Apontamentos – XIV

Belo Horizonte

No início da noite, ao redor da praça, já quase não se conseguia vaga para estacionar: na praça, logo ia acontecer a apresentação de quadrilhas de São João.

Enquanto na fila, olhando para os lados e ao longo da mesma, perguntei para a minha companheira:

– Além de mim, quantos homens brancos você vê?

Olhou, procurou e respondeu:

– Nenhum.

– Pois é, este é o Brasil negado pelos racistas. – respondi.


Acidentes

Durante a viagem poucos acidentes vimos: em todos caminhões estavam envolvidos.

Muitos motoristas de caminhão abusam. Para alguns deles a placa que informa a velocidade máxima – as baixas velocidades principalmente, 40, 60 quilômetros por hora –, é considerada velocidade mínima. Foi a impressão que tive.

Alguns, pelo comportamento nas estradas, são irresponsáveis, outros são mesmos criminosos.
Infelizmente esses não são só os motoristas de caminhão, muitos motoqueiros e boa parcela dos motoristas de automóveis são bem parecidos.


Amigo da Onça

No último dia de viagem, chegamos ao findar do dia a Iguape, ou Bom Jesus do Iguape (SP). No momento da chegada, os alto-falantes, da igreja, emitiam os cânticos de Ave Marias e Aleluias e, logo depois, o sino bateu as horas.

No livro “1858, Viagem pelo Paraná”, Robert Avé-Lallemant, cita que Iguape é “…uma graciosa e pacífica cidade, bastante regular e limpa; os 1.500 habitantes moram em casas caiadas, muitas delas bonitas e algumas até magníficos sobrados”.

Hoje, ainda, o seu Centro Histórico é bonito, mesmo com muitos destes sobrados precisando de restauração, sendo que alguns deles, já é quase impossível a recuperação.

Sentado à mesa do restaurante, ergo a cabeça do cardápio e me surpreendo ao ver, parado na minha frente, o Amigo da Onça. Quem se lembra desse personagem criado pelo chargista Péricles de Andrade Maranhão, e que estava presente na revista O Cruzeiro de 1943 até 1962?

A primeira reação foi de dupla surpresa: encontrei um cara parecido com o Amigo da Onça, a segunda foi a de não saber como reagir. Não queria rir e não ri, queria perguntar:

– Alguém já lhe disse que você se parece com o Amigo da Onça?

Não perguntei. Vá que ele nunca ouviu falar do Amigo da Onça, ou pior: poderia não gostar e ficar bravo.

De qualquer maneira o Amigo da Onça foi muito camarada. Apesar de não estar no cardápio, aceitou o nosso pedido de trocar o molho à bolonhesa da massa por um de camarão e, melhor, acrescentou só cinco reais no preço.

O restaurante era ao lado da igreja e enquanto o prato estava sendo preparado fomos até lá. Era hora da missa e raro: igreja cheia e o sacerdote celebrante era preto.

Sai de Iguape com vontade de quero mais. Três coisas boas, me alegraram nessa cidade: a recepção sonora com Ave Marias, Aleluias e o badalar do sino, a missa sendo rezada por um padre preto; e, ser atendido, no restaurante, pelo “Amigo da Onça”.


Curitiba

É de manhã
Recolho a cortina
Olho para a rua. Procuro… novidades?
Há?
Vejo que sim:
A bandeira brasileira, mesmo que esfarrapada, ainda tremula na casa do vizinho. Pelo jeito não quer trocar de bandeira.
As bandeiras,
em torno de meia dúzia,
que tremulavam no prédio da esquina, foram retiradas.
Jogadas fora, ou guardadas na expectativa que o fascismo volte a governar o Brasil?
Se autoquestionaram sobre o comportamento que tiveram até recentemente e resolveram enrolar as bandeiras?
Não acredito.
É de manhã.
Uma coisa não mudou: o homem já está varrendo a rua
É de manhã.
Como todas as manhãs, é nova manhã, não só no sentido de um novo dia, mas de uma nova esperança.


Invisível

Volto ao cotidiano: academia, natação, mercado… e escrever esta crônica.

Pela relativa, longa ausência, sou percebido pela maioria das pessoas do meu entorno, no entanto, invisível para uma parcela.

Do norte do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e todo o Nordeste, senti-me presente em todos os locais que passei. Na rua, ou ao entrar em qualquer espaço, público ou privado, mesmo não conhecendo ninguém, ouvia-se a voz: Bom dia – se pela manhã. Se tarde ou noite vinha a boa tarde ou a boa noite.

Em Curitiba, mesmo que dentro do mesmo ambiente e te vendo, não te cumprimentam. Concluo que aqui, na maioria das vezes, sou invisível.

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