Botar a mão na massa para aprender (e de quebra salvar o planeta)

Cultura maker ajuda alunos e professores a ter um novo jeito de se relacionar com a educação e com o mundo

“Eu gosto de pensar a cultura maker como um princípio de ação que tem o estudante como ator principal dos processos educacionais”, começa o professor Mayco Martins Delavy, que atua como orientador pedagógico no Colégio Medianeira. 

Segundo ele, estamos diante de um modelo que desconstrói aquela ideia de educação tradicional que temos em mente, na qual as decisões são tomadas sempre e somente pelo professor. Na cultura maker o aluno se torna o grande agente de todas as fases do processo educacional, pois ajuda a definir o que será estudado, pesquisa e coloca a mão na massa.

“Estudantes e professores são parceiros, não há hierarquia. Eles ensinam e aprendem fazendo”, explica. E isso pode acontecer de maneira artesanal – os famosos “do it yourself” – mas também por meio da robótica e da computação. O importante é criar soluções criativas para problemas reais, sem deixar de refletir sobre as causas desses problemas.

O professor exemplifica: “O estudante pode criar um artefato que vai contribuir para o controle das águas dos rios. Isso é algo muito importante e necessário. Mas somado a isso, ele deve compreender como essa poluição se relaciona com a política e com a sociedade num geral.”

Isso é novo?

De acordo com Mayco, não. O termo é novo, mas reúne tradições. “A educação também tem seus modismos, mas quando a gente estuda teóricos lá do fim do século XIX e do início do século XX, constata que já havia essa ideia de que uma educação estritamente teórica não é boa para a criança, porque ela aprende na prática.”

“No passado, instituições mais progressistas usavam o conceito de práxis, uma palavrinha grega que significa que há sempre uma teoria contida no fazer. Ou seja: não se faz nada sem pensar”, defende.

Em síntese, o conceito segue o mesmo: uma escola que se diz “maker” precisa ter um laboratório que propicie a aprendizagem por meio da prática. “Eu penso que o grande objetivo de uma instituição que se propõe a esse formato de trabalho é a formação de seres humanos capazes de intervir de modo ético e nas dinâmicas de organização da vida em sociedade.”

“Se tenho um problema, posso resolver”

Nos anos 90, esse foi o pensamento que norteou a formação da publicitária curitibana Nicole Sourient, de 33 anos. Criada por uma pedagoga e um desenvolvedor de softwares altamente criativos, ela conta que foi incentivada desde cedo a encontrar boas soluções para problemas do dia a dia. 

“Eu estudei numa escola bem pequena, onde os professores ouviam muito os alunos e nos ajudavam a desenvolver as nossas potencialidades. Por exemplo: eu tenho discalculia, que é algo parecido com a dislexia, mas a dificuldade é com os números. A solução que encontramos juntos foi que eu resolvesse as provas de matemática com desenhos”, relembra.

O resultado desse experimento foi bastante positivo: “Isso, muito além de me ajudar a passar de ano, incentivou a minha criatividade. Hoje eu sei que se tenho um problema, posso resolver, ainda que não seja do jeito clássico. Aprendi a me virar.”

Na vida adulta, ela vê reflexo da educação que recebeu até mesmo na maneira como se posiciona no mercado de trabalho. Em meio à pandemia, Nicole saiu do emprego de redatora e decidiu se jogar em um novo projeto, que está prestes a ser lançado: um canal no YouTube focado em estimular crianças a construírem seus próprios brinquedos.

Foto: arquivo pessoal

“É algo que fez parte da minha infância e percebo que hoje eles passam muito tempo em frente às telas de celular e televisão e perdem isso. Defendo que eles precisam ter acesso, mas quero unir o útil ao agradável: usar a tela para tirar a criança da frente da tela”, fala.

O desejo de produzir esse tipo de conteúdo é antigo, mas antes o tempo era curto e ela se via limitada pela falta de recursos. “Eu tinha espaço para fazer isso em casa, mas precisava de reforma e equipamentos. Então, pensei: ok, não tenho esse dinheiro, mas de que maneira posso fazer isso acontecer? Foi quando comecei a me dedicar a construir as coisas – e tem dado certo.”

Além de todos os outros benefícios, fazer as coisas com sucata, restos de construções e o que mais estiver à mão é fundamental para ajudar no meio ambiente. Num momento em que o desperdício e o acúmulo de resíduos nas cidades e até no oceano ameaça espécies e o próprio planeta, dar uma finalidade para objetos, sem mandá-los para o lixo, é um ponto decisivo a favor da cultura maker.

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