O ramen deles esgota em 5 minutos. Mas tempo é o principal ingrediente do Takeuchi Ramen por outros motivos

Com paciência, estudo e dedicação, pai e filho começam uma tradição familiar e produzem um dos mais cobiçados ramen de Curitiba, artesanalmente e no quintal de casa – por enquanto

De acordo com o dicionário, “tempo” pode ser: “duração relativa das coisas que cria no ser humano a ideia de presente, passado e futuro” ou “determinado período considerado em relação aos acontecimentos nele ocorridos”. A palavra tempo também pode indicar o clima, a temperatura. Para os mestres da física, o tempo pode ser relativo. Para alguns poetas, é um senhor tão bonito quanto escasso. Para a Família Takeuchi, o tempo é o ingrediente principal. Para o ramen e para a vida.

O RAMEN

Ramen é um prato chinês (lembra que o macarrão surgiu na China?) levado para o Japão no final do século 19 com imigrantes chineses. Eles mostraram que era possível misturar o macarrão com um caldo nutritivo, legumes e carnes em uma mesma tigela. No entanto, o prato se popularizou no Japão logo após a Segunda Guerra Mundial, quando o país estava devastado e sofria com o desabastecimento de arroz. E foi na década de 1980 que os jovens chefs japoneses modernizaram e diversificaram a produção deste prato.
A partir de 2019, o ramen transformou a vida da Família Takeuchi.

A HISTÓRIA DE CADA UM

Washington Takeuchi esquece quantos anos tem (57, segundo o filho), mas lembra com precisão toda a sua trajetória até virar um mestre do Ramen. Engenheiro de Telecomunicações, Washington trabalhou mais de 30 anos na área, até que, casado e com quatro filhos, fez uma escolha: participar do programa de demissão voluntária da empresa e, antes de sair do emprego fixo, se planejar, com calma, durante um ano para a nova etapa da vida. “Eu pensei em seguir profissionalmente com a minha fotografia, mas entendi que ela deveria continuar como um hobby”, conta ele. Hobby, aliás, que já rendeu algumas exposições e livros, como o livro Prédios de Curitiba.

Guilherme Takeuchi tem 24 anos e diz que é apaixonado pela gastronomia desde sempre. Aos 16, já trabalhava em um restaurante no centro de Curitiba. Formou-se como técnico no curso de gastronomia da PUC e trabalhou na padaria de fermentação natural Maçã, por quatro anos. “Esse conceito da fermentação, do cuidado com a produção, de ser pequeno e do amor pelo produto é fascinante”, comenta o jovem.

Guilherme diz que o pai sempre cozinhou muito bem. Washington diz que, se pudesse, teria escolhido gastronomia e não engenharia elétrica como curso superior. No momento certo, pai e filho entenderam que poderiam juntar suas habilidades e paixões para construir uma nova história familiar, respeitando o tempo de cada um.

O PREPARO

takeuchi ramen lamen curitiba
Em 2019, Washington estudou durante duas semanas no Japão, Rajuku Ramen School, com o Sensei Takeshi Koitani. (Foto: Acervo pessoal)

Ainda trabalhando, Washington partiu para um curso promovido pela “All Japan Sushi Academy”, com o professor Fábio Ishizuka, durante um fim de semana, em Joinville. Compreendeu neste momento que a gastronomia era o caminho. E o ramen seria o foco. E no ano antes da aposentadoria, fez o curso de chef de cozinha do Centro Europeu, em Curitiba. Assim que terminou, em agosto de 2019, foi para o Japão estudar duas semanas na Rajuku Ramen School, com o Sensei Takeshi Koitani. Aproveitou a viagem e passou uma semana em Tóquio conhecendo algumas das mais de 6 mil casas de ramen da cidade.

Antes da viagem para o Japão, pai e filho fizeram um evento no OIDE – restaurante que serve pratos do cotidiano japonês – no centro de Curitiba. E toda a produção de ramen prevista para o almoço e o jantar se esgotou em 3h. “Tinha fila até metade da quadra”, lembra Guilherme. Foi quando eles perceberam que havia um público em Curitiba querendo algo novo. A construção dessa nova tradição familiar estava começando, com pai e filho juntos.

O ramen é um prato servido em tigela única, barato (para os padrões nipônicos), o mais popular do país, mas também um prato quase solitário.

AS LIÇÕES DE TÓQUIO

ramen takeuchi lamen gastronomia curitiba
Casa de ramen em Shinjuku, no Japão. (Foto: Acervo pessoal)

Washington não aprendeu apenas a produzir um ramen perfeito ao longo de sua viagem ao Japão. Ele entendeu alguns conceitos sobre o ramen: um prato servido em tigela única, barato (para os padrões nipônicos), o mais popular do país, mas também um prato quase solitário. “Se você demora 30 minutos para comer um ramen, você pediu a refeição errada”, avisa com certa ironia. Então, o ideal é não ir acompanhado. “Se quiser conversar com alguém, vá conversar em outro lugar, não enquanto come um ramen”, ouviu em um dos estabelecimentos que visitou.

Soa até mal-educado. Deselegante, digamos assim. Mas Washington explica que esse é um tipo de comida que transmite a filosofia japonesa. “Você tem que pensar no próximo. Provavelmente tem gente do lado de fora, com frio, esperando para entrar. Você não pode ocupar o lugar do outro”, explica. Ele conta, inclusive, que além do balcão característico desses estabelecimentos, tem uma rede de restaurantes especializada em ramen separada por “baias”, para você nem olha para o cliente ao lado, apenas se concentra na sua refeição, come e vai embora.

EM FAMÍLIA

ramen takeuchi gastronomia curitiba
Apenas 40 porções são preparadas para venda ao consumidor final, quinzenalmente – e se esgotam em menos de 5 minutos. (Foto: Tami Taketani/Plural)

O ramen como negócio acabou envolvendo praticamente toda a família. Márcia, a mãe, que trabalhava como fisioterapeuta, hoje é a responsável pela produção das massas. “Quando Guilherme ficou cinco meses viajando, já tínhamos a máquina de produzir o macarrão e vários clientes. Márcia entrou de vez no quartinho de produção”, lembra Washington, que importou a máquina do Japão em 2020. Os Takeuchi reformaram a edícula da casa e a transformaram em uma cozinha profissional, com um quarto preparado para receber a máquina importada. “A máquina nos permite trabalhar com a produção de macarrão para diferentes casas de ramen da cidade, como Ippai Ramen e OIDE”, explica Márcia sobre o equipamento, que prepara a massa e corta os noodles na porção específica para cada cliente.

takeuchi ramen lamen curitiba gastronomia
O ramen Takeuchi é um projeto em família: até mesmo o conceito visual da marca foi feito pelo filho Diogo e sua esposa, Aline. (Foto: Tami Taketani/Plural)

O filho Diogo é o provador oficial da família. Ele e sua esposa, Aline, são designers e criaram todo o conceito visual da marca. Já o filho Kim, que também é designer, é o artista da ilustração dos ingredientes do ramen Takeuchi. A filha Jun é médica e mora fora da cidade, mas “espalha a palavra do ramen pelo mundo”, brinca Guilherme. Ah! E a Thais, namorada do caçula, entrou na jogada: é a responsável pela comunicação direta com os clientes.

Tudo feito em família, veio a dúvida: como é a convivência, muitas brigas? “A única vez que meu pai brigou comigo foi quando eu taquei fogo, sem querer, no meu colchão. Eu tinha 8 anos e nunca mais o vi tão nervoso quanto aquele dia”, entrega Guilherme. “Teve uma vez que eu briguei comigo mesmo porque derrubei uma bandeja de noodles prontos. Cheguei a chutar a bancada”, confessa Washington. Márcia diz que é uma característica da família: “As brigas aqui são internas, o estresse é pessoal”.

Com essa calma e respeito, um pelo outro e pela comida, a família começa a pensar no futuro. E que, talvez, a casa própria seja pequena para ele.

OS INGREDIENTES

takeuchi ramen curitiba gastronomia
A ilustração de Kim Takeuchi representa os ingredientes do ramen da família: do caldo aos toppings, passando pelo tempo. (Foto: Reprodução)

Embora seja uma refeição para se comer rapidamente, a Família Takeuchi faz questão de ressaltar que, entre os seis elementos principais que compõem o ramen, o mais importante é o tempo.

1 – Caldo A base do ramen. Pode ser feito de vários insumos, especialmente as proteínas: ossos bovinos, porco, pato, mexilhões, casca de camarão ou apenas vegetais. “As pessoas têm uma falsa sensação de que o caldo vegetariano é sem graça porque não leva nenhuma proteína”, explica Washington, que considera isso um equívoco. “O nosso caldo para o Karê Ramen é vegetariano, por exemplo, e tem mais cremosidade e fica mais adocicado. Testamos com o feito com proteína e não ficou tão bom assim.”

2 – Noodle Ou o macarrão. Mas não é só uma mistura de água e farinha. É necessário uma pitada de Kansui, um ingrediente alcalino que oferece uma tonalidade mais amarelada e uma textura mais firme à massa. Permite também que o noodle suporte o calor do caldo sem perder suas características. “A massa do ramen é uma massa pouco hidratada, precisa de firmeza”, esclarece Guilherme. 

3 – Tarê O molho que tempera todo o caldo, que entrega o sabor principal ao ramen. É tão importante que alguns ramens levam o nome do tarê utilizado como: shoyu, shio, miso, karamiso, por exemplo.

4 – Toppings Ou acompanhamentos. Há muitas regras para se fazer um bom ramen, mas há também uma liberdade na escolha dos toppings. “Já vimos até ramen com hambúrguer de topping”, conta Guilherme. Os Takeuchis gostam de variar de acordo com o tipo do ramen que estão preparando, mas o Ajitama (o ovo) está presente em todos. Curiosidades sobre o ovo: ele é cozido com o tempo correto e marinado em uma mistura shoyu, mirin e água. A produção do ovo é tão delicada que há uma divisão bem clara de tarefas entre a dupla: enquanto Washington é o responsável pelo cozimento dos ovos, Guilherme é o descascador oficial (veja o vídeo abaixo).

5 – Komiabura O óleo aromático. Ele ajuda a massa a aderir ao caldo e acentua o aroma do preparo. Os Takeuchis preparam um óleo específico para cada tipo de ramen produzido.

6 – Tempo O ingrediente mais importante, como disse, para a família Takeuchi. “Se você achar uma receita na internet para preparar o seu ramen no mesmo dia, desconfie”, brinca Washington. O que o mestre do ramen quer dizer é que cada um dos ingredientes listados anteriormente tem o seu próprio tempo para ser feito.

“O tempo é nosso amigo. Precisamos respeitá-lo e, assim, buscar a excelência.” – Washington Takeuchi

Não é só respeitar o tempo do pré-preparo – como o do caldo, que leva mais de 12h para chegar ao ponto ideal – ou as etapas do topping de carne de porco. A carne usada no topping do Karê Ramen, por exemplo, é frita, cozida, grelhada na churrasqueira, marinada por 24h, depois fatiada, volta para a marinada e, antes de servir, ainda passa por um maçarico. Tempo também é ter paciência para fazer todos os testes e entender qual tipo de caldo fica melhor em cada um dos tipos de ramen. Tempo para estudar e descobrir quais as 17 especiarias que, juntas, com a quantidade específica de cada uma delas, tostadas e moídas separadamente, formam a massala perfeita usada no Karê Ramen. “Nosso orgulho”, pai e filho enchem a boca para dizer sobre o resultado final da massala.

“O tempo é nosso amigo. Precisamos respeitá-lo e, assim, buscar a excelência”, profere, com calma e muita serenidade, Washington.

A PROVA

“A primeira vez que eu ouvi falar no ramen dos Takeuchi foi por indicação de uma amiga. Quando finalmente consegui pedir, assim que recebi, eu percebi a dedicação em todas as etapas da produção, seja pelo sabor, pela embalagem e até pela explicação de como preparar em casa. Aliás, é muito fácil de fazer”, conta Gabriela Pinheiro, designer de produto, que tempos atrás me mostrou o projeto por uma rede social. Para não perder a oportunidade de saborear o ramen, Gabriela coloca um despertador para lembrar de registrar seu pedido na planilha online assim que ela é disponibilizada. “Ao longo da semana, eu esqueço que comprei. Quando eles me mandam mensagem avisando sobre a retirada, acaba sendo uma surpresa. Como se fosse um presente bom da Gabi do passado.”

Sem ponto físico para receber os clientes, os Takeuchi recebem pedidos via Instagram, quinzenalmente, aos domingos. O cliente preenche seu pedido em uma planilha online e aguarda até o sábado seguinte para buscar e saborear o prato. É indicado fazer como a Gabriela: colocar um alarme para lembrar, pois apenas 40 ramen são preparados – e se esgotam em menos de 5 minutos.  

No último fim de semana, consegui provar o ramen. A família avisa que está pronto para buscar e manda as instruções via mensagem. Esquentar a água para cozinhar o macarrão por 1 a 2 minutos e escorrer muito bem, aquecer o caldo separadamente, colocar os toppings no micro-ondas (menos o ovo). Em uma tigela, que pode ser o simpático bowl que eles mandam, colocar os ingredientes aquecidos (caldo, macarrão, toppings) e finalizar com o óleo aromático (extremamente aromático, eu diria). 

Provei o Karê Ramen finalizado com o Negi Oil. O caldo, preparado com aquela masala de 17 ingredientes, é denso, encorpado e levemente apimentado. Os toppings eram Chashu (carne de porco, simplesmente perfeita), acelga, broto de bambu e, claro, ovo. Tenho duas confissões bem feias a fazer (a família pode pular esta parte): 1) demorei a comer. Fiz questão de saborear cada ingrediente com calma e sentidos apurados, para respeitar o tempo e a dedicação com que foram feitos; 2) me arrependi de não ter separado um pouco do caldo para comer depois com um pedaço de pão. Será que eles vendem o caldo em balde? Vou perguntar!

O FUTURO

Na casa dos Takeuchis, a arte está em todos os cantos e paredes. As fotografias premiadas do Washington, os desenhos minimalistas e os mosaicos super detalhados da Márcia. Escondidinhas em uma caixa, estão as aquarelas pintadas pela fisioterapeuta, retratando várias fachadas de restaurantes de ramen pelo mundo. São delicadas, coloridas e lindas. Estão guardadas, esperando o momento certo para enfeitar a parede de uma nova casa: o restaurante dos Takeuchis.

“Adiamos o sonho por conta da pandemia. Mas sabemos que vai chegar o momento certo”,  explica Guilherme, confiante. A ideia da família é ter algo pequeno, intimista. As palavras “modesto” e “calmo” são repetidas algumas vezes na descrição do local ideal para o estabelecimento. Para eles, é fundamental criar um ambiente aconchegante, com um balcão e poucas mesas, e manter a produção pequena. “Queremos ver nossos amigos comendo. Um lugar que reflita o conceito que vi no Japão”, explica Washington. “Mas que fique claro: sem ‘expulsar’ ninguém”, brinca.

A POESIA

Manuel Bandeira, Mário Quintana, Caetano e Leminski, são poetas de diferentes épocas que retrataram bem o tempo. Conhecendo a história da Família Takeuchi, a gente consegue entender melhor a poesia do tempo. E o quanto ele pode ser o ingrediente ideal para alimentar o caminho que se almeja.

Takeuchi Ramen
Pedidos via planilha digital, divulgada por Instagram (@takeuchiramen). Ramen de R$ 38 a R$ 42.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima