Elton Medeiros, o DNA do samba

Morto na última terça, compositor mesclava samba de raiz com influências sofisticadas

Morreu Elton Medeiros, unanimemente apontado no meio musical como um dos maiores melodistas da história da música brasileira. Tinha 89 anos e estava internado em uma clínica no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Sucumbiu às complicações de uma pneumonia. Seu corpo foi enterrado nesta quarta-feira (4/9) no cemitério do Catumbi.

Elton foi, sobretudo, um renovador do samba. Faz parte da galeria em que figuram Cartola (1908-1980), Nelson Cavaquinho (1911-1986), Monarco, 85, Paulinho da Viola, 76, – a linha evolutiva dos “príncipes do samba” – sambistas de raiz que, sem abandonar os quintais, levaram o gênero para as academias, através da sofisticação melódica, harmônica e poética.

Foi Hermínio Bello de Carvalho quem melhor definiu essa trajetória. “Ele pega a matriz e tradição do samba e bebe na harmonia da mais sofisticada música brasileira de após os anos 1950: Radamés Gnatalli, Garoto, Villa-Lobos.”

Filho de Luiz Antonio de Medeiros, um funcionário da Marinha apaixonado pelos ranchos [agremiações carnavalescas precursoras das escolas de samba], Elto Antônio Medeiros nasceu, em 22 de julho de 1930, no bairro da Glória, no Rio de Janeiro.

Criou-se imerso em música. Criança, via sua casa aberta em “domingueiras” musicais, frequentadas por gente do quilate de Jamelão e Heitor dos Prazeres. Um dos 9 irmãos, o também compositor Aquiles, já falecido, foi uma grande influência. Consta que Elton compôs seu primeiro samba aos 8 anos.

Menino, Elton Medeiros cantava em um coro sob a regência de Heitor Villa-Lobos. Adolescente, tocava sax barítono na Orquestra Juvenil de Estudantes, na programação vespertina da Rádio Roquette-Pinto; corria à noite para animar a Gafieira Fogão com seu trombone.

Passou a última década praticamente recluso em seu apartamento em Copacabana (RJ). No início dos anos 2000 teve diagnosticada Degeneração Macular [doença oftalmológica ligada ao envelhecimento], que no seu caso teve rápida evolução. Peregrinou por especialistas; depositava uma renitente esperança na possibilidade da descoberta de um tratamento com células-tronco. Ficou cego em 2013.   

Elton Medeiros foi um entusiasta dos coletivos. Fundou uma festejada Ala de Compositores na Escola de Samba Aprendizes de Lucas, no Rio de Janeiro, que em 1954 desfilou sua “Exaltação a São Paulo”, enredo composto em parceria com Joacyr Santana e Sebastião Pinheiro.

“Canto, com emoção vibrante/ as glórias incessantes/ daquela terra que foi/ berço dos heróis dos bandeirantes…”. O samba enredo, interpretado por Jorge Goulart, recebeu de  Radamés Gnatalli um antológico arranjo sinfônico acompanhado por percussão em 10 caixas de fósforo.

Na década e 1960, Elton Medeiros integraria os grupos “A Voz do Morro” e “Os Cinco Crioulos”. Em 1975, ao lado de Wilson Moreira, Nei Lopes, entre outros, participaria da fundação do “Grêmio Recreativo de Artes Negras Quilombo”, idealizado por Candeia.

Discos

Data de 1958 o primeiro registro fonográfico de uma composição de Elton Medeiros, em parceira com Ari Valério, o samba “Falta de queda”, gravado por Jamelão.  Na década de 1960 participou de 10 LPs coletivos, com os diversos grupos que integrou.

Somente aos 43 anos lançou um primeiro disco solo, “Elton Medeiros” (Odeon), coproduzido por Paulinho da Viola, com capa de Elifas Andreatto.   “Cada uma das doze faixas é uma pedra preciosa lapidada sem pressa e com maestria”, descreve o jornalista José Rosa Garcia, no ensaio que escreveu para o livro “1973, o ano que reinventou a MPB”. (Sonora, 2014)  

Com mais de duzentas composições, ele mesmo reconhecido como letrista, Elton foi parceiro dos mais importantes poetas da canção brasileira (Hermínio Bello de Carvalho, Paulo Cesar Pinheiro, Cacaso, Regina Werneck, Paulo César Feital), em canções gravadas por grandes intérpretes : Nara Leão, Elizeth Cardoso, Elza Soares, Elis Regina, Cauby Peixoto, Clara Nunes.

Merece destaque a menos conhecida produção de Elton Medeiros em parceria com compositores de São Paulo. Carioca da gema, sambista ligado à tradição, compôs com Paulo Vanzolini, Carlinhos Vergueiro, Roberto Riberti, Eduardo Gudin. Com Tom Zé, a antológica e transgressora “Tô” (1976) – “…eu tô te explicando/ pra te confundir/ eu tô te confundindo/ pra te esclarecer…”

Recebeu o Prêmio Shell pelo LP “Aurora de Paz” (2001). No ano passado, o Prêmio Casa do Choro.

A sorrir eu pretendo levar a vida

Nas décadas de 1960 e 1970, a produção de Elton foi particularmente profícua. Frequentador do Zicartola, o antológico bar de Dona Zica e Cartola, compôs em parceria com o mangueirense aqueles que viriam a ser os seus dois maiores sucessos, “Peito Vazio” e “O sol nascerá”, cantado por Nara Leão no espetáculo “Opinião”.   

Participou do musical “Rosa de Ouro”, protagonizado por Aracy Cortes (1904-1985). O espetáculo de Hermínio Bello de Carvalho trazia Elton  ao lado de Nelson Sargento, Anescarzinho do Salgueiro, Jair do Cavaquinho e de um moço estreante, Paulinho da Viola. Apresentava ao Brasil uma desconhecida senhora negra, 63 anos à época, Clementina de Jesus (1901-1987).

Teatro, cinema, festivais internacionais

Elton certa vez foi ator. Fez uma participação em “Rio 40 graus”, de Nelson Pereira dos Santos. Escreveu, em parceria com Walmir Ayala, o espetáculo “Chão de estrelas”, baseado na vida de Orestes Barbosa. Compôs, para o filme de Domingos de Oliveira, a canção título do filme “Edu coração de ouro” (1968), estrelado por Paulo José.

Neste mesmo ano, participou de espetáculo musical brasileiro, na programação do Festival de Cannes, França. Em novos périplos europeus, voltaria a Cannes em 1975, com Paulinho da Viola, para o “Festival du Marché International du Disque et d´Édition Musicale” e a Faro, Portugal, para o “Encontro Luso-brasileiro de Cultura”, em 1986.

Funcionário público

Já dizia o músico e publicitário Zé Rodrix (1947-2009): “se você depender da sua arte para sobreviver, continue compondo mas abra uma franquia de pão de queijo”. Julgava inevitável uma queda de qualidade na produção do artista que tem que ajustar sua produção às demandas do mercado.

Elton Medeiros formou-se em administração, pela Faculdade Cândido Mendes. Bateu ponto na Secretaria de Administração do Estado do Rio de Janeiro até se aposentar, em 1998. Dirigiu importantes espaços culturais na cidade, como o Centro de Cultura do Méier e a Casa de Cultura Laura Alvim.

Sem filhos, vivendo sozinho, foi assistido na doença por Neusa Fernandes, 84, museóloga, com quem foi casado durante décadas. Também pelo sobrinho Gilson e os parceiros Hermínio Bello de Carvalho e Vidal Assis. Sua aposentadoria lhe possibilitou arcar com cuidados profissionais competentes.

Flores em vida

Em julho de 2017 o compositor e cantor Vidal Assis arregimentou um time de bambas para um Especial Elton Medeiros, no programa Todas as Bossas da TV Brasil. Joyce Moreno, Zé Renato, Ana Costa, Cláudio Jorge, Hermínio Bello de Carvalho, Nelson Sargento e o próprio Vidal Assis deram voz e protagonizaram, em belos duetos e solos, os maiores sucessos do sambista. Abatido, voz vacilante, olhar baixo (já estava cego), cantou em dueto com Vidal, Nelson Sargento, Hermínio Bello de Carvalho.

Apresentado nesse programa, é o samba de Joyce Moreno,  em parceria com Moacyr Luz, que dá a palavra final sobre o legado de Elton Medeiros:

O samba que eu faço tem você no DNA
Dignidade, respeito, honra
Identidade de brasileiro
Salve, Elton Medeiros
Peço à vida pra te abençoar

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