“Amo cinema e quadrinhos tanto quanto amo a vida”, diz Walkir Fernandes

Quadrinista e animador de destaque na cena curitibana fala do seu trabalho e até sobre HQs que o fizeram chorar

Quem não é muito ligado no mundo das HQs e animações, pode até pensar que a cena curitibana não tem gente fera. Ledo engano. Tem muito artista daqui mostrando o quanto a cidade é rica em talentos, com potencial para ultrapassar nossas fronteiras. Entre os convidados da Bienal de Quadrinhos de Curitiba que honram a produção local e possuem expressão nacional está o ilustrador, animador, quadrinista, editor e diretor Walkir Fernandes (ufa, espero não ter esquecido nada).

Ele é cofundador da produtora de animação Dogzilla Studio, ao lado de Antonio Eder  – que entre outros feitos dos mais de 25 anos de carreira, foi um dos criadores de “O Gralha” (o super-herói curitibano mais famoso de todos os tempos). Como talento atrai talento, Fernandes também tem como companheira na vida e em sucessos profissionais a escritora, roteirista e diretora Carol Sakura.

Bienal de Quadrinhos

Entre as publicações idealizadas pelo artista e seus parceiros com a chancela da Dogzilla, que agora também edita HQs, estão: “A cidade sorriso dos mortos-vivos” (2013), que é até hoje a maior antologia de quadrinhos independentes do Brasil; “Bocas Malditas, Curitiba e suas histórias de gelar o sangue” (2014), com roteiro de Sakura, e ilustrações de Fernandes e Eder; “Se meu cão falasse tudo seria poesia” (2016), do mesmo trio; “Anacleto, o balão” (2015), livro infantil adaptado recentemente para animação, de Sakura e Fernandes; e a primeira Graphic novel assinada pelo casal “O Filho Mau”, lançada em 2020 e que ganha agora uma nova edição pela Arte & Letra e deve virar um longa-metragem.

Mas o carro-chefe da produtora continuam sendo as animações. Tanto que, além de um Kikito, troféu conquistado no Festival de Cinema de Gramado na categoria Melhor Curta-Metragem Brasileiro por “Apneia” (2019), Walkir Fernandes tem no currículo a codireção de arte na série da Netflix “O Menino Maluquinho”, baseada nas aventuras do personagem criado por Ziraldo. 

Walkir Fernandes

Dá para entender como o caminho do artista se estabelece no meio, entre os desenhos estáticos e animados, em uma de suas frases: “Eu amo cinema e quadrinhos tanto quanto amo a vida.” Foi sobre isso, e também sobre parcerias, o mercado curitibano, o nascimento de “O Filho Mau”, e até sobre qual HQ o levou ao choro, que Fernandes falou ao Plural. Leia a seguir a entrevista (feita por WhatsApp).

Dos quadrinhos vieram as animações ou o contrário? Quando nasce a Dogzilla? 
Difícil dizer o que vem antes ou depois. Acho que a paixão primordial vem da vontade de contar histórias através das imagens, dos desenhos. A Dogzilla nasceu em 2008, com Antonio Eder trazendo toda a bagagem dos quadrinhos e eu a minha experiência com animação. É uma parceria de mais de 15 anos criando histórias, quadrinhos e animações com relevância nacional e até internacional.

E o Antonio é uma das pessoas mais generosas que conheço. Sempre disposto a estimular novos talentos, promover o quadrinho curitibano e tem um trabalho autoral incrível, que admiro muito. É uma pessoa que realmente põe a mão na massa para contar suas histórias, isso é inspirador.

Quando surge e como funciona o casamento com Carol Sakura também na arte?
Vejo na Carol um talento natural, e até mesmo bruto, no jeito de ver e explicar o mundo. É um olhar único. A cada novo projeto que cria, ela fica mais brilhante. Nosso primeiro trabalho juntos foi em 2010, para um curta-metragem de animação chamado “Gente Grande”. Desse ponto em diante, sempre foi uma parceria muito boa com a Dogzilla, tanto nos quadrinhos quanto nas animações.

“O Filho Mau” é a primeira graphic novel? Sobre o que é a história?
Sim, é a minha primeira graphic novel e fiz em parceria com a Carol Sakura. Narra a história de um encontro no interior do Paraná, quando uma avó conta para a neta adolescente sobre o dia em que seu irmão [o tio-avô da jovem] matou o próprio pai. É um drama familiar baseado em um evento real, ficcionalizamos o encontro de neta e avó conversando sobre o acontecimento enquanto passam um café e recolhem a roupa no varal. Assim, saltamos de memória em memória da avó para reconstruir as origens dessa maldade e como ela ecoa ao longo de três gerações da família. 

O processo de criação entre eu e a Carol foi bem orgânico. Ela me entregou um argumento inicial e comecei a desenhar, pensando no ritmo e na maneira de contar visualmente essa história. Depois, a Carol construiu todos os textos baseados nas imagens que eu criei. Agora, além de ganhar uma nova edição pela Arte & Letra, a história de “O Filho Mau” está em trabalho para virar um longa-metragem de animação.

Como é o ponto de encontro entre quadrinhos e cinema? No seu trabalho como quadrinista, onde está a influência do cinema?
Eu amo cinema e quadrinhos tanto quanto amo a vida. O ponto de encontro é essa vontade maldita de contar histórias que, se não for colocada pra fora, te machuca e entristece. O cinema é minha principal influência na hora de fazer animações ou quadrinhos. Gosto muito de pensar o ritmo e a composição das coisas, e a maneira como isso influencia nos sentimentos dos personagens. Na graphic novel “O Filho Mau” e na animação “Apneia”, eu busquei muito isso. Às vezes eu quero que as pessoas enxerguem movimento nos quadrinhos, e às vezes quero que as pessoas enxerguem uma página estática na animação. 

Com “Apneia”, você e Carol ganharam o prêmio de Melhor Curta-Metragem no Festival de Cinema de Gramado. O que isso mudou na trajetória do seu trabalho? 
Os prêmios que “Apneia” conquistou [Melhor Curta-metragem pela crítica no 27º Animamundi, Prêmio Canal Brasil no 23º Cine-PE, Melhor Filme no 33º Eko Film Festival e três indicações no GP do Cinema Brasileiro], junto com o de melhor filme no Festival de Gramado, nos trouxe credibilidade e chamou a atenção para o que produzimos. Nos deu oportunidade de viajar pelo Brasil, trocando experiências com o público e nos deu aquela vontade de continuar fazendo mais. 

Como apareceu no caminho a codireção de arte da série da Netflix “O Menino Maluquinho”? 
O convite veio através do Rodrigo Olaio, produtor executivo da Chatrone, empresa produtora que viabilizou a série do Ziraldo com a Netflix. Eles e a Netflix viram potencial no nosso trabalho a partir do curta-metragem “Apneia”. A direção de arte eu dividi com a Beta Krüger, uma artista incrível que tenho maior admiração. 

“O Menino Maluquinho” foi de longe o projeto mais difícil que já trabalhei, tanto pela responsabilidade de adaptar Ziraldo, um dos maiores artistas gráficos do Brasil, quanto pelo volume de trabalho e de pessoas envolvidas. Aprendi muito no processo, principalmente a não subestimar o tamanho de uma produção como essa.

Pode indicar uma obra no mundo dos quadrinhos que conversa com o cinema e que tenha encantado você?
“O Lobo Solitário” (de Kazuo Koike e Goseki Kojima). Definitivamente é o melhor quadrinho de todos os tempos, uma aula de narrativa gráfica e construção de personagens complexos. Lembro até hoje quando virei a última página do último volume da série e desabei em choro. Lindo demais. Confesso que nunca vi as adaptações para cinema, mas tenho certeza que influenciou muito filme e série por aí, como “The Mandalorian” e “The Last of Us”.

Para quem precisa escolher por onde começar nas HQs, o que indicaria? E para quem já é iniciado, o que não pode faltar entre as leituras?
Quadrinhos é uma arte muito democrática e tem para todos os gostos e idades. Sempre gostei muito de “Calvin e Haroldo”, e aprendi a ler com “A Turma da Mônica”. Mas começar pelos clássicos é sempre legal. “Um contrato com Deus”, do Will Eisner, é uma obra muito bonita; tem também “Gen pés descalços”, de Keiji Nakazawa, que é um murro no estômago; e, recentemente li “O relatório de Brodeck” [de Manu Lacernet, baseado no livro de Philippe Claudel], que tem uma narrativa visual incrível. Dos autores brasileiros atuais, admiro a Bianca Pinheiro, Quintanilha e João Pinheiro.

Você, Carol, Antonio e mais uma turma estão sempre envolvidos e agitando a cena curitibana dos HQs. Qual a personalidade da cidade importância de Curitiba nos quadrinhos?
A gente adora essa troca com as pessoas e ajudar a ocupar nossa Gibiteca com novos olhares. É uma forma de devolver pra sociedade algo que aprendemos nesses anos todos, com nossas vitórias e fracassos. Eu vejo que estamos ganhando muita diversidade nos traços, nas histórias e nos artistas envolvidos na cena dos quadrinhos curitibanos. Isso é ótimo! Fortalece nossa arte, prova nosso potencial e importância no cenário nacional. Entretanto, ainda sinto que Curitiba pode valorizar mais seus artistas. Eu sei que Curitiba gosta de se ler, o que precisa é realmente expandir e difundir a produção local. Acho que a Gibiteca e a Bienal de Quadrinhos têm esse papel fundamental de formação de artistas e também de leitores, mas ainda tem muito espaço para ser conquistado.

Walkir Fernandes na Bienal de Quadrinhos

  • O curta-metragem “Apneia” (15 minutos, classificação 16 anos) será exibido na Bienal na sexta-feira (8), às 18h.
  • O curta-metragem “Anacleto, o balão” (12 minutos, classificação livre) será exibido na Bienal no sábado (9), às 11h. Em seguida da exibição de “Anacleto, o Balão”, Fernandes e Sakura participam de bate-papo com o público, com sorteio de exemplares do livro que deu origem ao filme e distribuição de cartazes.
  • Walkir Fernandes também estará na sessão de autógrafos de sábado (9), às 17h30. (As sessões são no térreo e no 1º andar do MuMA.)
  • A exposição da Bienal “Intersecções”, sobre como os quadrinhos se ligam a diferentes artes, tem trabalhos do artista e fica em cartaz de 7 de setembro até 7 de novembro, na sala 1 do MuMa.

A Bienal de Quadrinhos de Curitiba vai de 7 a 10 de setembro, sempre das 11h às 20h, no Museu Municipal de Arte – MuMa (Av. República Argentina, 3430, Terminal do Portão). Todas as atividades são gratuitas. Outras informações no site bienaldequadrinhos.com.br e no perfil @bienaldequadrinhos no Instagram. A programação completa pode ser conferida aqui.

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