Quem tem medo da ciência?

Num momento de pandemia, é preciso entender a importância da ciência

A ciência salva milhões de vidas. Neste momento em que a humanidade é assolada por um vírus mortal, nossa maior esperança está nos laboratórios em que pesquisadores trabalham noite e dia para criar uma vacina. A ciência nos deu milhares de outros medicamentos, erradicou doenças e promete curas igualmente importantes para as próximas décadas.

Mas é muito mais do que isso. A ciência, ao longo dos séculos, nos livrou de preconceitos, ajudou os humanos a entenderem melhor o mundo onde vivem e a entender a si mesmos. Permitiu que nossa vida seja mais longa, mais confortável e muito mais divertida: do micro-ondas que esquenta o café pela manhã até o telefone que nos liga às pessoas queridas, tudo tem ciência.

E, no entanto, para muita gente, a ciência parece assustador, algo que machuca. Ao mostrar quem realmente somos, os cientistas também mostraram que nosso lugar no Universo é mais humilde do que imaginávamos. Copérnico e Galileu nos tiraram do centro do Universo; Darwin mostrou nossas origens animais; Freud demonstrou que nem mesmo sobre nosso pensamento temos pleno domínio.

“Dentro de um centímetro linear de seu cólon inferior vivem e trabalham mais bactérias (cerca de 100 bilhões) do que todos os humanos que já nasceram. No entanto, muitas pessoas continuam a afirmar que somos nós que estamos no comando do mundo”, diz o astrofísico e divulgador científico norte-americano Neil deGrasse Tyson nas redes sociais.

A ciência demanda humildade. E cabe ao humanismo, à educação, fazer com que tenhamos essa humildade.

Os céticos

Os questionamentos “inconvenientes” deu à ciência oponentes desde o princípio. Ainda acontece, a notar pelo movimento terraplanista e pelos antivacina. Então como ela ultrapassou os obstáculos e se estabeleceu como o instrumento de busca do conhecimento mais confiável da humanidade, recebendo investimentos bilionários? A resposta é simples: sendo uma ferramenta eficaz. 

De acordo com Bertrand Russell, um dos mais influentes filósofos do século 20, a ciência mostrou seu potencial e confiabilidade ao conferir poder, especialmente durante as guerras. “Arquimedes, quase o único cientista experimental entre os gregos, foi útil na defesa de Siracusa. Leonardo da Vinci foi contratado pelo duque de Milão porque ele entendia a ciência da fortificação. Galileu, da mesma forma, foi apoiado pelo Grão-Duque da Toscana porque suas pesquisas com projéteis mostraram como tornar a artilharia mais eficaz. Na Revolução Francesa, os cientistas franceses desempenharam um papel vital na defesa de seu país contra seus muitos inimigos”, disse Russell em 1948, em entrevista à radio BBC. 

Há pouca oposição ao método científico quando ele resulta em tecnologias que conferem poder, manutenção do status quo ou mesmo diversão. Das antigas películas de cinema ao mais moderno smartphone com touchscreen, a ciência esteve lá. O encurtamento de distâncias pelos aviões ou pela Internet são feitos científicos. A virtual extinção de doenças como a poliomielite e a invenção dos antibióticos se deve ao rigor do método científico.

A ciência funciona, para o bem ou para o mal, e boa parte da humanidade usufrui dela. Mas quando o resultado vai de encontro a um sistema de crenças, o próprio método, e não apenas seus usos, é questionado sem fundamentação. Em uma época em que os fatos são relativizados ao extremo e as opiniões (próprias) são superestimadas, a oposição àquilo que fala o que não se quer ouvir é especialmente forte. 

Fato ou opinião?

Em entrevista ao jornal Estado de Minas, o professor Bruno Pettersen, da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, afirma que vivemos um período chamado de anti-iluminismo, em que impera a desistência da razão. “Notamos essa característica de as pessoas acharem que a opinião delas vale tanto quanto a de alguém que estudou aquilo profundamente. É uma ideia de que não existe verdade. Cada um fala o que quiser, um relativismo exacerbado e extremamente perigoso, porque, dessa forma, nada pode ser debatido, já que o que vale é a posição de cada um. Isso é prejudicial para a sociedade”, diz o professor.

Pettersen fala de um tempo em que fatos e opiniões se confundem e em que se faz necessário ensinar às pessoas a identificar o espaço de cada um no discurso.

Um fato é verificável, pode ser colocado à prova. Há algum tipo de evidência que lhe dê suporte. Já uma opinião é uma interpretação de um fato. Ela reflete um juizo de valor, é subjetiva. Em essência, é uma crença, uma forma de encarar um fato. A afirmação de que um copo tem 50% de água é verificável. É um fato. Agora, se o copo está meio vazio ou meio cheio, é uma questão de opinião. Opiniões são válidas, mas não devem ser encaradas como fatos.

Ciência x opinião

A ciência, como uma ferramenta objetiva de busca do conhecimento, trabalha com fatos. É metódica e rigorosa quanto às evidências e construída por uma comunidade científica. Nao é, portanto, opinião.

Um experimento científico, ao ser publicado, passa pela chamada “revisão de pares”. Outros cientistas da área avaliam a descoberta do ponto de vista metodológico e podem, inclusive, replicar a experiência para verificar resultados. As interpretações dos resultados e o desenvolvimento de teorias tampouco são obra de um homem só. Ao publicar um trabalho, um cientista sabe que sua teoria será confrontada com outras e que ela pode ser refutada a qualquer momento.

A refutabilidade, ou falseabilidade – ideia de que uma teoria pode ser demonstrada falsa diante de evidências – é, segundo o filósofo da ciência Karl Popper, a própria essência da natureza científica. Ou seja, uma teoria formulada com base em evidências e dentro do rigor do método científico é valida até ser considerada falsa por novas observações, testes ou teorias igualmente verificáveis.

Cientistas por todo o mundo, ao pesquisar um tema, colocar suas ideias publicamente e avaliar o trabalho de seus colegas, podem chegar a um consenso, o famoso “provado cientificamente”. 

Antes com ela que sem ela

Em um mundo pandêmico, negar a ciência pode ser perigoso. Antes da vacina contra o sarampo ser desenvolvida, em 1960, a doença matava cerca de 2,6 milhões de pessoas ao ano, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). A vacinação reduziu esse número em 80% entre os anos 2000 a 2017. Em 2018, com o crescimento do movimento antivacina e o esquecimento da população com relação aos riscos da doença, o sarampo voltou a preocupar: foram mais de 10 milhões de casos no mundo, com 140 mil mortes evitáveis, em grande parte, de crianças. No ano seguinte, o número de casos triplicou.

Para o físico e astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser, “a ciência não é uma escolha. É uma necessidade. Quem não enxerga isso está fadado a um obscurantismo que condena o futuro do país”. Gleiser se refere, em entrevista à Agência Einstein, ao papel da ciência em meio à pandemia do coronavírus.

Tyson reitera a importância da ciência também em termos filosóficos: “No dia em que nosso conhecimento do cosmos deixa de se expandir, corremos o risco de regredir à visão infantil de que o universo gira – figurativa e literalmente – ao nosso redor.”

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