“O Pão que o Viado Amassou” vai ter um filhote (Ou: a viadagem está com tudo)

Uma conversa regada a cerveja com o empresário Gabriel Castro

Que a viadagem está à solta, não é novidade. Depois que Matheus Solano e Thiago Fragoso deram aquela bitoca mixuruca em rede nacional, o entretenimento público, que servia unicamente à família tradicional brasileira, nunca mais foi o mesmo. Hoje, com Gloria Groove e Pablo Vittar dominando as paradas e muito do horário nobre, fica até difícil rememorar o escândalo da novela “Amor à Vida”, quase dez anos atrás.

O oráculo da modernidade, o Google, nos diz que nunca houve tanta procura por assuntos lgbtqia+ na sua plataforma quanto nos últimos 18 anos. Porém, ainda que avanços tenham sido feitos aqui no Brasil, há muito de caricato, preconceito e falsas suposições em torno do universo lgbtqia+, especialmente quando falamos sobre os negócios que o envolvem.

No começo da semana, tive o prazer de tomar uma cerveja, na Trajano Hell’s, com um dos viados mais conhecidos da cidade, Gabriel Castro, a mente e as mãos por trás da padaria mais original dos últimos tempos, O Pão Que o Viado Amassou. Inclusive, o empresário está em vias de expandir ainda mais seu império de glitter, bom humor e inclusão.

Quem passa pela Praça Santos Andrade, não consegue deixar de reparar naquela mansão lindíssima na Alfredo Bufren, quase chegando na Conselheiro Laurindo. O endereço recebe a nova empreitada dos irmãos Castro (Gabriel e Aline) e foi batizado com o sugestivo nome de “Vem Aí”. A casa, não menos glitterinada, será voltada ao samba, além de contar com atendimento rotineiro de almoço e comidinhas. O espaço promete muita programação cultural, como não poderia faltar, e muitas novidades ainda estão por vir!

De volta ao nosso papo, Gabriel e eu observamos uma tendência muito interessante e diferente de nossas juventudes. Desde Stone Wall Inn, e muito antes, diga-se de passagem, o consumo não-heterossexual é marginal. Isso quer dizer que os seus lugares de fruição escondiam os seus clientes e frequentadores. Hoje, observamos o exato oposto, a diversidade saiu do seu esconderijo e ganhou a frente das lojas.

“A marca nasceu por acaso, mas surgiu o nome e eu pensei: ok, posso vender o produto e fazer com que o meu discurso e o da minha galera vá para outros lugares. Quando eu vi outras iniciativas acontecendo, fiquei muito feliz porque começou a existir uma independência, uma emancipação, nossa com relação ao que foi ditado pelo mercado, que sempre nos escondeu. Surgiu então essa força para que a gente trouxesse a nossa bandeira para fora”, conta o empresário.

Pink money foi o nome dado para designar a fatia de mercado compreendida pelos consumidores lgbtqia+, pensado sob a ótica do seu poder de compra, mercado e influência. Acompanhando a tendência do crescimento do interesse sobre a cultura, o Google nos diz que este ano as procuras sobre o termo tiveram número recorde, aumentando nove vezes desde 2017 a 2022, em comparação com os cinco anos anteriores.

Porém, nem tudo são flores. “Ainda que seja positivo vermos a bandeira estampada em lugares de visibilidade na cidade, a gente não pode negar a força do mercado em capitalizar sobre ela. Não é raro você ver o arco-íris na frente de um estabelecimento, porém, a estética do negócio, sua proposta e equipe não estão focadas na luta lgbt. Isso alimenta um mercado muito forte, o dessa galera “progressistona” que quer ajudar um monte de causa, sabe? Faz o seu nome, vende seu produto com a bandeira na frente mas às vezes não está preocupada se são lgbts trabalhando no seu estabelecimento, se os fornecedores estão engajados com a causa e se também oferecem uma rede de apoio real, por exemplo”, critica Gabriel.

Sempre com muito humor, o empresário acredita que o termo também reforce estereótipos. “Nas primeiras entrevistas que eu dei, me diziam que era muito legal eu ter reaquecido um nicho de mercado, já que se trata de uma população que consome mais. Como se nós tivéssemos todos uma cara só, né? E também fossêmos ricos, porque viado não tem filho, pode viajar, vai mais a restaurantes, etc… Mal sabem qual é a realidade do viado empresário por trás! Que inclusive tá fodido, e mais fodido que todo mundo (risos)! Então, assim, existe uma caricatura do que é o viado consumidor. Por conta disso, coloquei pessoas lgbt para trabalhar na minha loja e fiz a marca como eu fiz, para que, de alguma maneira, tentar quebrar a imagem que fizeram de nós na sociedade”, completa.

Gabriel tem razão em suas críticas, o termo é condescendente para dizer o mínimo. O mercado visa atrair esse consumidor com maior poder de compra, unicamente por esta qualidade. Dessa maneira, a mudança de atitude de uma empresa, ajustada suficientemente para que se possa angariar mais dinheiro, sem de fato incluir uma população divergente, não aponta necessariamente para uma sociedade mais igualitária, mas sim, para uma tolerância momentânea, focada na angariação de lucros privados. Além disso, por mais que haja uma cultura popular compartilhada por muitos indivíduos lgbtqia+, supor que preferências sejam únicas permeando um grupo tão plural de indivíduos, é reforçar preconceitos de todo sempre.

No entanto, ainda que o mercado não enxergue a população gay como indivíduos para além da massa colorida, supostamente com dinheiro no bolso, avanços foram feitos e houve uma mudança significativa na apresentação dos negócios para atender a esse e quem sabe, todo o público. “Acho que a gente está no começo de uma fase de transição em que os negócios estão saindo do armário”, me diz Gabriel. De fato, por conta de sua própria militância, a comunidade deu conta de subverter a lógica de se esconder para passar a estampar publicamente seu orgulho e sua cultura. Iniciativas como O Pão Que o Viado Amassou, o Hamburgay, o Love y Gin, Yag Bar e outras mais, não vendem somente para a comunidade lgbtqia+, muitos de seus clientes e fãs fazem parte do restante da população.

“Esse é só o primeiro golpe. Quando você pensa em parada gay, marcha para diversidade, você pensa em festa, mas ainda não é uma festa, ainda é uma luta, ainda é uma revolução, ainda é um lugar de resistência”, explica Gabriel. “Eu quero muito não precisar ter uma política interna de ter que contratar pessoas lgbts. Eu quero que todos os lugares não barrem lgbts”, conclui o empresário ao observar que ainda temos um longo caminho pela frente.

Ao sentimento de prazer, de grande satisfação com o próprio valor, com a própria honra, damos o nome de orgulho. E é através deste lugar que, apesar da exclusão, do sofrimento, do preconceito e das dificuldades, a comunidade lgbtqia+ resiste, cria e agora toma a frente, enquanto identidade de negócios de sucesso. Por mais que tenhamos ainda um grande caminho pela frente, esperamos chegar num mundo mais igual para todos. Arrasem, bees!

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