– Eu já usei máscaras em teatros e elas sempre são de uma versatilidade de funções que a gente nem imagina!
– É?
– Elas são tradutoras de emoções, elas são a personificação de um personagem impossível! Eu, por exemplo. Tô lembrando aqui. Uma vez, muito tempo atrás. O que eu fiz? Um velho, quando eu era muito novo. E, por causa da máscara, eu realmente era um velho. E todo mundo achava que era um velho e vinham nos bastidores pra conversar com o velho e não acreditavam que não era. Parece mentira – e nem tô querendo elogios pro meu trabalho. Foi tudo graças a máscara.
– Uau.
– Mas não só isso.
– Ok.
– Elas oficialmente tem uma magia, sabe? Nas culturas de todo o mundo, elas tem uma força, um je ne sais quoi…
– Oi?
– É francês. Você não fala francês?
– Oui.
– Então… as máscaras tem uma potência. Tem gente que acha que é só colocar algo na cara que tá pronto. Mas não. A máscara tem que ser traduzida no seu corpo todo. Ela é um portal de personificação.
– É?
– São poucos os artistas que têm a técnica, a experiência e o respeito necessário para usar máscaras e traduzi-las à sua melhor forma.
– Hum.
– Seu valor antropológico tem que emergir na performance, senão o artista está desrespeitando não só a sua arte como todo o passado dela.
– Ok.
– Você consegue compreender a magnitude do uso de uma máscara?
– Oui.
– Então… foi por esse respeito, por esse amor, por saber da ancestralidade envolvida, que eu decidi não estar usando máscaras hoje, neste momento. Então… será que o senhor poderia levar isso em conta e não me infectar, seu Covid-19?
– … não.
– Poxa, mesmo depois de toda essa defesa?
– É…
– Vocês, vírus respiratórios, são bastante monossilábicos.
– Só.
– E essa é a última coisa que você vai me dizer?
– Não.
– E qual é?
– Adeus.