BEST OF 2019: Os discos perdidos de Miles Davis e Marvin Gaye

Projeto que começou na década passada é relançado a partir de hoje no Plural.

O projeto “BEST OF” começou em 2006. A ideia era fazer um presente para a família e amigos mais próximos que representasse o que de melhor e mais pessoal eu tinha a dar para comemorar o Natal e o Ano Novo. Música, sem ter que recorrer a shoppings lotados, lembrancinhas e presentes sem nenhuma intenção ou personalidade. Naquele ano, comecei a separar discos e músicas que me chamavam a atenção em uma playlist no i-Tunes. O que eu já tinha em CD mandava para lá. Músicas que eu não tinha comprava na plataforma.

As fontes eram as mais diversas, a começar pelas revistas inglesas Uncut e Mojo (cerca de 150 resenhas de discos novos todos os meses), que ainda vinham com uma seleção do mês em CD, especialmente a Uncut. Além disso, inúmeros sites, blogs, resenhas de jornais e revistas, tentando abranger o maior número possível de lançamentos e o que diziam críticos e resenhistas sobre cada disco. Fazia uma primeira seleção, fechava ainda mais a lista e gravava os CDs aqui mesmo, no meu computador. Escolhia a capa, sempre envolvendo um tema, geralmente polêmico, que gerou discussões e dividiu opiniões ao longo do ano. O título era THE BEST OF…, assinava as capas, pretensiosamente, com DJ Menezes, imprimia tudo, montava os discos e distribuía os presentes.

É só mais uma lista, como tantas outras publicadas no final do ano, feita a partir de escolhas absolutamente pessoais onde é impossível evitar certa subjetividade. Porém, me impus algumas regras para essa curadoria de conteúdo, digamos assim, para atualizar a prática e o conceito que começaram lá atrás, há 13 anos.

1 – Obrigatoriamente, as faixas escolhidas têm que ter sido lançadas no ano da compilação. Eventualmente, admito relançamentos, edições comemorativas, remasterizações, faixas inéditas, homenagens póstumas etc, mas sempre do ano, e são exceções à regra geral. Em 2019, dois casos raros de discos “perdidos”, por exemplo, mas lançados esse ano, e um caso de edição comemorativa remasterizada.

2 – Música adulta. Difícil de definir, mas eu sei e acho que você também sabe do que estamos falando. Música voltada para audiências que não estão, necessariamente, esperando o próximo hit no YouTube que terá zilhões de visualizações. Não deixo de acompanhar esses movimentos, até porque trazem novas fusões globais do pop, padrões diversos de produção e distribuição, novas caras e, às vezes, até faixas interessantes. Em anos anteriores, já povoaram as listas nomes como Taylor Swift, Justin Bieber e Harry Styles. Em 2019, não foi diferente. Estão lá o pop adolescente e a novíssima geração. Não tenho preconceito.

3 – Diversidade de gêneros musicais. O THE BEST OF não se prende a nenhum gênero ou estilo musical em particular. Pelo contrário, você vai ouvir, lado a lado, uma música depois da outra, coisas bastante diferentes entre si. Não porque eu, intencionalmente, tente forçar essa diversidade para fazer uma lista “eclética” – peço desculpas, não encontrei palavra melhor. Quem me conhece um pouco sabe que sempre procurei ouvir de tudo, qualquer música, de qualquer lugar. Em todos esses anos, as listas só refletiram essa curiosidade. Para quem não me conhece, fica aqui o convite.

4 – No final, o que conta mesmo é música boa, repito, sob critérios pessoais. Justamente por conta disso e da variedade, não dá para gostar de tudo. Nem é esse o objetivo. Quem não está tão acostumado a isso pode até achar a playlist difícil. Por outro lado, a ideia também sempre foi trazer e apresentar, modestamente, sons novos que a maioria não conhece. Arranjos inusitados; pontes que levam as canções para lugares menos óbvios; música contemporânea e cosmopolita, mas também regional, local. É uma lista de fim de ano. Dá para tocar em festas, dançar e ouvir na sua viagem de férias.

Discos perdidos

Não é pequena a lista de discos que foram produzidos, gravados, que por razões diferentes nunca foram lançados no seu tempo. A história está cheia deles, sempre envoltos em mistério, lendas e informações cruzadas, nem sempre confiáveis sobre os reais motivos para o não-lançamento. Esse ano, fato raríssimo, temos dois desses discos, de dois gigantes: Miles Davis e Marvin Gaye. Miles é o maior renovador das linguagens do jazz. Marvin é o melhor cantor de soul que já existiu. Independente das histórias e pistas falsas, pela estatura dos personagens, não poderiam ficar de fora de uma lista com o que de melhor foi lançado esse ano.

GIVE IT UP – Miles Davis

“Rubberband” ficou perdido por 34 anos. O disco foi produzido, gravado e estava pronto para ser lançado em 1986. Não aconteceu. As principais referências de Miles na época eram Prince e a nascente MTV. Ele queria ser pop, fazer música para dançar e tocar no rádio. Segundo seu sobrinho, o baterista Vince Wilburn Jr, que já vinha trabalhando com o tio e também toca em “Rubberband”, Miles não queria nem ouvir falar em jazz. Um ano antes, com o lançamento de “You´re Under Arrest”, o trompetista já dava indícios de como seriam seus últimos discos com as regravações de Time After Time (Cyndi Lauper) e Human Nature (Michael Jackson), mas nada comparado à radicalidade funk e soul de “Rubberband”. O resultado não agradou nem um pouco seu novo chefe, Tommy LiPuma, que exigiu outro disco de Miles para sua estreia na Warner depois de 30 anos na Columbia. “Tutu” foi lançado ainda em 86.  

Uma imagem contendo texto, livro, foto, interior

Descrição gerada automaticamente
A capa do álbum, feita por Miles, também desagradou Tommy LiPuma

Todas as faixas do disco foram retrabalhadas pelos músicos que participaram das gravações, o guitarrista e vocalista Randy Hall, o guitarrista e baixista Atala Zane Giles e Wilburn Jr. O trio manteve o trompete original de Miles. Participam de algumas faixas as cantoras de soul e r&b Lalah Hathaway e Ledisi. A ideia original de Miles era chamar Al Jarreau e Chaka Khan para o álbum. Give It Up mostra que “Rubberband” não faz feio entre os discos da última fase de Miles, que começa em “Decoy” (84) e termina com “Doo Bop”, de 92, passando por “You´re Under Arrest” e “Tutu”. Os fãs de Miles não têm do que reclamar. Além de um disco inédito, em 2019 foram comemorados os 60 anos do lançamento de “Kind Of Blue” e o cinquentenário de “Bitches Brew”, esses sim, rigorosamente clássicos. Wilburn Jr. deve lançar mais coisas inéditas do espólio do tio, como as sessões que ele gravou com Prince. Reza a lenda que algumas dessas faixas estão no “Black Album”, o disco perdido de Prince.

YOU’RE THE MAN, PTS I & II – Marvin Gaye

Se fosse lançado em 1972, quando foi finalizado, “You’re The Man” estaria em uma situação complicadíssima. Seria o sucessor de “What’s Going On”, do ano anterior, e, se a história fosse uma linha reta, o antecessor de “Trouble Man”, trilha de Marvin para um filme blaxploitation de 72, e “Let’ Get It On”, de 73.  Se “Trouble Man” é um disco irregular, “What’s Going On” e “Let’ Get It On” estão entre os melhores discos de Gaye, presentes em todas as listas dos melhores de todos os tempos. Discos temáticos e conceituais que “You’re The Man” não era pela diversidade presente no álbum, o que deixou Marvin inseguro.

Marvin Gaye em 72 na capa do álbum, preocupado com sua carreira e com o mundo.  

Os críticos se dividem sobre o “disco perdido de Marvin Gaye”, já que foi o próprio Marvin, segundo dizem e essa é a versão oficial, que impediu o lançamento de “You’re The Man” depois de “What’s Going On”. Marvin temia que “You’re The Man” não teria o mesmo impacto do seu disco do ano anterior. O que não faz sentido e não justifica o não-lançamento do seu “disco perdido”.

“You’re The Man” é um discaço, mesmo depois de 47 anos. Além da faixa-título e do próprio nome do disco, é um manifesto explícito de todos os temas que interessavam e atormentavam Marvin. Temas políticos e inconvenientes na América de 72, no meio da guerra perdida do Vietnã e das convulsões sociais que agitavam os Estados Unidos na época.

A playlist final com o THE BEST OF 2019 só será publicada aqui dias antes do Natal. Desde que começou, o THE BEST OF só não foi publicado ano passado. A partir de 2014, migrou do formato físico para o Spotify. As listas de 2014, 2015, 2016 e 2017 ainda estão lá, na minha conta na plataforma – Sérgio Menezes.

BEST OF 2014

BEST OF 2015

BEST OF 2016

BEST OF 2017

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