Quando a festa entra em quarentena, quem é que vai fazer a alegria sobreviver?

Produtores culturais e DJs estão batalhando para pagar as contas

Tenho um amigo dono de uma pizzaria pequena que fala: não existe negócio não essencial, para todo mundo que sobrevive daquele negócio, ele é essencial. Ele não fala isso porque queria brigar para abrir sem aquele lockdown que a gente espera há 6 meses e nunca teve. Ele fala porque todo negócio precisa ser considerado como essencial para o ecossistema que vive dele.

Quando essa conversa toda sobre negócios essenciais e não essenciais surgiram, vieram, é claro, como um discurso técnico-científico. Mas na boca dos políticos brasileiros, não é um pesquisador que decide o que abre e o que fecha baseado no risco de cada atividade. É a política. E como política, quem recebe ajuda para sobreviver ou abrir, também é o conservadorismo que nos governa.

Baladas e bares e todo setor cultural que vive da festa, do evento, da diversão estão proibidos de operar há 6 meses. E a coisa no Brasil é tão bizarra, que avaliação do que abre ou fecha não está de acordo com o risco que o negócio realmente tem, mas com o seu CNAE, seu registro como empresa. Você pode tomar uma cerveja e um vinho em um restaurante, mas não pode tomar em um bar. Qual a diferença de risco dos dois ambientes? O CNPJ. Onde estão os pesquisadores para avaliar cada atividade? Não existem nas políticas públicas e nem vão existir. Para quem nunca implementou um lockdown de verdade, cidade, estado, presidência, é difícil imaginar que os pesquisadores da saúde vão estar no lugar onde deveriam nas decisões em que deveriam estar presentes.

Nossas bandeiras verde, amarela, laranja, vermelha de quarentena aqui de Curitiba não foram feitas por cientistas. Foram feitas por políticos que estão tentando calcular quantos votos vão perder se fecharem um segmento. Os pesquisadores ficam publicando e publicando, mas sem serem ouvidos. Não estão nos gabinetes de crise.

Para a política, a festa, a diversão, os bares, a vida noturna, a cultura são mais que não essenciais, são supérfluos. São pecado. E como tal, se não sobreviverem à pandemia, a política conservadora não se importa. E esse tipo de política fica ainda mais evidente quando estados no Brasil chegaram a implementar lei seca. Qual é a diferença entre tomar uma cerveja e comer um prato fora de casa? Nenhuma. Mas o bar, a balada, a festa, o evento, a cultura não é hobbie para quem vive dela. É ganha-pão.

E mesmo que fosse o álcool, a festa, a alegria que transmitisse o vírus, nós que pagamos em dia os nossos impostos também não deveríamos ser considerados como um segmento econômico que precisa sobreviver? Pois bem, ninguém nunca conversou conosco. Ninguém nunca ofereceu ajuda ou alternativas. Se a festa perecer na pandemia, para o governo é a escolha do deus que governa o nosso estado “que não é laico, mas terrivelmente cristão” (a frase é referência à ministra Damares). Não existe solidariedade na pandemia para quem vive da noite.

O primeiro milagre de Jesus foi em uma festa, transformando água em vinho. A alegria não é pecado. Quem está quarentenando todo esse tempo deve ter sentido na pele como esses espaços de convivência fazem falta. Quando não são os cientistas que decidem, quem se importa se todas as festas, baladas e bares simplesmente desaparecerem durante a pandemia? Quem se importa se não existem critérios técnicos para nada? Certamente, nenhum político de que eu me recordo. Na política da pseudo-quarentena sem fim que estamos, nada faz muito sentido.

Em 6 meses fechados, nenhuma boia de salvação veio da política para oferecer ajuda à essas empresas, baladas, bares, as festas símbolos da cidade, esses trabalhadores, produtores culturais, DJs, ninguém quer salvar a festa da extinção na pandemia. E essas pessoas que vivem de fazer a alegria dos outros, hoje estão em uma situação miserável. Completamente sem ajuda ou perspectivas, tentando se reinventar na marra, mas não dá para fazer milagre. A festa na live não paga todas as contas daqueles que vivem de fazer sorrir. Mas eles e elas persistem tentando.

A noite é importante não só para o ecossistema que vive dela. É também um espaço de resistência, de cultura, de liberdade para aqueles que são julgados à luz do dia ou simplesmente não podem mostrar sua essência, sua pele, sua arte, sua identidade em todos os lugares. Foi justamente um bar o marco do início da resistência do movimento LGBTQIA+, o Stenewall Inn, palco da Rebelião de Stonewall de junho de 1969. Agora na pandemia, imagine quantas pessoas estão trancadas sem esse espaço seguro que a noite representa para todos aqueles que são desviantes de todas as normas.

Na pandemia, esse espaço de liberdade para muita gente que vive nos mais variados armários da vida, também está fechado. E a sobrevivência desses espaços, dessas pessoas que fizeram nossa alegria por tantos anos, também é a sobrevivência da liberdade de ser você mesmo por completo.

Hoje DJs, produtores, ambientes culturais e casas noturnas estão resistindo à essa sobrevivência solitária e abandonada. Se não podemos contar com o governo, tudo que resta é a ajuda que podemos encontrar em nós mesmos.

Aqui abaixo tem uma lista de instagram de produtores culturais e DJs que estão fazendo lives e eventos online para pagar as contas e continuar com esperanças que um dia a alegria vai voltar. Contribua se puder e como puder.

Manolo Neto – https://www.instagram.com/manoloneto/

Ana Guimarães – https://www.instagram.com/anag.dj/

Rat.Trap – https://www.instagram.com/rat.trap/

Clementaum – https://www.instagram.com/clementaum/

Bila Sampaio – https://www.instagram.com/bila.apenas/

Felipe Paz – https://www.instagram.com/felipepaze/

Gil Preto – https://www.instagram.com/gilpreto/

Anaum Dj – https://www.instagram.com/p/CD6t2xzlLRK/

Umatheusa – https://www.instagram.com/matuuusa/

Jabutaya – https://www.instagram.com/jabutaya/

Eric Chien – https://www.instagram.com/eric_chien/

A lista é muito mais longa que essa, mas na medida do possível eu atualizo.
Salvem a nossa festa.

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