Lia – Capítulo 25

Eles todos tinham seus vinte e tantos anos. Lia não consegue lembrar exatamente quando foi aquilo, mas a estimativa não pode estar muito errada. Ela perdeu contato com quase todos eles não muito depois. Menos o Simão. Menos o Simão. Que aliás, é claro, seria o único mais velho ali, não fosse o fato de que ele era o único ausente.

Eram cinco à mesa.

Maha, a menina libanesa, estava rindo desabridamente. Tinha uma risada sonora, uma coisa que parecia fazer a mesa vibrar de leve. Grave. O Isidoro, bem na frente dela, aparentemente era quem tinha acabado de dizer a tal coisa assim tão engraçada. Isso pela cara satisfeita, meio triunfante do sujeito. Eles nitidamente não perceberam que estavam sendo fotografados.

Aliás, nenhum dos outros parecia ter percebido.

Era como se a ausência do Simão, e sua presença logo ali ao lado, de pé, simplesmente não fizessem diferença para os meninos. Simão, o mais velho, aquele que não era exatamente um membro do grupo.

A Luísa, que sempre foi em tudo e por tudo mais exuberante, gritalhona e chamativa, ria também. Mais sorria, no entanto, embora Lia julgasse que a linguagem corporal dela denotasse ainda mais claramente sua intenção de encantar Isidoro, de chamar a atenção do macho alfa ali do grupo. O único negro que Lia conheceu antes dos trinta anos. Isidoro… Alencar…? Sim. Isidoro Alencar. Ou D’Alencar, como ele dizia às vezes, aproveitando o nome um tanto fora de moda para se dar ares de aristocrata.

Bonito, o Isidoro. Sempre foi.

E as duas ficaram, cada uma do seu jeito, um bom tempo tentando impressionar o rapaz. Sim, foi isso. Mas Lia, hoje, simplesmente não conseguia lembrar com quem, se alguém, ele acabou se casando. Mas achava que tinha casado com uma das duas…

A quarta figura à mesa era o André. E o olhar que ele dirigia aos outros era uma coisa inteira. E das complicadas. Primeiro porque, daquele ângulo, Lia não conseguia entender direito para quem ele estava olhando. Mas restava mais do que claro que o interesse dele era o par Isidoro-Maha. Ódio e inveja de um, tristeza e mais tristeza pela possível perda da outra.

Porque… sim.

Aquele olhar fez tudo voltar a fazer sentido.

Foi mesmo com a libanesa (com a “turca” como seu dizia naquele tempo) que o Isidoro casou. E o André com a Luísa. Apesar de tudo. Apesar de tanto tempo pensando na outra.

Tudo errado naquela foto, portanto. Tanto desejo entortado…

E a Lia.

Só ela olhava para a câmera. Ou para o Simão. Claro.

E assim, décadas depois, depois de esquecer completamente aquelas pessoas e lembrar somente ao abrir aquela caixa antiga de uma camisaria que nem existe mais… assim é que Lia se via, tantos anos antes, como que olhando diretamente para ela mesma, como que se encarando lá da ponta da mesa, do fundo da foto. Lia nova, isolada entre amigos, olhando para o Simão, que já tinha morrido, certamente, e olhando para Lia, a mais velha, sozinha, cansada, morrendo também… Lia com uma saudade doída desses amores perdidos, esquisitos, esquecidos.

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