“Barbie” é um filme chato, mas não é bobo

Produção com Margot Robbie consegue refletir o nosso tempo, mas explora estereótipos assim como a Mattel, a fabricante da boneca, sempre fez

A despeito do interesse que despertou na estreia, o filme “Barbie” é totalmente dispensável para quem gosta de cinema. Se algo me chamou a atenção, foram as intenções sobre as quais o roteiro é construído. “Barbie” é um filme leve e divertido sobre uma boneca e, ainda assim, é repleto de mensagens que refletem o nosso tempo. É um filme-mensagem que se salva do tédio total por algumas boas piadas.

O roteiro pretende falar de Barbie para meninas nascidas a partir do início do século 21 e para isso utiliza todo o debate feminista que caracteriza essa geração. É o olhar dessas meninas que guia o roteiro do filme. A Barbilândia é apresentada como o mundo de garotas empoderadas em que toda noite é girl’s night – Ken é tão secundário que Barbie admite não saber se ele tem uma casa.

Barbie

Mas como a unanimidade não gera conflito e sem conflito não há roteiro, o que faz a história acontecer é a experiência das mães dessas meninas, representada no filme por Gloria (America Ferrera), uma mulher latina beirando os 40 que brincou com Barbies quando menina e que, no presente, enfrenta a vida dura de uma adulta espremida entre a sobrevivência e o colapso de seus sonhos.

Essa mãe não se conectou com a Barbie “estereotípica”, a boneca loira criada em 1959 pela Mattel e vivida na tela por Margot Robbie. Nos anos 80, quando Gloria brincava com bonecas, os executivos da Mattel (representados no filme de forma debochada) já criavam bonecas profissionais para atender as meninas daqueles tempos. Esse novo papel que as Barbies ganharam ecoa o mundo em que cresceu Gloria, com suas vantagens e sobrecargas.

Em um discurso perto do final do filme, ela fala sobre o peso de ser mulher em um contexto em que continuamos sendo valorizadas pela aparência e doçura, mas também cobradas para sermos profissionais e bem-sucedidas. Gloria tem carinho pelas Barbies por representarem seus sonhos de fazer algo importante da vida e, diante da frustração com o que obteve, passa a projetar na boneca pensamentos sombrios.

Meninas

A filha de Gloria, Sacha (Ariana Greenblat), é ela também um estereótipo. É uma menina bem-intencionada e chatinha, que vê na mãe uma pessoa submissa ao patriarcado. A menina não sabe da missa a metade e julga a mãe com a dureza que só os menores de 21 anos podem ter. Também é Sacha que ataca a Barbie loura de Margot Robbie, fazendo-a chorar lágrimas de verdade.

Ainda que Gloria tenha um papel importante no enredo, o filme não é feito para mulheres adultas e sim para a turma de Sacha. Sacha e as meninas de sua idade serão as mães dos próximos anos e poderão comprar, ou não, Barbies para suas filhas e filhos. A Mattel produz um filme para falar com elas e evitar que haja uma fenda separando seus produtos das futuras mamães. O discurso feminista do filme é a ponte sobre a fenda.

Crítica

No filme, Sacha tem um pensamento muito mais crítico que sua mãe em relação à boneca, o que reflete a diferença de visões das gerações quanto à posição da mulher na sociedade. Enquanto para as gerações pós-feminismo dos anos 60, as conquistas já obtidas pareciam grandes e o mercado de trabalho era a frente de avanço, para as meninas do século 21 o conceito de igualdade é muito mais amplo. Enquanto existir resquício do patriarcado, não haverá descanso, como mostra a batalha entre Barbies e Kens.  O roteiro de Greta Gerwig e Noah Baumbach explora essas diferenças, o que é natural. Não há mais como falar sobre a convivência entre diferentes gerações de mulheres sem passar por isso.

Onde assistir

“Barbie” está em cartaz nos cinemas.

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