Curitiba se apresenta como uma cidade moderna, inovadora e inteligente. Mas quando observamos a realidade da maioria da população trabalhadora e as prioridades da gestão pública, a gente se dá conta de que todos esses adjetivos não passam de propaganda.
Em um tempo movido pelo sistema neoliberal, marcado por constante esgotamento físico e mental, pelo excesso de atividades, pela cobrança de produtividade e pelo incentivo ao individualismo, a cidade deveria ser pensada e planejada a partir das necessidades das pessoas.
Mas as ruas cheias de carros, o trânsito engarrafado, o transporte coletivo caro e lotado, espaços públicos escassos e sem equipamentos que estimulem o convívio comunitário nos bairros, são alguns exemplos que mostram que a forma de organizar a cidade caminha na direção contrária.
Há terminais do sistema de transporte público, por exemplo, que nem banco possuem para o mínimo de conforto dos usuários. Parques e praças priorizam mais as paisagens que renderão cliques aos turistas do que as possibilidades de encontro e socialização dos próprios curitibanos.
Uma parcela relevante dos trabalhadores é empurrada para as periferias, moradias precárias, e não consegue residir próxima ao trabalho. Vivem em locais com pouca infraestrutura pública, sem espaços comunitários e de lazer, e gastam um tempo significativo de suas vidas em deslocamento.
Com esse olhar, constatamos que, na verdade, a cidade se organiza sem pensar no descanso. Isso não é moderno, não é inovador, não é inteligente. Mas faz parte de uma estratégia de dominação e exploração. Afinal, pessoas cansadas não têm tempo para pensar, para criticar, para organizar, para criar.
Considerando que, além de tudo isso, a estrutura da nossa sociedade é machista e racista, as mulheres e as pessoas negras são as mais afetadas por essas condições. Afinal, a maior parte da população que vive nas periferias é negra e ainda recai sobre as mulheres a responsabilidade pelas inúmeras tarefas relacionadas com o cuidado.
É preciso aprofundar essa reflexão e identificar as possibilidades de mudança dessa lógica que, além do esgotamento físico e mental, contribui para promoção de uma sociedade cada vez mais adoecida, desigual e que provoca diversos problemas psicológicos.
Para uma cidade de todas e todos, é fundamental que os momentos de contemplação, de descanso, de contato com o outro, também estejam dentro das prioridades do planejamento e da gestão. Neste sentido, Curitiba está muito atrasada e precisa, de fato, repensar o conceito de cidade moderna, inovadora e inteligente.
Sobre o/a autor/a
Carol Dartora
Feminista negra, historiadora, especializada em Ensino de Filosofia e mestra em Educação pela UFPR. É a primeira mulher negra eleita deputada federal pelo Paraná.