Um menino chamado Mia

Marcelo Almeida conta a história de suas conversas com Mia Couto

Hoje eu quero conversar com vocês sobre um escritor que vive na África Oriental, em Maputo, capital de Moçambique. Tive a oportunidade, ou melhor, o privilégio de estar com ele duas vezes, sempre em Curitiba.

Lembro como se fosse hoje. Sentamos para tomar um café e comer um queijo quente na livraria Arte & Letra. Faltava mais ou menos uma hora para o início do evento Conversa entre Amigos, que aconteceria no Teatro Fernanda Montenegro, no shopping Novo Batel.

O escritor me disse algo lindo e curioso: que sua filha tinha morado em Curitiba, mas que ele nunca tinha estado aqui. Fiquei surpreso e perguntei: “Você nunca veio visitá-la?” Ele, mansamente como é de sua natureza, me respondeu que não pois acredita que os filhos é que devem visitar os pais e não o contrário.

E assim nossa conversa foi ficando mais leve e sincera. Achei que dava para matar uma curiosidade que eu tinha e perguntei:

— Por que Mia Couto?

Ele me respondeu:

— Um dia meu pai me pediu para ir comprar alguns pães e lá fui eu. Tinha doze anos. Chegando na padaria, o padeiro me avisou que não havia mais pães e que a próxima fornada sairia dali a duas horas. Fiquei sentado, quieto, até sentir o cheiro do pão fresco saindo do forno. Ainda estava na padaria quando meus pais apareceram atrás de mim e quiseram saber o que tinha acontecido.

— O que você ficou fazendo aí até agora? – perguntaram.

— Fiquei vendo a vida passar.

E a história continuou. Quando os três estavam voltando para casa, o Antônio Emílio Leite Couto disse aos seus pais que queria fazer um pedido.

— Que pedido? – lhe perguntaram os pais.

— Mudar de nome, que meu nome é muito longo.

— Pode, sim. Que nome você quer?

— Quero me chamar Mia.

Claro e simples, foi assim que o menino quis se chamar: Mia Couto.

De volta a nossa mesa na Arte & Letra, continuei com minhas perguntas:

— Mia, de que maneira você convive com as mídias sociais? Você tem Facebook?

Ele me olhou nos olhos:

— Meu Facebook é a varanda da minha casa. Ali eu converso com as pessoas, damos risadas e trocamos ideias.

Aquilo bastou para que eu, que sempre era cobrado para entrar “no Face”, me assumisse como um ser analógico e feliz aqui, do lado de fora.

Posso contar mais uma? Juro que é a última.

— Mia, temos que ir para o evento – avisei. Mais de 200 pessoas nos esperam. Vamos lá discutir “Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra”.  

Ele respondeu:

— Não lembro mais nada dos livros que escrevo. Tento esquecê-los.

Fiquei sem respirar por um minuto, de susto. Ele escreveu um livro que me fascinou, mas o considera um caso encerrado e segue em frente.

Fomos para o evento. Eu, feliz por estar com um homem almado e de uma simplicidade que contagia.

Agora vou deixar para você amostras das passagens deste livro que mexeram comigo:

“Não passe a mão pelas fotos que se estragam. Elas são ao contrário de nós: apagam-se quando recebem carícias.”

“Injustiça é o mundo prosseguir assim mesmo quando desaparece quem mais amamos.”

“Tudo requer ser aguado, dizia ela. A casa, a estrada, a árvore. E até o rio deve ser regado.”

Minhas dicas de leitura para conhecer a obra de Mia Couto são:

A confissão da leoa. Companhia das Letras. 251 pgs.

Antes de nascer o mundo. Companhia das Letras. 277 pgs.

Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra. Companhia das Letras. 262 pgs.

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