Migração Forçada e Intolerância

A persistência da intolerância e preconceito em relação aos refugiados e outras pessoas deslocadas torna sua busca por um local seguro algo impossível

Em meio ao caos pós-Segunda Guerra Mundial, a sociedade internacional iria vivenciar diversos desafios pela frente. Não apenas pelo fato de estar em um continente destruído, uma das consequências do conflito, mas também pela necessidade de lidar com todas as feridas, ainda abertas, causadas pelo genocídio.

Uma das questões tratadas neste período pós-guerra foi a situação de todos os sobreviventes do Holocausto. Dentre estes, mais de 250.000 judeus estavam deslocados e espalhados em diversos abrigos, localizados na Alemanha, Áustria e Itália, administrados por autoridades dos países Aliados e pela Administração de Assistência e Reabilitação das Nações Unidas (United Nations Relief and Rehabilitation Administration – UNRRA). Criada em 1943, essa administração tinha o objetivo de dar assistência econômica aos países europeus, além de repatriar e dar suporte a todos os refugiados ao fim da Segunda Guerra Mundial.

Não apenas no fim da Guerra, o cenário de refúgio foi uma realidade no decorrer da história do Holocausto. Tendo como exemplo o Brasil, que recebeu aproximadamente 10 mil judeus entre 1933 e 1939. Entretanto, este não seria o único destino escolhido por essas pessoas. Nesse período, muitos países optaram por restringir e negar a entrada de judeus em seu território. Novamente, é possível trazer o exemplo do Brasil – já que, em 1937, o governo brasileiro, a fim de restringir a entrada de judeus no país, emitiu a circular 1127 com a justificativa de que representavam uma ameaça comunista à política brasileira.

A comunidade internacional, ao observar esse contexto, passou a se movimentar para buscar estabelecer certos direitos que deveriam ser básicos a qualquer ser humano. A partir dessa movimentação, surgiu, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelecendo pela primeira vez a proteção desses direitos. Poucos anos depois, foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, buscando trazer segurança às pessoas que não são asseguradas por esses direitos, como as deslocadas e apátridas.

Mesmo com a criação dessas e diversas outras entidades e a ideia de garantir direitos universais a todos, o processo de migração dos sobreviventes do Holocausto foi extremamente problemático. Os desafios na vida de um refugiado são inúmeros. A vida nos campos é extremamente difícil, muitas vezes devido às suas condições precárias, mas também devido à busca por familiares, tentar estabelecer uma nova vida e se encaixar em uma nova realidade. Mesmo aqueles que buscaram uma nova vida em outro país acabavam passando por outras dificuldades, como aprender um novo idioma, adaptar-se a uma nova cultura, buscar autossuficiência e, o mais importante, estar seguros. Estes e muitos outros desafios foram e continuam presentes nas vidas das mais de 100 milhões de pessoas espalhadas pelo mundo, em decorrência do deslocamento forçado. Entre elas estão refugiados, pessoas deslocadas internamente e apátridas (pessoas sem nacionalidade e que não possuem acesso a direitos básicos como educação, saúde, emprego e liberdade de movimento).

Mesmo sendo obrigados a sair de seus países e buscar um local que traga proteção, essas pessoas infelizmente ainda não estão totalmente seguras, tendo que lidar também com uma enorme intolerância por parte da sociedade que deveria acolhê-las.

A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) realizou uma pesquisa, em 2020, buscando levantar os principais desafios enfrentados por pessoas refugiadas no Brasil. Dentre eles, estão: geração de renda e autossuficiência; situações que incorrem em violência ou riscos na comunidade; acesso à moradia, água, saneamento e higiene; saúde e educação.

A persistência da intolerância e preconceito em relação aos refugiados e outras pessoas deslocadas torna sua busca por um local seguro algo impossível. É necessário desconstruir essas concepções para que possamos construir um local em que todos os seres humanos tenham acesso aos seus direitos básicos, independentemente de sua nacionalidade ou origem.

Atualmente, existem diversas iniciativas que buscam fazer o mínimo para que estes refugiados tenham uma vida digna. Um desses trabalhos incríveis é o realizado pela Cátedra Sergio Vieira de Melo. Criada em 2003 pelo ACNUR, a Cátedra vem sendo implementada em diversos centros universitários espalhados pelo Brasil, buscando promover a educação, pesquisa e extensão acadêmica voltada a população em condição de refúgio. Ela realiza um trabalho direto com os refugiados, fornecendo diversos serviços comunitários, como aulas de português, assistência jurídica, além de suporte à comunidade migrante.

A existência de projetos, como os elaborados pela Cátedra Sergio Vieira de Melo, são essenciais para desenvolver um ambiente seguro para estas pessoas. Algo imprescindível em uma sociedade repleta de guerras, conflitos e intolerância – que culminam na necessidade de um simples acolhimento.

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