Fail better

Quando foi a última vez que misturou cores, contornou um rosto, ou segurou um bocado de argila úmida entre os dedos e se arriscou a modelar? Quando foi a última vez que tentou fazer algo sem nenhuma garantia de sucesso?

Há exatamente 12 dias, retomei meu trabalho nas salas de aula. Mas, ao contrário do que havia feito durante praticamente toda a minha carreira como docente até então, desta vez eu não estou ensinando sobre arte, mergulhando alunos em teorias, obras de artistas, movimentos e manifestos históricos, mas sim ensinando-os a (talvez) produzi-la.

“Olá, eu sou a Nicole, a nova professora de artes, muito prazer.”

Foi a frase mais repetida da semana, depois de “não corre na escada, menino, vai cair!”, “sim, pode ir ao banheiro” e “seu tênis está desamarrado”.

Mas além disso, conversamos, simplesmente, para nos conhecer. Eu contei-lhes sobre como eu queria voltar a fazer aulas de balé, aos 43 anos. Eles riram, duvidaram, mas depois também me contaram sobre seus medos de errar, de serem julgados como desprovidos de qualquer talento. Outros me disseram sobre como é gostoso saber tocar um instrumento, mesmo que não sejam muito bons nisso. Houve ainda aqueles que disseram “a arte é inútil!”, o que nos levou a filosofar profundamente acerca da utilidade das coisas perfeitamente inúteis como a alegria, o amor, a vida, enfim.

Mas, de fato, tem sido um grande desafio lidar com tantos medos de imperfeição (inclusive os meus), envoltos em uma certa mística de que a arte, para ser aquela verdadeira mesmo, precisa ser bela e obedecer às regras das proporções áureas. Me parece urgente que saibamos: não existem certezas. Nem mesmo naquela arte certinha das academias de belas artes, que já capengava moribunda nos confins do século XVIII, lado a lado com a decadência dos governos totalitaristas, ainda bem.

Definitivamente, em um mundo tão desigual, as linhas duras das certezas não caem bem.

Tenho pensado que, além de “ensinar arte”, podemos aprender juntos no caminho, distraídos (venceremos!) entre tintas, lantejoulas e pistolas de cola quente, enquanto a arte, por vezes, se fará, outras, nem tanto. Numa era em que cada vez mais somos cobrados para ser bem-sucedidos e indefectíveis, seja na prova de cálculo, na entrevista de emprego, na carreira, na criação dos filhos, na cobrança por juventude eterna, no sexo, onde desenhar as margens de erro que guiam nossas experiências genuínas?

Porque não há vida sem experiências, e definitivamente não há experiências sem risco.

Tenho convidado, portanto, meus alunos a errar, um pouquinho mais, a cada aula. Mas errar com gosto, com muito esmero. Exercitamos os nossos erros como quem costura um avesso tão perfeito que para ficar “certo”, basta girar a tela e olhar as coisas pelo outro lado.

Por isso hoje, no dia do meu aniversário, quando essa coluna vai ao ar, gostaria de propor a vocês leitores a mesma ousadia da questão: como têm sentido a arte nas suas vidas? Não aquela consagrada, que vemos em museus longínquos ou estudamos em livros, mas aquela que deveria nos habitar cotidianamente. Quando foi a última vez que misturou cores, contornou um rosto, ou segurou um bocado de argila úmida entre os dedos e se arriscou a modelar? Aliás, quando foi a última vez que tentou fazer algo inteiramente novo e sem nenhuma garantia de sucesso?

Como dizia Samuel Beckett: “Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better.”

Falhem na receita de pudim, no assado de domingo, na dancinha do Tiktok, falhem miseravelmente no amor, nas paixões, só não desistam de continuar mergulhando os dedos na vida, nos encontros. Não deixem de se lambuzar na sobremesa, de esperar por aquele abraço, de cantar bem alto aquela música, mesmo sem saber direito a letra.

Dancem.

I hope you fail better.

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