O levante do Gueto de Varsóvia

Há 80 anos, ocorria uma das maiores manifestações de resistência durante o Holocausto

Em 1943, a deportação em massa de habitantes do Gueto de Varsóvia para o campo de extermínio de Treblinka alarmou os demais judeus que viviam no local. Sabendo do destino que os esperava nos campos, preferiram morrer lutando. Assim, se formou a coligação entre a Organização da Luta Judaica (Zydowska Organizacja Bojowa, ZOB) e a União Militar Judaica (Żydowski Związek Wojskowy, ZZW), movimentos juvenis que operavam no Gueto, para enfrentar os soldados nazistas e resistir à morte nas câmaras de gás.

Liderado por Mordechaj Anielewicz, jovem ativista do movimento sionista, o primeiro conflito ocorreu em 18 de janeiro de 1943, quando batalhões da SS foram atacados pela resistência enquanto marchavam rumo ao gueto, sendo obrigados a se retirar. Durante os três meses seguintes, os habitantes do gueto prepararam-se para o que esperavam ser a luta final, cavando túneis por baixo das casas que se ligavam pelo sistema de esgoto e davam acesso às zonas mais seguras de Varsóvia. O intuito era que pudessem se esconder e fugir pelos túneis.

Em 19 de abril de 1943, véspera da Páscoa judaica (Pessach), os nazistas invadiram o Gueto de Varsóvia e foram atacados pela oposição, que reunia mais de mil moradores. Depois um mês de batalha, as chances de vitória pareciam nulas para a resistência, que eventualmente foi contida pelas tropas.

Mordechaj Anielewicz e outros jovens que organizaram o ato foram assassinados em batalha ou cometeram suicídio, reivindicando o que chamavam de “morte digna”. Poucos prisioneiros conseguiram fugir – e, os que sobreviveram, foram capturados e deportados para os campos de concentração de Lublin e Majdanek. A organização do Levante chegou ao conhecimento de muitos e, com isso, inspirou insurreições em outros locais – sendo, por isso, considerado o maior ato de resistência armada a enfrentar a opressão nazista.

Outros lugares de resistência

Rompendo com qualquer possibilidade de que os judeus caminharam passivamente para a morte, houve muitos outros ataques armados contra os nazistas em pelo menos 100. Ainda em 1943, judeus que viviam em Vilna, Bialystok e outras cidades também organizaram levantes, mesmo sabendo das poucas chances que teriam de sobreviver. Para além dos guetos, ocorreram ações contrárias ao poder nazista em alguns campos de extermínio, como Treblinka, Sobibor e Auschwitz.

Mas, tão importantes como esses que lutaram com armas, estão aqueles que se concentraram onde a maior parte da resistência foi possível. Por meio da fé e da esperança no futuro, muitos preservaram a vida comunitária e a história judaica, apesar dos esforços nazistas de extermínio desta população. Houve um processo de resistência na medida em que criaram entidades culturais judaicas que promoviam festas e rituais religiosos, se dedicando à manutenção da educação de forma clandestina, às produções culturais e artísticas, à publicação de boletins, à escrita de diários ou até mesmo a esconder registros e objetos que, hoje, são fontes históricas sobre o que foi o Holocausto.
Dentre os sobreviventes que integraram frentes de resistência, está Wanda Bandula, que viveu no Gueto de Varsóvia e viu de perto o Levante acontecer.

Wanda Rokman Bandula (Felícia Rokman) na adolescência. Fonte: Acervo do Museu do Holocausto de Curitiba.

Nascida em 1912, na cidade de Turek, na Polônia, como Felícia Rokman, Wanda mudou o nome para não ser facilmente identificada como judia pelos nazistas. Casou-se em 1937 com Pavel Mainemer. Sua família tinha uma fábrica de tecelagem e, por isso, ela pôde desfrutar de uma boa situação econômica – que tornou possível seu ingresso no ensino superior. Quando os nazistas invadiram a Polônia, a indústria familiar foi destruída e todos foram realocados no Gueto de Varsóvia. Wanda perdeu toda a sua família e seu marido assim que chegaram ao gueto, mas teve sua vida poupada por sua formação como dentista, podendo exercer sua profissão no local. Neste período, conheceu Mordechaj Anielewicz e passou a atuar com outros jovens na resistência, contrabandeando comida para dentro do gueto.

Como tinha acesso a um consultório, conseguiu pegar uma latinha de medicamentos, esvaziou seu conteúdo e, junto com os demais, levava diariamente o objeto para frestas ou buracos nos muros do gueto para que um ajudante de fora enchesse de manteiga. Essa ação certamente amenizou, mesmo que pontualmente, a fome de muitas pessoas que viviam em situações degradantes. Como forma de preservar a memória dessas ações, Wanda guardou consigo a latinha até o fim de sua vida. Hoje, temos a possibilidade de conhecer sua história e preservar este objeto tão simbólico em exposição fixa no Museu do Holocausto de Curitiba.

Após a derrota do Levante do Gueto de Varsóvia, Wanda fugiu por um buraco por baixo do muro que cercava o gueto e, posteriormente, recebeu ajuda de uma senhora. No entanto, foi capturada novamente e passou pelos campos de concentração de Ravensbrück, Flossenbürg e Berlin-Spandau – mas, sobreviveu. Refez sua vida após o fim da Segunda Guerra Mundial no Brasil, onde construiu uma família, um legado. Wanda Bandula, assim como os demais sobreviventes do Holocausto, é a prova de que sobreviver já foi, em si, uma forma de resistir.

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