Caótica e desconcertante, a série “Euphoria” dá um mergulho na adolescência

Produção da HBO que acompanha um grupo de jovens sempre à beira do colapso é um exercício de empatia

Há dois anos, quando “Euphoria” foi ao ar, confesso que estava cética em relação à devoção inspirada pela série na época. Mas o hype da produção da HBO não foi à toa. Pois “Euphoria” revoluciona o modo como a TV representa as vicissitudes não apenas de uma geração (a Z, formada por pessoas nascidas entre 1995 e 2010), mas de uma época marcada por instabilidades que afeta todo mundo: a adolescência.

É verdade que a obra escrita, dirigida e produzida por Sam Levinson (de “Malcolm & Marie”, da Netflix) entra na lista de seriados adolescentes como “Skins”, “13 Reasons Why” e “Sex Education”. Essas histórias retratam os jovens durante o período torturante do ensino médio, quando eles descobrem a sexualidade e forjam uma identidade. 

É óbvio que “Euphoria” não inventou o modelo seguido pelo gênero, mas o que a distingue de outras produções é a capacidade de tratar de temas como depressão, drogas e sexo de uma maneira brutalmente honesta. Sem entregar soluções ou respostas fáceis. E isso pode não agradar uma parte do público.

Seguindo uma trama mais que batida, a série tinha tudo para ser apelativa e panfletária. Porém, e felizmente, não é o que acontece.

A atriz Barbie Ferreira no papel de Kat Hernandez. (Foto: HBO/Divulgação)

O plot

A ação de “Euphoria” ocorre numa pequena cidade não identificada e acompanha o cotidiano de um grupo de estudantes à medida que exploram amizades, paixões e rejeições. 

No entanto, o foco está na história de Rue (Zendaya), uma adolescente de 17 anos dependente química que já passou por diversos tratamentos para se livrar do vício, mas que, ao mesmo tempo, não vê um futuro sem as drogas.

E também Rue assume o papel de narradora onisciente – por meio da qual o público conhece a trajetória de cada personagem e acompanha suas escolhas. Isso é algo que o criador da série faz muito bem: contextualiza as ações de cada um sem precisar arranjar uma desculpa ou um pretexto. 

Erros

É essa tridimensionalidade dos personagens o maior acerto de “Euphoria”. Ao contrário de que ocorre em outras produções sobre os percalços da adolescência, aqui não há espaço para rótulos de “vilão” ou “mocinho”. A série mostra que, repetidas vezes, as pessoas cometem erros. Mas elas não precisam ser definidas pela pior coisa que já fizeram. Ninguém é apenas uma pessoa má. Afinal, os seres humanos são mais complexos do que isso.

Interpretados por um elenco diversificado, os personagens abrem espaço para discussões profundas que abarcam jovens e adultos da produção. Jules (Hunter Schafer), por exemplo, é uma garota trans que se muda para a cidadezinha onde se passa a história. No entanto, a série jamais se preocupa em falar sobre a transição da jovem ou apela para uma história de superação – e isso é revigorante. Nesse contexto, nenhum personagem é estático e cada um experiencia suas dificuldades, traumas e frustrações de um jeito muito particular.

Isso tudo ganha estrutura com um texto cuidadoso e compreensivo que, por sua vez, chega ao público pelo relato agridoce e veloz da protagonista.

Jules Vaughn é interpretada por Hunter Schafer. (Foto: HBO/Divulgação)

Drogas

“Euphoria” é um seriado difícil de assistir e prova ser aquilo que se propôs: angustiante, desconfortável e excitante, tudo ao mesmo tempo. Uma das razões para isso é o retrato cruel e visceral do ciclo das drogas. Durante toda a produção, o público vai ver Rue perder o controle da própria vida por conta de uma doença degenerativa.

Para os desatentos, por mostrar cenas consideravelmente delicadas sem nenhum acanhamento, pode parecer que a série romantiza ou glamouriza o uso de entorpecentes. Isso se dá também graças à impecável estética cinematográfica da série, que abusa das cores neon, efeitos de luzes e glitter – o que faz tudo parecer um grande caleidoscópio de sensações.

Do êxtase ao desencanto

No entanto, o que “Euphoria” faz, de fato, é exibir como as drogas afetam a vida de todas as pessoas que se envolvem com alguém dependente, além de encarar o enorme tabu que a doença ainda é para muita gente. Esse contraste é escancarado pelo excelente uso da maquiagem, que ajuda não só a definir a personalidade dos personagens, como também a distinguir suas emoções. E também ao movimento inteligente de câmera em que as cenas adotam uma estética que vai do êxtase ao desencanto.

Além disso, penso que talvez o roteiro não alcançasse o que se dispôs a fazer caso não explorasse o sentimento de euforia e o excitante desligamento do mundo causados pelas drogas.

Esperança

“Euphoria” não é tipo de série para você ver enquanto faz outra coisa. Ela demanda atenção. Ver “Euphoria” é uma experiência instigante, mas também dolorosa, quase como lidar com uma persistente crise de ansiedade. Há sempre um sentimento de impotência pairando no ar. Mas o que há por trás de “Euphoria” e o que, na minha opinião, faz o público continuar assistindo apesar do incômodo, é justamente a possibilidade das pessoas se sentirem um pouco menos sós em suas experiências e em suas dores. 

O que faz a série ser um fenômeno é o fato da gente se importar com adolescentes que estão sempre à beira do colapso, seja ele físico ou psicológico. “Euphoria” nos dá uma chance de sermos mais empáticos.

Streaming

O último episódio da segunda temporada de “Euphoria” vai ao ar neste domingo (27), na HBO Max. Uma terceira temporada foi confirmada, mas ainda não tem data de estreia.

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