Violeta – a cor dos inconformistas e da ordem

Sufragistas, feministas, gays e Igreja, juntos no violeta dos costumes

Sendo a origem de todo o meu trabalho artístico profissional, o tema “cor” é muito caro para mim. Seja como artista visual, orientador ou facilitador, a “cor” participa ativamente do meu labor diário. De tempos em tempos partilharei com vocês leitores o que experienciei e aprendi sobre elas.

O violeta transita desde tempos imemoriais entre a violência e o luxo dos reis e rainhas, marcando importantes movimentos sociais e políticos e manchando reputações com o violar dos clérigos da Igreja Católica.

Dois momentos políticos históricos colorizados com violeta:

Em 1908, a cor violeta foi escolhida como uma das três cores que representariam o começo de uma grande mudança social e política do século 20: movimento sufragista inglês e logo mundial (com o nome de feminismo). Emmeline Pankhurst, uma das lideranças do sufragismo disse “o violeta, a cor dos soberanos, simboliza o sangue real que corre pelas veias de cada mulher que luta pelo direito do voto, simboliza sua consciência da liberdade e dignidade. O branco é a honestidade na vida privada e na política. O verde é a esperança de um recomeço. ”

Era necessário que fossem três cores, pois desde a Revolução Francesa as bandeiras tricolores dos países democráticos, representavam acima de tudo a liberdade como valor máximo do homem. Além disso precisavam ser cores que as mulheres possuíam em seus armários naturalmente, sem necessitar fazer nenhum gasto para isso. Cores discretas e restritas aos armários femininos foram para as ruas, marcando época.

Como em toda zona de combate, o “uniforme” deve identificar a qual país aquele exército pertence. Naquele contexto social, foram as cores de cunho político das mulheres inglesas. A roupa casual urbana começa a ser determinante para identificar grupos e comunicar seus interesses, criando identidade visual coletiva num século que estava começando e que viria a ser o período mais revolucionário para todos os povos na história da humanidade.

Mesmo sendo um movimento criado por pessoas comuns, no caso mulheres, que exigiam mais direitos como cidadãs e igualdade perante o factual mundo masculino, a adoção da cor violeta como poder (que era pertencente ao clero) como sendo sua representante.

No contexto de direitos individuais, as mulheres no início do século 20 poderiam ser chamadas de “minorias”, nome acadêmico para pessoas sem a “menor importância” na engrenagem das decisões da sociedade.

Como sabemos, inúmeros movimentos sociais exigindo melhores condições de vida, respeito pela cor, hereditariedade e reconhecimento de gênero, entre outros eclodiram no Ocidente, principalmente na América do Norte (mais uma vez eles na frente).

O violeta caiu como uma luva para o movimento gay californiano nos anos 1970. Na cor violeta unem-se o azul e o vermelho. Segundo tradições e leis pregressas, o azul simbolizava o princípio feminino: plácido, passivo, introvertido. Já o vermelho foi adjetivado como a cor da força, da agressividade e do movimento, portanto, masculino. O masculino e feminino num só espectro.

Nenhuma outra cor poderia representar melhor a homossexualidade.

Quando esta orientação sexual ainda era punida, desprezada e desqualificada, as camisas violetas para os homens e os foulards na cor eram sinais discretos de reconhecimento para os integrantes do grupo. Um código social velado e eficiente diante de uma sociedade intelectualmente rasa e desprovida de ferramentas de mudança, portanto à adaptação. Anos depois o movimento gay adotou o arco-íris como símbolo de sua existência, afirmação e importância (essa história ficará para uma próxima coluna).

Fruto dessa realidade, a violência policial seguida de destruição sobre pessoas que se amavam e transavam entre seus pares do mesmo sexo, e que na época abnegaram inclusive a paternidade biológica (mais um disparate), reinaram sem limites durante os anos 70 americanos. Outra dolorosa descoberta foi feita: os hematomas também eram da cor violeta.

Um fato marcou o início da aceitação dos gays pela sociedade de mercado (não pela sociedade cristã e apática da época). Em 1969, um grupo de homossexuais manifestaram-se diante do edifício do jornal Examiner de São Francisco – Califórnia – que vinha publicando artigos contra os homossexuais. Os funcionários do jornal jogaram tinta violeta pela janela sobre os manifestantes. Esses, por sua vez, molharam as palmas de suas mãos com a tinta, imprimindo-as sobre toda a extensão do muro do edifício.

Um homem se destacou na multidão, Harvey Bernard Milk. O primeiro político abertamente gay que foi eleito em São Francisco- Califórnia. Milk foi assassinado em 1978, deixando um legado político que é lembrado e estudado até hoje.

Ao falar de sociedade, códigos e conflitos é interessante citarmos a instituição da Igreja Católica. Não existe uma outra instituição pública cujos clérigos trajam violeta. De acordo com as leis determinadas pelo Papa Inocêncio, em 1200, o violeta era a cor do poder temporal, dos reis, da eternidade, da sobriedade e da justiça (foi o que faltou para as mulheres e os gays durante o século 20). Por outro lado, também representava humildade, modéstia e recato. Essa dicotomia foi resolvida de uma forma bem simples: os reis usavam violeta e governavam com a força. A Igreja, por sua vez fazia uso do mesmo violeta e governava com humildade.

As tradições histórias com seus simbolismos nos ajudam a entender uma infinidade de informações visuais que estão disponíveis aos olhos de todos e passíveis de serem encontradas em uma infinidade de lugares. Os signos e os símbolos são poderosos e têm a facilidade de serem absorvidos e mantidos pelo viés do inconsciente, criando memórias factuais ou distorcidas.

Vale saber que há uma grande diferença entre a cor violeta e o roxo: violeta é uma cor verdadeira, fazendo parte do espectro de luz, e que o roxo está fora do espectro, podendo ser usado para descrever qualquer tonalidade de cor entre o vermelho e o azul.

Filmes que retratam esse período:

Milk: A Voz da Igualdade (2008)

Stonewall: Onde o Orgulho Começou (2015)

As Sufragistas (2015)

Até a semana que vem!

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