Encontro em tempos de Covid-19

Eles se olharam, de longe. Muito mais do que os dois metros recomendados. Cada um acenou e, debaixo de suas máscaras, ambos sorriram. Pelo movimento das bochechas eles intuíram que o outro fez o mesmo.

Se aproximaram. Conversaram amenidades. Mesmo com a máscara evitaram entrar em temas mais exaltados como política, pandemia, etc. Tópicos exaltados expeliam mais perdigotos e eles sabiam que isso não era de bom tom, nesse período. E, quase sem querer, ao deixar de lado os grandes temas da humanidade, focaram neles e no seu momento presente, no fato de estarem perto.

Ele levou a mão ao bolso, ela observou com o olhar de cautela. Tirou um desses álcool gel pequenos, os que a farmácia oferece como prêmio de consolação por não ter os maiores pra vender. Ele ofereceu. Ela sorriu (pelo menos ele achou que ela sorriu) e tirou o próprio, da bolsa. Ambos passaram ao mesmo tempo, com muito cuidado, cada um olhando a mão do outro, numa dança em que se imitavam e se estimulavam. 

Ela mencionou sobre um vídeo que recebeu, talvez no grupo da academia ou no grupo da família, ou no Instagram, ou no Facebook (que ela tinha desativado, depois das eleições, mas que reativou para poder falar com as pessoas por lá também), falando sobre os perigos do álcool gel. Ele ficou realmente interessado (pelo menos foi o que ela achou, ao traduzir a dança das sobrancelhas) e falou que, se ele quisesse, ela repassaria pra ele. “Eu vou adorar receber qualquer coisa sua”, ele disse. Ela manteve o olhar nele e foi levando as mãos em direção ao celular na bolsa. Uns centímetros antes de fazer isso suas mãos pararam no ar, ela olhou o próprio movimento congelado, desistiu largando aos mãos quase sem jeito ao longo do corpo, olhou pra ele e disse: “Assim que eu chegar em casa. Prometo”. Ambos riram. Tinham certeza, deu pra ouvir mesmo com máscara.

Eles precisavam ir, era óbvio. Não queriam ir, isso também era óbvio. Se aproximaram a uma distância não considerada segura pela OMS. Seus olhos ardiam um no outro. Rapidamente, cada um pegou seu álcool gel, em perfeita sincronia, limparam a mão de uma maneira um pouco mais rápida e, com a mão esterilizada, tiraram a máscara apenas de suas orelhas direitas. Viram o rosto completo, um do outro. Sorriram (agora eles tinham absoluta certeza), se aproximaram e deram o mais espetacular beijo no rosto, um do outro. Se afastaram, pegaram o álcool gel, limparam seus próprios rostos e recolocaram suas máscaras.

Foram cada um para as suas casas, tomando todos os cuidados. A lembrança do contato humano ainda era muito forte, mas nem por isso alterou o ritual de tirar os sapatos do lado de fora de casa, passar algo para limpar os sapatos, lavar as mãos, colocar a roupa para lavar e tomar um banho.

Ah, minto! Uma coisa mudou. Dessa vez o banho teve que ser frio.

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