Restaurantes adotam logística reversa contra pandemia de embalagens

O boom do delivery escancarou o problema da insustentabilidade do modelo de negócio baseado em recipientes descartáveis

Entre caixinhas de isopor, talheres de plástico, copos, sachês, canudos e sacolas, toda refeição que chega na nossa casa gera uma montanha de lixo. O boom do delivery causou uma pandemia dentro da pandemia: a das embalagens descartáveis.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e a organização Oceana, o Brasil produz anualmente 3 milhões de toneladas de plásticos de uso único, dos quais 13% são produtos ​​como pratos, copos, talheres, sacos plásticos e canudos. Isso equivale a 200 bilhões de itens descartáveis ​​por ano, a maioria dos quais não é reciclada por não ter valor econômico para a cadeia de reciclagem.

Para reverter esse modelo de negócio insustentável para o meio ambiente, alguns restaurantes estão adotando o sistema de logística reversa, isto é, um modelo de delivery sustentável. O funcionamento é simples: a comida é entregue em embalagens recicláveis que são coletadas após a refeição e enviadas para centros de reciclagem.

“Esse projeto nasceu por uma insatisfação minha com o lixo que eu gerava, o que me motivou a instituir um programa de logística reversa e uma campanha de conscientização para os clientes nas mídias sociais”, explica o colunista do Plural, Felipe Petri, que é dono do Petrisserie, restaurante que funciona apenas no delivery.

O empresário entrega comida em embalagens de polipropileno, “um plástico muito nobre, nada degradável, mas que por sorte pode ser reciclado 100%”, afrima. Após a refeição, ele passa na casa dos clientes para recolher os recipientes e os encaminha para a cooperativa de reciclagem Cooperare, em Curitiba.

Iscas de frango lemon pepper, legumes salteados e purê de abóbora cabotiá em embalagens recicláveis do Petrisserie. Foto: Divulgação.

Além aliviar a pressão sobre o meio ambiente, o freguês ganha uma refeição a cada 20 embalagens devolvidas. Apesar dos benefícios, Petri esbarra na falta de conscientização de muitos clientes e hoje consegue dar destinação correta a cerca de 25% de seus recipientes.

“Infelizmente a adesão não é tão alta quanto eu gostaria. Para aumentar esse número estou produzindo uma série de vídeos de conscientização em parceria com professores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), sobre contaminação ambiental e catadores de lixo”, afirma o cozinheiro.

Apesar dos entraves, pesquisa divulgada em abril desse ano pela Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec) revelou que a maioria dos consumidores está ciente que o modelo atual é insustentável. O levantamento aponta que 72% dos consumidores preferem receber os pedidos sem itens de plástico descartável, e 15% dos entrevistados afirmam que já deixaram de pedir comida por se sentirem incomodados pela quantidade de plástico.

Restaurante compra créditos de logística reversa

Quem está conseguindo anular a pegada ambiental provocado pelas embalagens é o restaurante árabe Mezmiz, em Curitiba, que em maio passou a entregar as refeições em recipientes de papel reciclável, decorados pelo artista Marcelo Le. Além de sustentáveis, as marmitas são práticas: podem ir ao forno e ao micro-ondas, são assépticas e não vazam.

Mesmo assim, esses recipientes são descartados após a refeição. Para compensar a geração desse lixo, o restaurante compra anualmente créditos de logística reversa da empresa carioca Pólen Resíduos. O investimento é baixo, R$ 160 por mês, mas o impacto positivo sobre o meio ambiente é grande. Por meio dos créditos, o Mezmiz recicla 3 toneladas de plásticos e reduz as emissões de CO₂ em 1,65 toneladas, anualmente.

“A quantidade de embalagens que colocamos no mercado sempre foi uma preocupação minha pessoal e com a pandemia se tornou maior ainda. Quando a embalagem sai do restaurante, nós não temos mais controle sobre ela, mas continuamos tendo responsabilidade”, explica Vaneska Berçani, sócia-proprietária do restaurante.

Segundo a empresária, um dos entraves para que esse modelo se popularize entre os restaurantes é a dificuldade de encontrar embalagens adequadas para cada tipo de comida. Hoje os produtores de embalagens são poucos e fazem tamanhos padrões que não levam em conta a diversidade dos pratos, além de ser poucas as opções de recipientes feitos com materiais 100% biodegradáveis, como bagaço de cana ou de mandioca.

Embora a pegada ambiental do Mezmiz seja nula, a clientela também pode fazer a sua parte. Por isso, Vaneska faz um apelo a seus clientes para que descartem corretamente as embalagens. “Sacolas e caixas têm um QRcode que explica como descartar da maneira correta. Desta forma, o impacto positivo sobre o meio ambiente é duplo”, afirma.

Soluções inovadoras nesse setor estão se multiplicando Brasil afora. A startup Turtle Box, que por enquanto atua em Belo Horizonte, mas busca se expandir para outras cidades, fornece serviço de logística reversa para bares e restaurantes.

Após a refeição, a empresa coleta as embalagens na casa do cliente, faz a higienização e as devolve para o restaurante. Segundo o fundador, Igor da Cunha, os recipientes – em plástico polipropileno – podem ser reutilizados até 300 vezes. Cada ciclo custa ao restaurante R$ 1. Já o cliente recebe R$ 15 de cashback no iFood a cada três embalagens devolvidas.

Embalagem da Turtle Box pode se reutilizada até 300 vezes. Foto: Divulgação.

Compostagem e reuso da água da chuva

A reciclagem das embalagens é apenas um dos pilares sustentáveis do Mezmiz que, em parceria com a empresa Composta+, destina todo o resíduo orgânico produzido no restaurante para a compostagem.

Além disso, a casa foi projetada também com grandes janelas que, além de permitirem ventilação constante, aproveitam melhor a luz natural e reduzem o consumo de energia elétrica. Já, por meio do sistema de captação, a água da chuva é usada na descarga dos vasos sanitários, na limpeza e para a rega das plantas.

“Com isso o resultado é de um restaurante que consome menos água e menos energia e ainda possui conforto térmico e ambiental”, completa a empresária.

Apps de delivery anunciam planos sustentáveis

Parece ser difícil estancar a pandemia do plástico gerado pelo delivery sem a colaboração das maiores plataformas do setor. Levantamento da startup Mobills Labs mostra que, desde o início da pandemia da Covid-19, os gastos com os aplicativos de delivery cresceram 187% no Brasil, sendo o iFood responsável por cerca de 70% da fatia de mercado.

Em março deste ano, a plataforma anunciou o iFood Regenera, um plano que pretende acabar com a poluição plástica do delivery e tornar a empresa neutra na emissão de carbono até 2025. O programa conta com pesquisa e desenvolvimento de embalagens sustentáveis e parcerias com cooperativas de reciclagem.

O app diz incentivar os consumidores a terem hábitos mais sustentáveis, oferecendo a escolha de não receberem talheres plásticos e outros itens descartáveis. Também no app, a empresa afirma ter criado um selo para reconhecer as boas práticas ambientais dos restaurantes.

Já a Uber Eats anunciou, em fevereiro de 2019, um projeto piloto que permite aos usuários dispensarem o recebimento de talheres descartáveis, guardanapos e canudos nos pedidos realizados em restaurantes.

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2 comentários em “Restaurantes adotam logística reversa contra pandemia de embalagens”

  1. Compartilho da preocupação com o assunto. Eu e meu marido consumimos marmitas diariamente e seria otimo poder contar com um serviço de embalagem retornavel aqui na cidade também. Temos produzido muito mais lixo do q em outros tempos…

  2. Como um assinante não “iniciado “,não entendi o que seria “logística reversa” na chamada.Talvez a intenção do jovem jornalista fosse exatamente essa:levar o leitor à descobrir o que seria.Deu certo comigo,mas ….,simplicidade no texto sempre é bom

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