Futebol é um esporte maravilhoso

Uma resposta ao jornalista Irinêo Netto, que vê o futebol como um esporte injusto e precário

Meu caro Irinêo Netto, li seu texto com bastante atenção e curiosidade. E quis escrever esta resposta. Porque, surpreendentemente, pensamos de maneira muito similar, porém, ao mesmo tempo, totalmente inversa.

Veja, os dois argumentos que você usa para dizer que o futebol é precário, eu argumento que são exatamente os mesmos dois que tornam o futebol o esporte mais maravilhoso da história: ser jogado com os pés e ter pouquíssimos “pontos” (vulgo, gols).

O primeiro e principal motivo é o fato de ser jogado com os pés. Parece pouco e óbvio, mas o grande diferencial do ser humano é o polegar opositor e nossa capacidade de usar as mãos. A grande maioria dos esportes é baseada nas mãos se pensarmos bem. Com as mãos somos incrivelmente mais habilidosos. Os lances de uma NBA mostram tudo de espetacular que conseguimos fazer com as mãos.

O futebol

Com os pés, meu caro Irinêo, tudo é absurdamente mais complicado, como você mesmo admite. No máximo, o jogador pode usar a cabeça ou o ombro. A sua conclusão é que isso gera uma série de lances desinteressantes ou erros banais. Concordo. Portanto, qualquer lance mágico é mais difícil e impressionante. Essa é a beleza da coisa. Basta vermos como handebol é um esporte tão mais desinteressante que o futebol. Com as mãos é “fácil”. Isso leva ao segundo ponto. Futebol é um esporte de poucos pontos (gols). Isso faz TODA a diferença.

Enquanto a maioria dos esportes é baseada em disputas de muitos pontos (como basquete) ou de pontos fixos (como tênis e vôlei), o futebol é o contrário. Os pontos ou gols são raríssimos. E isso é de propósito! Se pensarmos, a base do futebol é tornar o gol o mais difícil ou raro possível. Afinal, para que serve o impedimento? Dificultar o gol. Por que um único jogador pode pegar a bola com as mãos? Dificultar MUITO o gol. Sem o goleiro e sem impedimento, o futebol seria um jogo de muitos pontos, teríamos MUITO mais gols. Da mesma maneira, se o campo fosse menor ou o lateral fosse batido com os pés, como acontece no futsal.

Para você, meu querido, isso torna o futebol insatisfatório. Eu te digo o inverso. Torna-o sensacional.

Jogo de expectativa

Diferentemente de quase todo os outros esportes, os pontos são tão raros que se tornam momentos incríveis. O futebol é um jogo de expectativa. Boa parte do tempo estamos tensos em busca do ponto. Quando gol sai, explodimos para liberar toda a tensão acumulada. É o “grande momento”.

Isso explica porque os americanos não gostam do futebol. Acham chato. Eles preferem esportes de muitos pontos e emoções ligadas a essa disputa ponto a ponto. O futebol é o inverso: 70% do jogo não envolve chances claras de gol. Mas a chatice é tensão para tornar o gol mais importante.

Na Copa do Mundo

O fato de ter poucos pontos também torna o futebol incrível pela possibilidade que a Copa está nos mostrando. Os pontos são tão raros que aumentam exponencialmente a chance da equipe pior superar a melhor. Pode jogar para não perder. Você pode “jogar por uma bola”.

E da mesma maneira, você pode jogar para empatar. Poucos esportes lidam bem com a ideia do empate. No futebol, ele pode ser um bom resultado. Pode levar uma equipe pior a uma disputa de pênaltis ou pode ser interessante em um campeonato. A retranca pode ser feia de se ver, como você falou, mas pode ser linda na prática, como o Marrocos bem demonstrou. Os toques geniais e rápidos podem ser lindos de se ver, mas inúteis na prática, como (re)descobriram os espanhóis.

Um gol

E como vimos em Espanha x Japão, e no Marrocos x Espanha, um gol pode fazer TODA a diferença. Então, nos unimos para torcer, rezar, amaldiçoar por um único lance, uma única bola, um único gol. Que pode acontecer no último segundo. O maior torneio do mundo pode ser decidido em um segundo. Se tornar hexa ou ser mais uma geração futebolisticamente frustrada. Tudo decidido em um único momento.

Sobre a conexão, você está mais que certo. Sou mineiro. Comecei a gostar de futebol por influência da minha mãe. Ela presenciou os melhores times do Cruzeiro da história. Viu Tostão, Dirceu Lopes, Piazza, Raul, Joãozinho e afins. Foi a minha infância já nos anos 1980. Os piores da história do Cruzeiro (ao menos até 2019). Foi uma década como criança vendo o meu time apanhar.

De 1990, lembro-me pouco da Copa, mas apenas da tristeza dos meus pais. Já em 1994, eu tinha 13 anos e me lembro bastante. Estava com a família em umas férias em Porto Seguro. Vimos a Copa em quiosques com outros turistas. As narrações de Galvão ainda me marcam até hoje: “Sai que é sua, Taffarel!”; “Vai, Romário!”; “Faz, Bebeto!”.

Mágica

Além, claro, de um gol de falta que faz uma curva impossível. Mágica, incrível, sensacional, maravilhosa. Feita por um jogador que era reserva. Que trazia medo aos torcedores se virasse titular. Naquele momento, todos brasileiros saíram da frente da bola junto com Romário. Todos também secaram Baggio naquele pênalti e gritaram com Galvão. É tetra! É tetra! É tetra! É tetra!

Então, como você bem definiu, há um vínculo que o futebol nos permite com outras pessoas. Sejam parentes e pessoas próximas, sejam totais desconhecidos na arquibancada torcendo pelo mesmo time ou seleção, sejam com as pessoas do país. Aí são outros shows de tudo que chamamos de futebol. A emoção de uma Tunísia por vencer a França, mesmo sendo desclassificada. A vibração maravilhosa de uma torcida Argentina. Marrocos jogando como se estivesse em casa, unindo árabes e africanos. Países pelo mundo todo torcendo pelo Brasil ou qualquer outra seleção não europeia.

Tristeza

Claro, estamos todos tristes agora. Croácia teve dois chutes ao gol. Tivemos duzentos. Ainda ficou 1 a 1 e o pior time passou. Isso não muda o meu pensamento sobre o futebol ser maravilhoso. Agora, é aplacar a tristeza do meu filho. Porque garanti que íamos levar hoje. Explicando que há dias de vencer e dias de perder, mas brasileiro sempre entra achando que vai ganhar. Isso é mais tradicional até do que dancinha de gol.

Então, não espero que você entenda, mas que considere as palavras. 2026 está logo ali. Já prometi que assisto à próxima Copa com meu filho.

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