Eloá Cruz desponta na cena do grafite em Curitiba

Grafiteira, administradora e fã de montanhismo, a artista Eloá Cruz planeja se aperfeiçoar para o futuro

Eloá Cruz tem 31 anos e mora no bairro Tatuquara, em Curitiba, com a irmã. Ela gosta de montanhismo, assistir seriados (Irmão do Jorel é o preferido) e desenhar. Tanto que fez do hobby profissão.

A artista desponta na cena do grafite curitibana e projeta aperfeiçoamento para os próximos anos.

Na infância em Colombo lembra de desenhar o Zé Gotinha na carteira de vacinação. Lápis de cor eram ferramentas para dar asas à imaginação de forma despretensiosa, só para relaxar.

Aos 7 anos, a menina peralta quase teve o futuro alterado por um acidente. “Eu estava brincando, desenrolei os fios de energia e coloquei o cobre nos buracos da tomada”, conta com ar preocupado.

Queimaduras de terceiro grau em ambas as mãos e o risco de atrofia muscular. “Eu não deixava ninguém mexer, mas minha mãe me botava medo, dizia que eu não ia poder desenhar mais. À noite me dava maracujá e quando dormia ela improvisava uma fisioterapia. Agora só esse dedo (o mindinho da mão direita) não faz o movimento completo”.

A rebeldia das ruas

Na adolescência a família deixou Colombo e se mudou para o bairro Santa Cândida, em Curitiba. Nesse período, o espírito subversivo de Eloá aflorou e nas ruas conheceu pichadores e grafiteiros.

“Eu só levava o desenho na brincadeira mesmo. Quando conheci o grafite gostei bastante dos vários estilos – aquilo das cores, da rua”.

Embora a arte a tenha encantado, Eloá ainda não estava certa de que dava para ganhar dinheiro – ou sobreviver – vendendo desenho. De Curitiba, já um pouco mais jovem, ela pediu demissão do emprego e passou um ano em Guaratuba. Lá pintou o primeiro muro – uma sereia.

De volta à capital, cursou Administração e trabalhou em outra fábrica. Em 2017, percebeu que precisava se conhecer melhor. “Eu sempre fazia esse questionamento: ‘Quem eu sou?’. Eu tinha um dinheiro do acerto que dava para respirar, então resolvi me dedicar um pouco mais ao desenho.”

Tudo dentro dos planos. Em 2019, ela se tornou uma microempreendedora individual (MEI) e decidiu, enfim, dar uma chance ao talento artístico. Aí veio a pandemia.

“Foi muito louco, isso. Pensei: ‘meu Deus, o que foi que eu fiz?’”, diz com a mão na boca.

O conhecimento em administração permitiu que um planejamento emergencial fosse feito. Ela inscreveu o primeiro projeto para ser beneficiada pela Lei de Incentivo à Cultura naquele ano.

A prática e a perfeição

Eloá tem referências surrealistas – Salvador Dalí é o preferido. Na arte contemporânea, o francês Noe Two é um dos preferidos. Porém, quem influencia o trabalho dela de maneira mais direta são outros grafiteiros brasileiros, como Zezão e Fefe Talavera.

Então Eloá aproveitou o período do isolamento social para praticar. “Muita gente pensa que desenho é só dom, e não é”, diz. “Comecei a desenhar sem técnica, sem conhecer paletas de cores, nem nada. Quando começou a pandemia, apesar da incerteza do que eu tinha feito, passava o dia inteiro estudando e praticando e é visível a evolução porque muita gente fala comigo sobre isso”.

Para além da arte, no entanto, existem os boletos. Essa é uma preocupação constante de quem trabalha na cena cultural.

O projeto inscrito em 2019, na Lei Rouanet, recebeu R$ 30 mil para Eloá e outros artistas parceiros, que vão grafitar, no próximo dia 24 de abril, a unidade de estabilização psiquiátrica Irmã Dulce, no Tatuquara.

Mas nem sempre é fácil conseguir trabalhos pagos. “O que eu gosto e o que todos nós do grafite gostamos é fazer nossa arte livre. Só que nem sempre é possível. Me procuram muito para fazer autorais, mas a maioria é fachada de comércio mesmo. Aí fica sempre aquele dilema: será que eu estou me vendendo? Será que devo aceitar?”

Sem atropelo

Ser uma mulher num cenário urbano poderia ser intimidador para algumas, mas não é para Eloá. “Sempre fui muito da rua. Acho que essa questão de ser mulher depende também da postura. Ao invés de ter medo, prefiro que as pessoas sintam medo de mim”, diz aos risos.

A sociedade dos grafiteiros tem uma dinâmica própria. É um movimento de contracultura, nascido como uma forma de protesto, e eventualmente transformado em vandalismo. “Muita gente não entende o grafite como arte porque ele incomoda, mas acho que esse é o papel”, diz.

Assim, ela desenha um muro no Bacacheri, outro em Guaratuba e um em Duque de Caxias (RJ). Ela tem arte espalhada por vários lugares, mas sempre evitando o “atropelo” – que na gíria dos grafiteiros, acontece quando um artista desenha por cima do trabalho de outro.

“Às vezes acontece do dono do muro te contratar e já ter um desenho lá. Nosso costume é sempre avisar a pessoa que vai ser feito outro desenho. Mas também tem gente que atropela de propósito. Depois acontece o ‘reatropelo’, e por aí vai…”, diverte-se.

Sem atropelar também o processo de evolução, Eloá segue estudando, praticando e tomando as ruas de Curitiba para espalhar sua arte.

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “Eloá Cruz desponta na cena do grafite em Curitiba”

  1. O trabalho da Eloá Cruz é muito lindo e potente. Sua história de coragem e dedicação é inspiradora. O grafite é uma arte presente na cidade que merece mais atenção e apoio. Que bom que o Plural está sempre atento e dando espaço para os artistas com menos visibilidade.
    O texto da Aline Reis está sensível e muito bem feito!

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