Annie Ernaux escreveu os clássicos que Victor Hugo e Balzac não tinham como escrever

Conheça Annie Ernaux, a francesa que escreve "a faca" sobre suas memórias e pode ganhar o Nobel de Literatura

Quando tinha 23 anos, Annie Ernaux se viu às voltas com uma gravidez imprevista. Não sabia o que fazer. Leitora voraz dos clássicos franceses, ela descobriu que não encontrava “uma mísera linha” em Victor Hugo, Flaubert ou Balzac que ajudasse a entender o que uma mulher como ela estava vivendo. A literatura francesa, apesar de exceções importantes, ainda vivia o drama de toda a arte ocidental: era basicamente masculina.

Hoje, mais de meio século depois, a escritora se tornou uma das vozes mais importantes da França – e junto com suas contemporâneas, ajudou a construir uma “literatura feita por mulheres” na sua língua natal. Mais do que isso: ao desenvolver um estilo factual e se dedicar a fatos da própria vida, Ernaux se tornou a escritora que talvez quisesse ler quando jovem: uma mulher madura capaz de escrever em suas memórias e reflexões aquilo que as mulheres em geral vivem.

Uma traição

Nascida em uma cidade pequena, em 1940, Ernaux viu seus pais passarem de uma vida modesta no campo para uma vida quase igualmente modesta na vila. De lá, ganhou o mundo e foi dar aulas, além de começar a publicar seus primeiros textos. Primeiro vieram romances mais “convencionais”. A mudança chegou quando ela quis escrever sobre seus pais – especificamente, sobre uma traição.

Ernaux decidiu que tinha que deixar a caixa de ferramentas normal dos escritores fechada, e escrever “a faca”, como ela diz. Mais ou menos no espírito do grande Montaigne, descobriu que o melhor assunto para uma escritora era falar de si mesma, e que só assim poderia falar de algo que realmente conhecia e que seria útil aos outros.

Memórias?

A partir daí seguiu-se uma enxurrada de pequenos livros que é difícil definir. São memórias? Pode ser, mas não são só isso. Ela também fala sobre o contexto social da França, sobre o mundo em que vive, não só sobre a sua vida e suas emoções. Seria ficção? Não. Mas o texto é tão impressionante que pode-se ler com o prazer de quem lê um bom romance.

Sempre curtos, sinceros ao extremo, cortantes, os livros tratam de histórias que a autora viveu em primeira mão. Em trechos que vão se encadeando para formar um panorama, vão mostrando uma realidade que muitas vezes está aqui, à nossa volta, mas nós não conseguimos ver: são os olhos treinados dela que nos ensinam o caminho.

Fósforo

Durante mais de uma década, os livros foram pouco lidos, mas principalmente em tempos recentes, ganharam uma legião de fãs. Na França, há livros dela na casa de um milhão de exemplares; e aqui no Brasil, desde que a editora Fósforo começou a trazer alguns dos clássicos dela, a reação principalmente da crítica tem sido impressionante.

Por enquanto, saíram pela Fósforo três volumes da obra dela: “O Lugar”, “Os Anos” e “O Acontecimento”. Juntos, não somam 250 páginas, mas dão uma noção de por que a escritora é considerada hoje uma das mais fortes favoritas ao Nobel de Literatura.

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