e criativas: “A solidão da personagem na imensidão do palco do Guairinha vai se amplificar”.  

As vantagens

O monólogo seria então uma espécie de “teatro-essencial”, que não precisa de muito para acontecer, não precisa ser espetacular. Na visão de Lyra, o segredo mora na tradição do narrar. “Enquanto existir uma pessoa que quer contar uma história e uma pessoa que quer ouvir, é o suficiente para o teatro acontecer”, diz a atriz. Para ela, trata-se do “modelo 1.0” do teatro, onde o principal é a performance do ator e a palavra, ao lado da troca com o público. “É mais rudimentar, mas é muito teatro”. 

Por outro lado, é uma peça barata, então traz vantagens para a circulação e venda. Lyra diz que “os monólogos acabam tendo uma vida maior, ainda mais no Brasil de hoje, em que o dinheiro para cultura está escasso”. Durante a montagem de “Quarto 19”, a atriz descobriu outro ponto positivo: a agenda mais flexível. Para ela, que estava com um filho pequeno no início do processo, foi perfeito. “Você consegue ensaiar no seu horário, sem depender de toda equipe”, diz.

“A enorme liberdade” é o que fascina Gugli, apesar de admitir que a dificuldade é imensa. Porém, afirma que, “o ator é mais uma peça dentro da engrenagem” no teatro concebido por Thomas. “O teatro é ilusão, é uma arte coletiva. Apesar da solidão no palco, estou rodeada de parceiros na coxia, que jogam comigo no som, na luz. O próprio Gerald fica no cantinho, falando durante a cena, brincando”, diz Gugli. 

A troca com a plateia

Quem decidir assistir aos monólogos da Mostra Lúcia Camargo, no Festival de Curitiba, para conferir a potência da troca entre os encenadores solos e a plateia, pode escolher entre: “Eu de Você”, com Denise Fraga; “A Aforista”, com a premiada Rosana Stavis; “Prego na Testa”, montagem dos Parlapatões com Hugo Possolo; além de “Quarto 19” e “G.A.L.A”. Por fim, “Abjeto – Sujeito: Clarice Lispector por Denise Stoklos”, outro monólogo, já está com ingressos esgotados. 

As peças

  1. “Eu de você”

Criação de Denise Fraga, José Maria e Luiz Villaça. Guairão. Dias 5 e 6 abril, às 21h.
A partir de histórias reais, a peça rompe os limites entre palco e plateia, entre fato e ficção. Denise Fraga faz seu primeiro espetáculo solo para marcar 35 anos de carreira.

  1. “A Aforista”

Companhia Stavis-Damaceno. Teatro Zé Maria. Dia 9 de abril, às 21h; e 10 de abril, às 19h.
Um monólogo interpretado pela atriz paranaense Rosana Stavis, sob a influência do escritor Thomas Bernhard, autor de “O naufrágo”.

  1. “Prego na Testa”

Parlapatões. Sesc da Esquina. Dias 29 e 30 de março, às 21h.
Baseada na obra de Eric Bogosian, adaptada à realidade brasileira, a comédia expõe ao ridículo a neurose urbana. 

  1. “Quarto 19”

Texto de Amanda Lyra. Direção de Leonardo Moreira. Sesc da Esquina. Dias 5 e 6 de abril, às 21h.
A história fala de uma mulher de classe média que, enfim, tem um tempo para si depois de anos criando os filhos. Mas ela não encontra a liberdade que buscava.

  1. “G.A.L.A.”

Direção de Gerald Thomas. Guairinha. Dias 29 e 30 de março, às 21h.
Estreia nacional de um dos diretores de teatro mais controversos do país. A peça é sobre uma mulher que tenta sobreviver sozinha em um barco.

  1. “Abjeto – Sujeito: Clarice Lispector por Denise Stoklos”

Concepção de Denise Stoklos. Direção de Elias Andreato. Dramaturgismo de Welington Andrade. Sesc da Esquina. Dias 8 e 9 de abril, às 21h. Ingressos esgotados.
A atriz e diretora Denise Stoklos promove o encontro do teatro essencial com a obra clariciana, investigando o corpo, a voz e a emoção da intérprete.

Festival de Curitiba

Para conferir a programação completa e comprar ingressos on-line, acesse o site oficial do evento (aqui). Também é possível comprar ingressos na bilheteria do Festival de Curitiba, no piso L3 do Shopping Mueller. A programação tem ainda vários espetáculos gratuitos e outros em que você paga o que puder ou quiser.

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